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Formigas liberam feromônios para “conversarem” entre si
Formigas liberam feromônios para “conversarem” entre si| Foto: Pixabay

Dois cientistas-empreendedores brasileiros estão entre os maiores inimigos dos insetos que assolam pomares e plantações mundo afora. Em empresas diferentes, instaladas nos Estados Unidos, eles comandam a produção de semioquímicos, substâncias utilizadas na comunicação entre seres vivos para encontrar parceiros amorosos, indicar a existência de alimentos, alertar contra predadores ou atrair polinizadores, no caso das plantas. O que os brasileiros fazem é “bagunçar” a química entre insetos, e deles com as plantas, utilizando substâncias com mínimo impacto ao meio ambiente e que culminam na redução drástica de suas populações.

Os semioquímicos devem ajudar a aposentar a prática de sair matando pragas com doses cada vez maiores de pesticidas; em vez disso, a ordem é utilizar cheiros e essências químicas que confundem os machos e evitam o acasalamento, afastam os insetos da lavoura ou os atraem para armadilhas seletivas, deixando ilesas as benéficas abelhas e joaninhas.

Causar confusão sexual nos insetos por meio de feromônios já é um recurso utilizado há décadas pelos fruticultores. A revolução atual envolve o uso dessas substâncias para confundir, atrair e matar pragas em grandes culturas agrícolas, como milho, arroz, soja e algodão, onde os gastos anuais com inseticidas chegam a 22 bilhões de dólares. Até aqui, a barreira estava em como produzir grandes quantidades dessas substâncias, altamente voláteis. Novas técnicas, por meio de fermentação de bactérias, transgenia e nanotecnologia, prometem dar conta desse recado.

Filete branco pastoso substitui a irrigação; na foto, trator aplica produto atrai-e-mata Noctovi para a cultura do algodão
Filete branco pastoso substitui a irrigação; na foto, trator aplica produto atrai-e-mata Noctovi para a cultura do algodão| Samuel Betkowski / Divulgação Isca

Biólogo e químico comandam nova era do controle de pragas

Tanto o biólogo gaúcho Agenor Mafra-Neto como o químico pernambucano Pedro Coelho moram há anos nos Estados Unidos, na Califórnia, de onde comandam suas empresas globais de produtos biológicos. Mafra-Neto à frente da Isca Technologies e Coelho como CEO da Provivi Inc.

As empresas têm chamado a atenção e os dólares dos investidores. A Provivi, que tem entre os sócios a ganhadora do Nobel de Química em 2018, Frances Arnold, recebeu no ano passado um aporte de US$ 10 milhões da Fundação Bill e Melinda Gates. O valor veio se somar aos US$ 210 milhões já captados no mercado. A Isca Technologies, por sua vez, acumula aportes de incentivo à pesquisa na cifra de US$ 40 milhões.

Presidente da Isca Technologies para a América Latina, Leandro Mafra diz que é possível contar nos dedos de uma mão as empresas que buscam superar o desafio de transplantar o sucesso dos semioquímicos dos pomares para as grandes commodities. E entre elas estão a Isca e a Provivi.

No caso da Isca, a prioridade é tentar baixar os custos dos semioquímicos e ganhar escala. “A gente começou na maçã, com potencial de 17 mil hectares mais tecnificados. Mas quando falamos da soja, do milho e do algodão, são 60 milhões de hectares só no Brasil. Esse é o potencial que a gente vê”, destaca Mafra.

Nova fronteira está nos voláteis emitidos pelas plantas

Em 2019, a Isca Technologies juntou as operações dos Estados Unidos e do Brasil e decidiu virar um ator global da biotecnologia. Em vez de focar nos feromônios – cada inseto emite um cheiro para “conversar” com os da mesma espécie – a empresa investe na identificação e produção de voláteis emitidos pelas próprias plantas, os aleloquímicos, que costumam atrair vários insetos. Assim, no conceito atrai-e-mata, uma ínfima quantidade de inseticida é misturada à calda do semioquímico. O resto fica por conta da atração fatal das mariposas, percevejos e companhia.

“A quantidade de inseticida tem redução de 98%, em relação ao que normalmente seria utilizado. As empresas de inseticidas estão muito interessadas nesse mercado, temos conversado com a Corteva, com a Basf, que já estão dentro da onda dos biológicos. Somos a próxima geração, em cinco anos esse mercado vai crescer muito”, assegura Mafra.

Até o fim deste ano a Isca Technologies vai lançar um semioquímico “atrai e mata” para o controle da lagarta-do-cartucho que ataca o milho (spodoptera frugiperda) e outro para o percevejo-marrom-da-soja. Mais adiante, devem vir semioquímicos para enganar o bicudo-do-algodoeiro e insetos que atacam café, frutas cítricas e cana-de-açúcar.

A estimativa é que daqui a cinco anos este mercado movimente US$ 1 bilhão por ano, contra US$200 milhões, atualmente. A Isca projeta sair de um faturamento de 22 milhões de dólares para 140 milhões, também em cinco anos.

Joaninhas atacam pulgões em folha de couve
Joaninhas atacam pulgões em folha de couve| Divulgação / Embrapa

Semioquímicos reduzem drasticamente uso de pesticidas

Para a pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Carolina Blassioli, os semioquímicos não vão extinguir os agrotóxicos, mas minimizar drasticamente o número de aplicações. E resolver o problema da resistência às moléculas. “A gente percebe grande resistência dos percevejos da soja, as marias fedidas. Tem produtores fazendo 18 aplicações de inseticidas, porque estão desesperados. O feromônio já está na natureza, o inseto produz. A gente precisa apenas obter e sintetizar”, destaca.

Para produzir feromônios em larga escala, empresas como a Provivi mudaram a forma de sintetizar essas substâncias. Pedaços de moléculas semelhantes ao feromônio são multiplicadas em grandes volumes por meio de fermentação com bactérias. Nanopartículas garantem maior poder de fixação dessas substâncias, naturalmente muito voláteis, nas plantas. No caso dos feromônios de atração sexual, não é preciso sequer utilizar inseticida. A nuvem de cheiro sintético afrodisíaco das fêmeas causa tanta confusão entre os machos que o nível de infestação diminui em mais de 90%. Simplesmente porque as núpcias não se consumam.

No Brasil, os semioquímicos em geral são regulados como biológicos e podem ser autorizados em até um ano e meio. Já os feromônios precisam passar por um sistema de registro e licenciamento parecido com o dos agrotóxicos, mais demorado. Isso leva a situações como a da molécula para controle do percevejo-marrom-da-soja, desenvolvida pela Embrapa. A primeira empresa a tirar proveito da tecnologia e a produzir a molécula, em escala comercial, foi a Chemtica, da Costa Rica. “Trata-se de uma molécula natural, a gente pode patentear o uso, mas não a molécula em si”, conforma-se Carolina Blassioli.

Semioquímicos devem mudar mercado em poucos anos

Em outra frente, a Embrapa desenvolveu um feromônio para combater a praga Alphitobius diaperinus, mais conhecida como cascudinho da cama de frango. Atualmente, os avicultores precisam aplicar inseticidas antes da chegada de novos lotes de pintainhos, na limpeza dos galpões. Com o novo feromônio sintético, parceria da Embrapa com a empresa EcoAgro, os cascudinhos são confundidos pela inundação do cheiro das fêmeas, e acabam não se reproduzindo. Outro feromônio também pesquisado tem efeito de alarme. Nesse caso, o cheiro indica perigo, presença de predador, e os cascudinhos, ou outras pragas, fogem para longe.

“Nos próximos cinco anos vamos caminhar o que não caminhamos nos últimos 50 anos. Os primeiros feromônios foram descobertos em 1959, época em que havia um boom dos agrotóxicos e a gente tinha pouca noção dos perigos para a saúde e o ambiente. Naquela época, ninguém estava preocupado em controlar os insetos de outra forma. Os agrotóxicos matavam tudo. Hoje, com a nanotecnologia, a gente usa menos produto e de forma mais eficiente. Ele fica preso à planta, e a molécula vai liberando lentamente. Basta uma molécula para atrair o inseto”, conta Blassioli.

São inúmeras as novas maneiras de enganar os insetos, que substituem ou complementam a força bruta dos pesticidas. O pesquisador José Maurício Simões Bento, responsável pelo Laboratório do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Semioquímicos da Esalq/USP, diz que o divisor de águas está sendo a capacidade de multiplicar os voláteis para uso nas grandes culturas, com preços mais competitivos, e não somente em frutíferas.

Pesquisadores se dedicam a desvendar o sistema de defesa das plantas

No campo de estudo dos aleloquímicos, o foco é identificar todos os compostos das plantas e estudar como eles interagem com os insetos. Bento relata que as plantas desenvolveram um mecanismo de defesa que, ao serem atacadas por herbívoros, emitem compostos voláteis que atraem inimigos naturais do inseto que está incomodando. “Hoje é o que os principais centros de pesquisa estão estudando, inclusive a gente. É a forma que as plantas se defendem, esse recurso desenvolvido em milhares de anos. Quando atacadas, elas emitem esses voláteis para atrair inimigos naturais”.

Um outro caminho de pesquisa envolve a manipulação genética para superexpressar nas plantas os voláteis que repelem pragas, ou, pelo caminho inverso, silenciar a produção de voláteis que atraem essas pragas. Também é possível recorrer à transgenia e introduzir os genes com os efeitos desejados em plantas de espécies diferentes.

Em comum entre os pesquisadores e empreendedores está a consciência de que nenhuma dessas tecnologias vai dominar sozinha a luta contra as pragas, preservando a biodiversidade e o meio ambiente. A combinação dos métodos de controle, inclusive com inseticidas, reforça aquilo que muitos produtores sabem na prática, há anos. É preciso fazer o MIP – manejo integrado de pragas. Com inteligência, um tanto de malandragem e dissimulação, os insetos acabam caindo nas armadilhas.

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