| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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A proposta de reformulação do Bolsa Família tem empacado porque o governo não consegue encontrar um meio de financiar a expansão do programa sem estourar o teto de gastos. Para criar o Renda Cidadã, é preciso cortar alguma despesa obrigatória e todas as opções apresentadas pela equipe econômica até o momento desagradaram ao presidente Jair Bolsonaro. Uma “nova” sugestão vem agora do Tribunal de Contas da União (TCU): acabar com a desoneração da cesta básica pode render mais R$ 30 bilhões para ações de transferência de renda.

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A avaliação do órgão é simples: investir qualquer montante em um programa bem focalizado como o Bolsa Família cumpre melhor o objetivo da transferência de renda e diminuição da desigualdade do que qualquer ação de renúncia fiscal. Essa recomendação foi a conclusão de uma análise que começou com o caso concreto do impacto de benefícios fiscais para setores das empresas JBS e J&F, em especial sobre proteína de carne, mas acabou abarcando todo o pacote de subsídios à cesta básica.

A ideia de reonerar a cesta básica para direcionar a ajuda não é nova, mas eventualmente pode encontrar menos resistência do que mudanças em ações como o abono salarial (um tipo de 14º salário pago aos trabalhadores formais que ganham até dois salários mínimos) ou o seguro-defeso (benefício pago a pescadores e que é alvo de inúmeras investigações sobre fraudes).

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Retomar imposto da cesta básica ajuda a bancar programa, mas não resolve teto

Segundo relatos de bastidores, o relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), avalia incluir na peça a previsão de corte em isenções e subsídios tributários – benefícios que tiram dos cofres federais mais de R$ 300 bilhões por ano, segundo cálculos da Receita Federal. Não está claro, no entanto, quais desses incentivos podem ser eliminados, nem se a desoneração da cesta básica estaria entre eles.

A sugestão do TCU, no entanto, só resolve uma parte do problema de viabilização do Renda Cidadã, que é a questão do financiamento. Resta a questão do teto de gastos. É que, para usar os recursos da cesta básica no novo programa, o governo continuaria precisando cortar algumas despesas obrigatórias, a fim de não estourar o limite de despesas. E é esse remanejamento de gastos que parece ser a fonte de maior indefinição do governo.

O país está enfrentando uma situação fiscal delicada, com o aumento do gasto público e endividamento, e sem conseguir avançar na análise de matérias importantes, como a PEC Emergencial, que estabelece os gatilhos a serem acionados em caso de descumprimento do teto de gastos. Toda essa conjuntura acaba atrasando ainda mais o debate sobre o Renda Cidadã.

Reonerar a cesta básica pode ter efeito positivo, avalia TCU

Depois de analisar o conjunto de renúncias fiscais nas empresas de alimentos, o TCU focou no conjunto de subsídios repassados à cesta básica. A conclusão é de que os recursos seriam mais bem empregados se aplicados diretamente em ações de transferência de renda. Por isso, o acórdão sugere que as informações sirvam de base para discussões sobre as fontes de recursos para a expansão do Bolsa Família.

De acordo com o órgão, a desoneração da cesta básica foi o segundo maior "gasto tributário" (isto é, renúncia fiscal) do governo em 2019: foram R$ 32,3 bilhões, o que equivale a 10,46% do gasto tributário total. Esse valor é bastante próximo do que é reservado para ações do Bolsa Família, que custa, em média, R$ 30 bilhões por ano (ou 0,5% do PIB).

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Para 2021, a proposta orçamentária enviada pelo governo prevê elevação das verbas do programa para R$ 34,8 bilhões. Sua reformulação e ampliação, no entanto, exigiria mais recursos, estimados entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões para que o Renda Cidadã se torne viável.

O relator da proposta do TCU, o ministro Raimundo Carneiro, disse em seu parecer que a comparação “entre os graus de eficiência e efetividade das políticas desoneração da cesta básica e de transferência direta de renda às famílias em situação de pobreza revelam que o PBF [programa Bolsa Família] é mais efetivo e eficiente que a política de desoneração tributária”.

Corroborando sua tese, Carneiro citou dados de 2016 que indicam que o Bolsa Família ensejou uma redução de 1,7% na desigualdade de renda, contra 0,1% de queda provocada pela desoneração da cesta básica. Além disso, “a realocação dos recursos da desoneração da cesta básica para a transferência direta de renda pode gerar reduções nos índices de pobreza absoluta e de desigualdade de renda 5,4 vezes e 2,4 vezes maiores que os efeitos da desoneração da cesta básica, respectivamente”, argumentou.

Financiamento solucionado, mas teto de gastos ainda é problema

Mesmo com a sugestão do TCU sendo viável, do ponto de vista do financiamento – vale lembrar que o governo já sugeriu usar recursos do Fundeb e de precatórios para essa ação –, ela esbarra no teto de gastos. O alerta veio do ministro do TCU Bruno Dantas, que ponderou que a eliminação de isenções que não são eficientes é algo desejável, mas frisou que isso não resolve o problema do teto de gastos.

“Essas isenções fiscais não são contabilizadas como despesa primária, o que significa que o fato de o governo eliminar essas isenções fiscais em nada altera a limitação imposta pelo teto de gastos”, explicou Dantas na reunião plenária de 4 de novembro, quando o relatório de Carneiro foi apresentado.

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Na avaliação do ministro, o maior problema do governo para a viabilização da proposta não é a ausência da fonte de custeio definida, mas sim a questão do teto. Por isso, a reformulação dos gatilhos para contenção do gasto público previstos na Emenda Constitucional 95 é urgente.

A alteração e a regulamentação dos gatilhos constam da PEC Emergencial, que pode ser analisada pelo Congresso após a eleição municipal e antes da votação da proposta do orçamento de 2021.

“Ainda que se adote essa solução, isso resolve uma das pontas do problema, que é o custeio. O teto de gastos não estará solucionado. O governo precisará cortas despesas em algum outro lugar. E ao que me parece essa é a grande dificuldade do governo. O ministro Paulo Guedes tem mostrado disposição, apresentado ao Palácio do Planalto algumas possibilidades, mas o governo tem mostrado pouca disposição para colocar o dedo na ferida”, disse Dantas.

Órgão também sugere fim de renúncia fiscal

O processo que deu origem a essa recomendação do TCU partiu de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da JBS (CPMI JBS), que queria saber se houve irregularidade na concessão dos benefícios fiscais da JBS e J&F. O relatório do ministro Raimundo Carneiro avaliou dados das empresas de 2015 a 2018, obtidos com a Receita Federal, e não encontrou indícios de fraude.

Mas o tribunal se debruçou sobre a análise da política de renúncia fiscal relacionada a PIS e Cofins nos setores de proteína animal, massas e derivados do leite. Dados do Painel de Renúncias Tributárias do Tribunal de Contas da União, usados no documento, mostram que as renúncias de PIS e Cofins desses setores foram de R$ 74,7 bilhões em 2015 e chegaram a R$ 80,3 bilhões em 2018, em valores correntes.

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A conclusão é de que a ação “não atende aos objetivos republicanos da Constituição Federal, de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades regionais”, conforme relatório de Carneiro. Entre os problemas, está a concentração de benefícios tributários nas regiões que já são as mais desenvolvidas do país (Sul e Sudeste), e que também possuem maior quantidade de empresas que se beneficiam das medidas.

“Os dados obtidos denotam que os benefícios fiscais em foco estão concentrados não apenas nas regiões mais opulentas do país, mas também nas empresas de maior porte. Não é demais lembrar que as isenções incidentes sobre o PIS e a Cofins são proporcionais, respectivamente, à folha de pagamento e ao faturamento. Assim, em regra, quanto maior a empresa, maior o valor absoluto desses benefícios tributários. Trata-se, portanto, de uma política de enriquecimento dos mais ricos”, descreve o relatório.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]