Relatório da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) coloca a BR-381 na sexta posição entre as mais perigosas do país.| Foto: Divulgação/Dnit
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O adiamento do leilão que prevê a concessão da rodovia BR-381 à iniciativa privada - no trecho mineiro que liga Belo Horizonte a Governador Valadares - foi confirmado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e pelo Ministério dos Transportes três dias antes da data marcada, em novembro de 2023. A nota dizia que o projeto de concessão da rodovia, cujo leilão estava previsto para o dia 24 daquele mês, não obteve propostas, marcando mais um capítulo na história de tentativas de concessão, que é aguardada há uma década. Esta foi a terceira tentativa de leiloar o trecho. As anteriores ocorreram nos anos de 2013 e de 2022.

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As discussões sobre a concessão deste trecho da BR-381 são antigas e, até o recente cancelamento do leilão, pareciam estar finalizadas. Em outubro, durante uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) com participação de gestores da ANTT, foi apresentado o projeto de concessão, remodelado, com 134 quilômetros de duplicação, 43 quilômetros de faixas adicionais e outros 94 quilômetros de pista simples, além de correção de traçado em 152 quilômetros, travessias de pedestres e 190 pontos de ônibus, paradas de descanso e área de escape de veículos.

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A previsão então era que os investimentos em infraestrutura gerariam 7 mil empregos diretos e indiretos. Na ocasião, o diretor da ANTT Guilherme Sampaio chegou a rechaçar a possibilidade de que o leilão fosse deserto, sob o argumento de que se tratava de “um projeto moderno, seguro e atrativo”.

BR-381 é conhecida como "rodovia da morte"

A BR-381 tem o macabro apelido de “rodovia da morte”, em razão do alto número de acidentes com vítimas registrados. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) apontam que, entre janeiro e outubro de 2023, ocorreram 2.151 acidentes na BR-381, deixando 2.789 pessoas feridas e 133 mortas.

Relatório publicado pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) em dezembro de 2023 coloca a BR-381 na sexta posição entre as mais perigosas do país.

Só o trecho entre os quilômetros 480 e 490, que fica em Betim - região metropolitana de Belo Horizonte - registrou 293 acidentes entre novembro de 2022 e outubro de 2023.

A rodovia é caminho estratégico para a cadeia produtiva de minério de Minas Gerais. O trecho que seria leiloado faz a ligação com o conhecido “Vale do Aço”, região onde diversas indústrias do setor estão instaladas.

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Trecho da BR-381 à espera de leilão faz a ligação com o estratégico Vale do Aço em Minas.| Foto: Divulgação/ANTT

Mauro Guimarães, diretor-geral da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Vale do Aço, aponta a infraestrutura como um dos grandes desafios para a atração de recursos. "Minas está batendo recorde na atração de investimentos, mas praticamente nada está vindo para cá. Os investimentos que temos recebido são principalmente de empresas locais. A estrada aqui é incerta em relação à chegada e a horário, o que dificulta a atração de investimentos", aponta.

Inserido na região do Vale do Rio Doce, a Metropolitana do Vale do Aço tem quatro municípios principais (Ipatinga, Coronel Fabriciano, Santana do Paraíso e Timóteo) e outros 24 que integram o chamado “colar metropolitano”, que são cidades menores, vizinhas as principais. Segundo o Censo de 2022, mais de 458 mil pessoas residem na região. Ipatinga, a mais populosa delas com 227 mil habitantes, fica a pouco mais de 200 quilômetros de Belo Horizonte.

Guimarães enfatiza como essa situação afeta a qualidade de vida da população local. "Todas essas questões na infraestrutura viária, aeroporto e ferrovia são os principais gargalos da nossa região. Isso também afeta a qualidade de vida da população, diminuindo as oportunidades de crescimento e emprego. Embora não esteja diretamente relacionado ao trabalho da agência, isso acaba afetando nossos esforços", diz ele.

O engenheiro metalurgista e professor Geraldo Salomão também vê como problemático o adiamento da concessão. “A região é extremamente produtiva e é uma das maiores produtoras da indústria de base de Minas Gerais. É absurdo que isso (investimento na infraestrutura viária) não tenha sido feito há muito tempo, porque o estado perde ali naquela região, que concentra um dos maiores PIBs (Produto Interno Bruto) de Minas”, opina.

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Salomão reforça que, além das questões econômicas, os riscos de trafegar pela rodovia são altos. “Uma questão importantíssima é a vida das pessoas. Muita gente já morreu ali. O risco é muito alto e tem pontes sem o guard rail (barreira de proteção), tem pontes que são feitas na curva, o que é um absurdo”, exemplifica.

Dados da CNT apontam que as más condições das estradas geram uma reação em cadeia prejudicial à economia, elevando os custos produtivos em 33%. Segundo o presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Minas Gerais (FCDL-MG), Frank Sinatra, esse é um quadro que prejudica o custo das operações comerciais. “Esse cenário resulta em aumento do consumo de combustível, maior necessidade de manutenção de veículos, menor segurança para os motoristas e impactos ambientais, travando o desenvolvimento econômico”.

Sinatra reforça que as concessões são uma solução eficaz para esse problema. “Ao transferir a gestão para o setor privado, podemos esperar investimentos significativos em infraestrutura, melhorias operacionais e, consequentemente, estradas mais seguras e eficientes. A parceria público-privada não apenas alivia o fardo financeiro do governo como também estimula o desenvolvimento econômico ao criar um ambiente propício para o comércio”.

Modelagem é apontada como uma das causas para leilão deserto

Um dos pontos que pode ter pesado para que nenhum investidor tenha apresentado proposta para a BR-381 no leilão previsto para o fim do ano passado é a modelagem. Os modelos de concessão são elaborados por grupos de consultorias multidisciplinares, coordenados por estruturadores especializados que assessoram os governos. Os projetos envolvem especialistas das áreas econômica, jurídica e de engenharia, entre outros responsáveis por elaborar análises e construir a melhor proposta possível, que atenda aos interesses de possíveis investidores, dos usuários e do governo.

Para atender ao usuário, o desafio é obter um equilíbrio entre a modicidade tarifária, encontrando uma tarifa que caiba no bolso, ao mesmo tempo em que é ofertado um bom conjunto de obras e serviços. É importante que a proposta seja interessante comercialmente, que tenha boa margem de lucro, mas isso não pode significar um risco exacerbado para o governo. Dentro da previsão dos riscos, tudo precisa ser considerado: variações climáticas, questões geográficas, políticas e econômicas.

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Nesse sentido, uma das possíveis interpretações que se pode fazer da ausência de propostas para o leilão que estava previsto para o dia 24 de novembro é justamente o aumento do risco para o investidor. Em Minas isso pode ser atrelado aos riscos geológicos, pois as variações de terreno e seus traçados interferem no custo das obras e da fase de manutenção que, consequentemente, aumentariam o pedágio. Um valor alto de pedágio pode tornar a rodovia inviável comercialmente e, mesmo diluindo os custos de uma obra ao longo dos anos previstos para a concessão, a demora para conseguir esse retorno também é vista como risco pelo investidor por aumentar as incertezas, como variações de custos muito acima da cesta de inflação que corrige as tarifas de pedágio.

Áurea Carvalho é especialista em política ambiental e desenvolvimento internacional pela Universidade de Harvard e confirma que esse fator pode afastar os investidores. “São muitos riscos envolvendo um projeto dessa monta. Eventos climáticos, por exemplo, estão mais intensos e frequentes, com impactos cada vez mais elevados na rentabilidade desses investidores. Chuvas de grande intensidade, como as de janeiro de 2022, podem destruir estradas em condições geológicas pouco favoráveis, decorrentes, por exemplo, de deslizamentos. O investidor precisa calcular esse possível custo na sua operação e as empresas têm percebido que isso pode inviabilizar o negócio”, afirma.

Um exemplo é na rodovia BR-356, que liga Belo Horizonte a Ouro Preto e Mariana, cidades históricas de Minas e com grande fluxo de turistas o ano todo. O secretário de Infraestrutura de Minas Gerais, Pedro Bruno, pontua que os aspectos geológicos tornam a obra muito cara e o aporte de recursos pelo estado seria um atrativo para o mercado. “Esse é um projeto que está pronto, mas o desafio é a viabilidade. A expectativa é que, saindo o acordo de Mariana, a gente possa ter recursos para viabilizar esse trecho. Como a topografia da região é muito complexa, acaba ficando uma obra cara e a gente tem um cuidado na concessão de ter uma tarifa justa. E, no caso de Ouro Preto, para chegar no valor adequado, é necessário um aporte de recursos”.

O acordo ao qual o secretário se refere é a repactuação da reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, ocorrido em 2015. O Ministério Público Federal (MPF) divulgou, em nota, que as negociações foram paralisadas em 5 de dezembro e não têm data prevista para retorno.

Bruno também lamenta o adiamento do leilão da BR-381 e reforça que, ainda que esses sejam projetos não estejam na liderança do governo de Minas, a gestão estadual atua em parceria para que essas concessões aconteçam. “Temos um desejo muito grande de que esse leilão ocorra o quanto antes pela relevância dessa estrada. O governo federal anunciou que pretende, no primeiro semestre deste ano, fazer uma nova tentativa. Estamos à disposição para apoiar no que for necessário para que dê certo, considerando a relevância dessa estrada”.

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Contrato na BR-040 foi postergado para que concessão não chegasse ao fim antes de novo contrato

No mesmo sentido, a BR-040, outra via essencial para Minas Gerais, também conta com a parceria entre estado e União. O secretário afirma que uma das preocupações era que a atual concessão da rodovia acabasse sem um novo contrato. Houve uma articulação para que o contrato fosse postergado.

O trecho da BR-040 que liga a capital mineira a Juiz de Fora, na Zona da Mata, também era uma concessão esperada para 2023. Em agosto, o ministro dos Transportes, Renan Filho, chegou a afirmar que o edital de concessão seria publicado em 14 de dezembro, o que não ocorreu. Na última semana do ano, a ANTT anunciou o leilão da BR-040 para 11 de abril.

Ligando o Rio de Janeiro ao Distrito Federal, a BR-040 tem boa parte de seu trajeto em Minas Gerais e também a aparece no relatório da CNT entre as rodovias mais perigosas do país. No trecho entre os quilômetros 560 e 570, no município de Nova Lima, foram registrados 40 acidentes com 10 mortes, entre novembro de 2022 e outubro de 2023.

Inicialmente, a proposta de nova licitação da BR-040 abrangia o trecho entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro (RJ). Porém, por decisão do Ministério dos Transportes, o projeto foi alterado e dividido em dois trechos: de Belo Horizonte a Juiz de Fora (é o que será leiloado em abril) e de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro.

Segundo a ANTT, “essa modificação atende ao interesse público, permitindo a antecipação da execução de obras em ambos os trechos e ampliando a participação na licitação”. Por se tratar de uma via em fase de relicitação, acrescenta o órgão, o edital do projeto prevê a transição operacional entre a operadora atual, Via 040, e a futura ganhadora do certame. "Para isso, a nova concessionária deverá apresentar um plano de transição", informa a ANTT.

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O secretário mineiro de Infraestrutura é otimista com relação a novas concessões. “Temos um dos mais bem sucedidos programas de parceria do Brasil. Vigentes são 19 contratos, a maior parte do seguimento rodoviário. Não temos dúvida de que esse é o caminho para viabilizar investimentos relevantes para o estado”, diz ele.

Dos contratos mencionados pelo secretário, a MG-050 e a MG-135 vêm de gestões anteriores. No governo atual de Romeu Zema (Novo) foram realizadas concessões no Triângulo Mineiro, sul de Minas, Rodoanel (BH), Varginha e Furnas. Outros três lotes seguem em estudo para concessão, localizados no noroeste de Minas, Zona da Mata e no Vetor Norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Somados, os trechos em estudo representam cerca de 2,4 mil quilômetros de extensão.

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