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Como o mundo será cada vez mais urbano, o volume de gente é uma variável central a considerar quando se pensa em qualidade mínima de vida, capaz de incluir nas benesses da coexistência o maior número possível de habitantes. O símbolo visível dessa qualidade é o transporte, já que viver é, visto de longe, interminavelmente sair de um lugar e ir para outro. Numa entrevista recente, o ex-prefeito Jaime Lerner, inventor de um conceito chamado "Curitiba" que correu mundo, defende a tartaruga como a imagem ideal do cidadão moderno: trabalha em casa. Numa faixa muito pequena da população, a internet tornou isso realidade – se um dia minha utopia pessoal se realizar e eu viver do que escrevo, o que ainda espero acontecer, não precisarei dar um passo para fora de casa de modo a cumprir integralmente meu trabalho, em qualquer um de seus estágios. Mesmo como professor, um trabalho braçal, tenho a felicidade de morar a duas quadras de onde dou aulas, o que provoca uma admiração invejosa de amigos de São Paulo e Rio que perdem no mínimo duas horas por dia no vaivém da USP ou do Fundão.

Mas, no mundo real, a tartaruga é o carro, que um dia ainda vai precisar de controle de natalidade. O amontoamento crescente de automóveis, redobrado sob o estímulo econômico do governo, tem uma relação direta com o inferno urbano, o que prova que o asfixiante curto prazo da saúde econômica do país não tem nada a ver com o longo prazo da qualidade de vida. E, é claro, é preciso quebrar a profunda resistência cultural ao uso do transporte coletivo, por parte da ampla classe dos proprietários de automóveis.

Mea-culpa: como sou desses preguiçosos natos, dia desses me deu um estalo cívico e saí do meu casco de tartaruga para enfrentar os ônibus. De cara, gostei do cartão eletrônico – sempre gostei de bugigangas modernas, e essa realmente funciona, ainda mais abastecível pela internet. Mas a alegria parou por aí. Coisa de velho, reclamei da velocidade absurda dos ônibus – é preciso fazer pilates para se manter em pé, e ioga para manter a calma; felizmente, como vamos esmagados, a gente não cai por falta de espaço. Velocidade de metrô na carcaça de um ligeirinho é para matar o freguês. Me senti meio caminhão de gado com prazo de entrega vencido. A frequência dos ônibus nos horários de pico é irracional – depois de 15 minutos no tubo, chegam três ou quatro expressos de uma vez. Que tal usar um computador para calcular melhor a distribuição? E nem é preciso dizer que o sistema não dá conta da demanda nas horas em que a massa vira massa mesmo – é um salve-se quem puder. Mais um pouco e teremos aquelas cenas de Jornal Nacional, com guardas chicoteando usuários para que as sardinhas caibam na lata. Não seria má ideia os diretores da Urbs darem uma de cronistas e experimentarem na pele os ônibus que administram.

Cristovão Tezza é escritor.

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