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O ex-ministro Aloizio Mercadante, de perfil desenvolvimentista, foi indicado por Lula para a presidência do BNDES no futuro governo.
O ex-ministro Aloizio Mercadante, de perfil desenvolvimentista, foi indicado por Lula para a presidência do BNDES no futuro governo.| Foto: André Borges/EFE

A indicação do economista petista Aloizio Mercadante para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a manobra articulada com o Congresso para mudar a Lei das Estatais causam novos abalos no mercado e pioram as expectativas sobre a condução da economia no futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na avaliação de um número crescente de analistas e gestores, as escolhas de Lula sugerem que a gestão que começa daqui a pouco mais de duas semanas pode ter características próximas às do governo de Dilma Rousseff (2011-16) – que ficou marcado por um intervencionismo mais acentuado na economia e "pedaladas fiscais" que culminaram na profunda recessão de 2015 e 2016, quando a economia encolheu quase 7%, e no impeachment da então presidente.

Boa parte desses agentes entende que indicar um conhecido desenvolvimentista como Mercadante para o BNDES aumenta as chances de que o governo retome a política dos "campeões nacionais", em que bilhões de reais de dinheiro público foram usados para subsidiar empresas escolhidas.

Quando o banco de fomento abandonou essa estratégia, em 2013, cerca de R$ 18 bilhões já haviam sido investidos nos grupos eleitos. Em paralelo, o Tesouro repassou R$ 440 bilhões para o financiamento a juros baixos de empresas, estados, municípios e pessoas físicas. Só em 2023 o BNDES terminará de devolver esses recursos, e isso porque tal devolução foi antecipada.

"Para os membros do mercado financeiro que julgavam que o novo governo seria pragmático e muito semelhante ao primeiro mandato de Lula, as decepções se acumulam e toda torcida se converte na realidade de que tudo está se voltando às características do mandato de Dilma", escreveu Jason Vieira, economista-chefe da gestora Infinity Asset, em relatório enviado a clientes.

Mais até que a indicação de Mercadante, chama atenção a rapidez da manobra para mexer na Lei das Estatais e abrir caminho para indicações políticas. O número elevado de votos na Câmara – 314, mais que o necessário para aprovar uma emenda constitucional, por exemplo – é revelador da disposição de parlamentares do Centrão para colaborar com o PT em questões como essa.

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) – como seu filho Eduardo (PL-SP) – também aprovaram a alteração. Apenas os partidos Novo, PSDB e Cidadania orientaram que seus deputados votassem contra a mudança. Depois o Novo propôs requerimento para suprimir a redução da quarentena, e nesse caso o PL se juntou a Novo, PSDB e Cidadania orientando pela supressão, porém os 123 votos obtidos foram insuficientes para derrubar o trecho.

O economista Sílvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, classifica de retrocesso a iniciativa da Câmara dos Deputados, que em questão de horas alterou e votou um projeto para desmontar a legislação. “Há um claro afrouxamento das regras, ao permitir que pessoas com um passado político bem recente ocupem cargos em estatais”, disse Campos Neto à Gazeta do Povo.

Aprovada em 2016, na gestão de Michel Temer, em meio às revelações da Operação Lava Jato sobre a gestão das estatais pelos governos petistas, a lei busca profissionalizar a gestão e blindar essas empresas de interferências partidárias. No caso mais famoso, o uso político da Petrobras levou a problemas de gestão, atrasos em obras, superfaturamento e corrupção.

Assim, embora o mercado veja risco de que o próximo governo seja uma espécie de "Dilma 3" em termos de condução da economia, alguns dos temores são relacionados a práticas observadas nas estatais já nos mandatos de Lula.

Rentabilidade de Petrobras e Banco do Brasil aumentou após a Lei das Estatais

Gabriel Araujo Garcia, analista da Guide Investimentos, afirmou em relatório que o impacto positivo da Lei das Estatais é visível no aumento da rentabilidade dessas empresas, e que acabar com ela deve provocar efeito oposto.

"Desde que a lei foi aprovada, em 2016, a rentabilidade sobre o patrimônio (RoE) da Petrobras e Banco do Brasil aumentaram sensivelmente. No caso do BB, a rentabilidade atualmente é maior do que a dos bancos privados (Itaú e Bradesco, por exemplo), o que não acontecia antes da lei. No caso da Petrobras, a rentabilidade é sensivelmente maior", disse Garcia. "Em resumo, acabar com a Lei das Estatais deve ter impacto negativo sobre a rentabilidade destas empresas e consequentemente sobre a cotação de suas ações na bolsa."

O mercado financeiro vem reagindo desde segunda-feira (12) tanto à possibilidade de indicação de Mercadante para o BNDES quanto à expectativa de mudança na Lei das Estatais – ambas, agora, confirmadas. O dólar subiu 1,3% na segunda, fechou o dia estável na terça (13) e chegou a operar em alta de 1% na manhã desta quarta (14), mas depois o movimento perdeu fôlego.

O maior impacto foi sobre a B3, a bolsa de valores brasileira. O Ibovespa – principal termômetro dos negócios – caiu 2% na segunda e 1,7% na terça. Por volta do meio-dia desta quarta, perdia mais 1,7%, com destaque para os estragos nas ações de Petrobras (com baixa de mais de 7%) e Banco do Brasil (perdas acima de 4%).

Na segunda-feira, uma nota da consultoria Eurasia apontou a possibilidade de Lula editar uma medida provisória para modificar pontos da Lei das Estatais a permitir a indicação de políticos para os cargos nas empresas, levando em consideração críticas que o PT faz à legislação. Outros partidos e o próprio presidente Bolsonaro também já criticaram abertamente as restrições da lei.

Em nota à imprensa no fim da tarde de terça, depois que Lula confirmou a indicação para o BNDES, a assessoria de Mercadante contestou que sua nomeação possa ferir a Lei das Estatais, argumentando que ele não faz parte da estrutura decisória do PT, não exerceu função remunerada na campanha de Lula e que se limitou a “colaborar para a elaboração do programa de governo”.

Horas depois, porém, a Câmara aprovou a mudança na Lei das Estatais, com uma mudança sob medida para indicações políticas. O projeto, que inicialmente ampliava o limite de gastos das estatais com publicidade, ganhou um dispositivo – apelidado de "emenda Mercadante" pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) – para reduzir de 36 meses para apenas 30 dias a "quarentena" necessária para que políticos assumam cargos na direção de estatais.

"A mudança relâmpago na Lei das Estatais para permitir a nomeação de Mercadante sinaliza a convicção do governo Lula em indicar alguém com perfil desenvolvimentista na liderança do BNDES. Isso não agrada a todos no mercado financeiro, mas não é sinal de falta de diálogo com o mercado, apenas uma indicação de prioridades que podem se traduzir em ganhos para o investidor nos setores que o governo considerar prioritários", pondera Flávio Saraiva, coordenador da escola internacional de negócios IBS Americas.

Para ele, as lideranças políticas e a sociedade estarão atentas a cada passo dado por empresas e bancos estatais no futuro governo, cobrando uma prestação de contas transparente.

Lei das Estatais trouxe profissionalismo; políticos querem alinhamento aos ideais do governo

De um lado, entidades e especialistas afirmam que a Lei das Estatais trouxe moralização e profissionalismo às estatais, aproximando sua gestão das melhores práticas da iniciativa privada – e em convergência com o que ditam as regras de governança da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Do outro lado, boa parte do mundo político defende que a indicação de políticos de confiança para cargos de direção asseguraria uma maior sinergia na tomada de decisões e alinhamento aos ideais do governo.

O objetivo da legislação foi blindar as estatais para que esquemas de corrupção como o revelado pela Lava Jato não se repetissem. E esse é justamente o maior temor de agentes do mercado neste momento, explica Felipe Pontes, diretor operacional da consultoria Economatica.

“O artigo 17 da Lei das Estatais estabelece critérios mínimos para a direção de empresas estatais e de economia mista, como notório saber de gestão e reputação ilibada, e também da inelegibilidade da pessoa para alguns cargos públicos. Quando se especula fazer uma alteração em um dispositivo tão importante como esse, o mercado já começa a pensar, por exemplo, em investimentos que não são rentáveis”, cita Pontes, lembrando de ataques feitos por Gleisi Hoffmann, deputada federal e presidente nacional do PT, à política de dividendos da Petrobras.

Em meados de junho deste ano, Gleisi criticou a Lei das Estatais em sessão da Câmara. Na época, o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que o Executivo preparava uma medida provisória para alterar a lei. O presidente queria indicar para a Petrobras alguém capaz de de segurar a escalada de preços dos combustíveis.

“A Lei das Estatais diz que ninguém que participou de eleição há quatro anos pode ser indicado diretor da Petrobras ou diretor de uma estatal. Não pode ser político, não pode ser líder de partido, como se ser político fosse crime. E nós sabemos como funciona", disse Gleisi na ocasião. "Quem pratica crime, quem vem para cima é a iniciativa privada", completou.

Nomeação de políticos em estatais gera perda de governança e credibilidade, diz gestor

Para Anand Kishore, gestor dos fundos de investimento da Daycoval Asset, qualquer decisão que Lula vier a tomar sobre nomear políticos para a presidência de estatais será criticada pelo mercado. O temor é de aparelhamento político, como o que ocorreu em empresas como Petrobras e Correios.

“A Lei das Estatais veio para blindar esse tipo de coisa e, de fato, se tiver alguma mudança nesse sentido, vai ser uma perda de governança, de confiabilidade e de credibilidade. Estamos discutindo essa questão de política fiscal, de como vai ser neste novo governo, se vai ter mais ou menos gastos, e se tiver uma mudança vinda do governo, eventualmente as agências de rating [classificação de risco] podem considerar isso também na sua avaliação para um eventual downgrading [rebaixamento] do Brasil”, afirma.

Felipe Pontes, da Economatica, diz que distribuir os principais cargos de gestão das estatais a aliados políticos vai passar uma mensagem de retrocesso da política de governança das empresas, afetando inclusive a imagem do Brasil no exterior.

O país pleiteia fazer parte da OCDE, também conhecida como “clube dos ricos”, espécie de fórum que discute e promove as melhores práticas na gestão pública. A organização recomenda aos países-membros uma gestão similar à iniciativa privada, com critérios para investimentos rentáveis tanto para o governo como para seus eventuais acionistas.

No Brasil, diz Pontes, empresas como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica, entre outros, podem ter problemas de gestão mais à frente, dependendo do uso político que se dê com a nomeação de aliados para os principais cargos de direção.

“A Petrobras, por exemplo, tem gerado muito caixa e não tem projetos de investimento que façam valer a pena. Para um investimento valer a pena, tem que ter retorno esperado acima do custo de capital. Se eu espero receber, por exemplo, 5% em um investimento, estando a Selic em quase 14%, é melhor eu deixar esse recurso onde está. Não vale a pena investir em refinarias, que é a área menos rentável do petróleo, e logo vem à cabeça investimentos mal-sucedidos como Pasadena”, lembra Pontes remetendo à compra da refinaria norte-americana na primeira gestão de Lula, em 2006.

Uso político de estatais pode afastar investimentos e elevar dólar, inflação e juros

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam o risco de que investidores se afastem do país caso percebam o uso de estatais para fins políticos.

"São empresas que têm presença muito grande no país, presentes no dia a dia de toda a população. Imagine que a Petrobras pode voltar a se endividar de novo ou fazer investimentos ruins, que vai significar menos pagamento de dividendos para o governo federal e uma piora fiscal para o país, o que pode provocar uma elevação do preço do dólar e da curva de juros", ressalta Kishore, da Daycoval Asset.

Os efeitos, nesse caso, seriam muito perceptíveis no cotidiano da população. Alta do dólar significa mais inflação e aumento de juros inibe o consumo e o investimento, com efeitos por toda a economia.

Colaborou Vandré Kramer

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