| Foto: Nay Klym/Gazeta do Povo

O plantio de uma horta em uma calçada em Curitiba se tornou alvo de polêmica por ocupar um espaço público na Rua Euclides Bandeira, em frente à ciclovia que corta do Bosque do Papa João Paulo II, no bairro Bom Retiro. Na segunda-feira (21), os organizadores do espaço, que pertence ao projeto comunitário Coletivo Mão na Terra, receberam uma notificação da Secretaria Municipal de Urbanismo de Curitiba (SMU), datada do dia 5 de maio, dando prazo de dez dias, a contar da data do recebimento, para a via pública ser desobstruída, sob pena de multa. Ou seja, a administração pública quer que a horta seja desmanchada. Essa é a terceira vez que a prefeitura da capital se envolve em uma situação como essa. A prefeitura voltou atrás nas duas anteriores.

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GALERIA: Veja fotos da horta comunitária do Bom Retiro

Após o resultado das polêmicas anteriores, o programador João Felipe Carneiro, 27 anos, idealizador do projeto Coletivo Mão na Terra, diz que recebeu a notificação para a retirada da horta com surpresa, pois o projeto começou há cerca de um ano e meio e ninguém havia reclamado de nada. “Dá a impressão que a prefeitura não veio até aqui, simplesmente ouviram a denúncia e resolveram notificar. Isso porque até os moradores da vizinhança costumam contribuir com a horta e com a doação de roupas. O fiscal não deve saber disso. Espero que tudo tenha sido um mal-entendido”, aponta.

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Na notificação, a SMU dá o prazo de 10 dias para que a sejam retiradas as plantações, telhas, cerâmicas, banco de madeira e arara de madeira com roupas penduradas em frente ao imóvel do responsável pela horta, em cumprimento à Lei 11095/04/Art. 190. O artigo mencionado diz que “é vedado depositar ou instalar nos logradouros e espaços públicos, objetos que impeçam ou dificultem a circulação e visibilidade, ou que possam vir a causar danos aos transeuntes”.

A notificação SMU chamou a atenção da Câmara Municipal e motivou uma postagem do vereador Goura (PDT) nas redes sociais. Em sua página do Facebook, acompanhada das fotos horta e de uma cópia da notificação, o vereador criticou a decisão. “Não concordamos com a medida e vamos tomar as medidas necessárias para preservar este projeto comunitário importante e que ajuda a difundir os ideais de ocupação da cidade, de humanizar os ambientes e agir coletivamente na comunidade. A decisão da prefeitura é absurda e deve ser revista”, afirmava na publicação.

O que diz a prefeitura

A prefeitura se manifestou sobre o assunto por meio de nota, na noite desta terça, após a publicação da reportagem. O texto enviado explica que a notificação aos responsáveis pela horta ocorreu em função de diversas reclamações registradas pelo sistema 156. Segundo a prefeitura, a notificação é para que os responsáveis adequem o espaço, sem ocupar uma área pública, invadindo parte do passeio. No entanto, conforme mostram as fotos, as áreas utilizadas para caminhar e pedalar não são ocupadas pela horta.

A administração diz ainda que técnicos da Secretaria de Municipal de Abastecimento irão conversar com os responsáveis pela horta comunitária para que eles adotem medidas comuns as outras 24 hortas comunitárias que existem na cidade e operam sem infringir as normas de urbanismo.

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“A prefeitura atendeu a reclamações da vizinhança sobre a ocupação do espaço público. Não se trata de proibição, mas de ordenação urbana. Orientei que os técnicos da secretaria do Abastecimento procurem os jovens do Coletivo Mão na Terra para que participem do programa de hortas comunitárias da prefeitura. As hortas são boas para a cidade”, disse o prefeito Rafael Greca (PMN) na nota.

Em junho de 2017, uma horta comunitária no Cristo Rei foi notificada por falta de limpeza adequada do passeio. Após moradores do bairro entrarem com recurso contra a prefeitura para manter o espaço, em outubro do mesmo ano a horta recebeu reconhecimento internacional da Organização das Nações Unidas (ONU). O outro caso foi no Juvevê, também no ano passado, onde bananeiras plantadas na calçada geraram disputa entre morador e prefeitura. As duas situações haviam sido denunciadas e notificadas pela SMU, mas depois da mobilização da comunidade e reportagens da Gazeta do Povo, o município voltou atrás.

Coletivo Mão na Terra

Quem se depara com a horta na ciclovia logo percebe que ali fica apenas a ponta do iceberg, já que o terreno enorme da casa é inteiro ocupado com plantações. No local, também é feito um trabalho de compostagem do lixo e os colaboradores dão cursos de pintura com tinta à base de argila. A horta costuma ser movimentada nos fins de semana, quando são organizados mutirões de plantio com a comunidade, rodas de conversa, música, tai chi chuan e meditação.

Havlyson Bueno, 30, colaborador do Coletivo Mão na Terra, explica que ali são praticados o plantio de alimentação saudável, cultivo de orgânicos, prática agroflorestal e tem pretensão de transformar o terreno da casa que ocupa em um bosque. “Já temos mais de 60 árvores plantadas em um espaço visitado por famílias e pessoas que pensam em construir um mundo melhor. Desde que o projeto começou, aos poucos foram aparecendo os animais silvestres, como esquilos e saracuras, e essa aproximação com a natureza não tem objetivo de prejudicar ninguém”, diz.

Havlyson Bueno (de chapéu), João Felipe Carneiro (ao centro) e Wagner Damião (direita) esperam que a prefeitura volte atrás.  
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O empresário do ramo musical Leonardo Stone, 21, que caminha todos os dias pela ciclovia, já tinha notado a presença da horta e acha que ela deixa o lugar mais bonito. “Não concordo com a prefeitura. A horta tem que ficar”, reflete.

Com um ponto de vista mais crítico, o engenheiro agrônomo Antônio Carlos Rezende, 51, vizinho do projeto e morador da região há 12 anos, diz preferir a paisagem do jeito que estava. “Eu apoio a iniciativa, mas ela deveria ser feita em local mais apropriado, respeitando as leis da cidade e colaborando de uma forma mais objetiva para a comunidade”, analisa Rezende. De acordo com o engenheiro agrônomo, do que jeito que está sendo preparado o local da horta, há risco de acidente por causa dos materiais utilizados para cercar a plantação, as placas de sinalização de madeira são pregadas nas árvores, quando deveriam ser amarradas com arames para evitar a proliferação de fungos e espaço público deveria ser preservado. “Simplesmente, não dá para sair ocupando os espaços públicos de maneira desordenada. É preciso avaliar as interferências dessas ações, para não prejudicar os outros”, afirma.