Lula, Alckmin e coordenadores da transição: equipe montada para cuidar da economia reúne liberais e desenvolvimentistas.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ouça este conteúdo

Como forma de atender aos interesses da chamada frente ampla, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por dividir a equipe econômica do governo de transição entre economistas liberais e desenvolvimentistas. De acordo com integrantes do PT, a estratégia de Lula visa garantir uma maior estabilidade política, econômica e social para o futuro governo neste primeiro momento.

CARREGANDO :)

Se não chegava a provocar alívio, a combinação ao menos garantiu alguma estabilidade ao mercado financeiro nos primeiros dias do governo de transição. Mas isso mudou nesta quinta-feira (10). O mercado desabou depois que Lula criticou o que chamou de "a tal da estabilidade fiscal", e também foi mal recebida a indicação de novos nomes da transição, em especial o do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega – defensor da "contabilidade criativa" nas contas públicas – para a área de Planejamento, Orçamento e Gestão da transição. A percepção de que a balança econômica está pendendo mais à esquerda fez o dólar subir mais de 4% e a B3, Bolsa brasileira, cair mais de 3% em um único dia. Lula, em resposta, disse que nunca viu "um mercado tão sensível como o nosso".

Dos nomes indicados para o núcleo econômico da transição, dois economistas são de perfis liberais e próximos do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB): André Lara Resende e Persio Arida, ambos integrantes da equipe que formulou o Plano Real. Do outro lado, Guilherme Mello, da fundação Perseu Abramo, e Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff, estes mais ligados à corrente de governos do PT.

Publicidade

Na avaliação de aliados de Lula, a equipe de transição precisa encontrar um caminho que garanta distribuição de renda para os mais pobres e ao mesmo tempo busque uma nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos. Nesta semana, durante encontro com deputados e senadores aliados, Lula voltou a defender o fim do teto de gastos como forma de ampliar os investimentos sociais.

"Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que falam que é preciso cortar gastos, é preciso fazer superávit, teto de gastos? Por que as mesmas pessoas não discutem a questão social nesse país?", indagou o petista nesta semana.

Antes de tomar posse, Lula e sua e equipe de transição já negociam com o Congresso Nacional uma PEC que visa furar o teto de gastos como forma de garantir o pagamento de R$ 600 para o Auxílio Brasil a partir de janeiro do ano que vem. Apesar disso, o presidente eleito assegurou que adotará uma "política fiscal muito séria, porque é preciso pagar o compromisso com o sistema financeiro". 

"Um presidente da República, quando fala, tem que falar para ser compreendido, entendido e aceito como sério. E somente o Estado é que pode tomar decisões de garantir a estabilidade política, econômica, jurídica e social", completou.

Arida e Resende vão sinalizar "pluralidade" de Lula na equipe econômica 

Considerados os pais do Plano Real, André Lara Resende e Persio Arida chegam para a equipe econômica de transição com a meta de colaborarem com alternativas fiscais para o futuro governo. A avaliação de aliados de Lula é de que o petista vai herdar um "rombo fiscal" do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) diante dos gastos para a campanha de reeleição.

Em 2018, Arida foi coordenador do programa econômico de Geraldo Alckmin na disputa presidencial. Naquele momento, entre outros pontos, defendeu privatizações de empresas estatais. As privatizações, no entanto, são descartadas pelo governo Lula e avaliação de integrantes do PT é de que indicação do economista com perfil liberal mostra que o presidente eleito está disposto a criar um ambiente plural na agenda da economia.

Publicidade

Na mesma linha, André Lara Resende é visto por aliados de Lula como uma forma de o presidente pretende abrir diálogo com todas as correntes econômicas a partir do ano que vem. Na campanha presidencial de 2018, Lara Resende foi assessor econômico de Marina Silva (Rede).

Contudo, apesar de ser visto como um liberal, Resende, nos últimos anos, passou a defender ousadia na adoção de políticas públicas para permitir a retomada econômica e incremento na capacidade produtiva. Ele é também um crítico da política de juros como ferramenta para conter a inflação. Para Resende, a Selic elevada não contribui para segurar os preços e ainda tem impacto na dívida pública e prejudica o crescimento econômico.

Apesar do aceno ao mercado, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin reforçou que a indicação para a transição não garante espaço na composição do governo. Paralelamente, especialistas defendem que as indicações não garantem um equilíbrio entre liberais e desenvolvimentistas diante das recentes declarações de Lara Resende defendendo o aumento de gastos. “Arida, economista ligado ao PSDB, possui um viés bem mais liberal que os outros nomes, e seria o mais bem recebido pelo mercado”, defendeu o economista Victor Guglielmi, da Guide Investimentos.

Guilherme Mello e Nelson Barbosa marcam posição contra o teto de gastos 

Na contramão de Arida e Resende, os economistas Guilherme Mello e Nelson Barbosa chegam na transição com a missão de manter posições e programas defendidos na agenda dos governos petistas. Segundo aliados de Lula, ambos os economistas vão buscar um equilíbrio juntos aos liberais para a construção de uma proposta que substitua o teto de gastos e que garanta a agenda de desenvolvimento social.

Durante a campanha, Mello sinalizou que o trabalho do novo governo será o de construir uma proposta visando a recuperação da credibilidade, da previsibilidade e da transparência do arcabouço fiscal brasileiro. Para ele, o controle de gastos se deu às custas de pesados cortes em investimentos públicos e em despesas na área da Educação.

Publicidade

Na avaliação do economista, o teto de gastos não foi respeitado pelo governo Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e isso acabou desacreditando o Brasil. "Foi ele (Guedes) que sistematicamente violou e alterou a regra que supostamente defendia. E o fez de maneira oportunista e eleitoral. Ele acabou com a credibilidade do nosso arcabouço fiscal. Hoje ninguém mais acredita não só no teto, mas no conjunto das regras fiscais brasileiras, e isso cria um cenário de imprevisibilidade", disse durante sabatina do site InfoMoney.

Assim como Mello, Nelson Barbosa chega com a missão de encontrar um equilíbrio junto aos liberais na construção do novo arcabouço fiscal que será proposto para o lugar do teto de gastos. Barbosa foi ministro da Fazenda entre o fim de 2015 e os primeiros meses de 2016, no governo Dilma Rousseff, e é considerado de perfil mais técnico do que político e também é crítico do teto de gastos.

Apesar das divergências entre os nomes indicados para a equipe de transição, Geraldo Alckmin defende que eles têm “visões complementares e não opostas”. “É importante ter, em um grupo técnico, visões que se complementam, que se somam. É uma fase transitória para discutir, para elaborar propostas, definir questões”, explicou.

Aliados e mercado pressionam Lula por "perfil" do ministro da Fazenda

Apesar das indicações dos coordenadores econômicos da transição, aliados de centro e integrantes do mercado financeiro ampliaram as cobranças para que Lula defina o nome de quem será o ministro da Fazenda. Para esse grupo, a mistura de economistas liberais e desenvolvimentistas indica a tentativa de equilibrar uma frente ampla, mas ainda não é um indicativo da política econômica do futuro governo.

Lula também já indicou que só cuidará dos nomes dos ministros quando voltar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), em Sharm El-Sheik, no Egito. De acordo com aliados, o presidente eleito quer dar um tempo para ver como vai funcionar a equipe de transição com tantos partidos.

Publicidade

Para a pasta da Fazenda, o petista já sinalizou que pretende ter um nome político com trânsito junto ao Congresso Nacional. Integrantes do mercado, no entanto, temem que um nome dos quadros do PT acabe prevalecendo.

Entre os cotados, o nome de Fernando Haddad é o que mais tem provocado reações negativas por parte dos investidores e de políticos de centro. Paralelamente, aliados de Lula de fora do PT avaliam que o ex-prefeito de São Paulo não tem interlocução com o Congresso Nacional.

Também entre os cotados, o ex-governador e senador eleito Wellington Dias (PI) é visto como um quadro de maior interlocução com setores fora da esquerda. Escalado por Lula para negociar a PEC que visa furar o teto de gastos com o Congresso Nacional, Dias tem reforçado que o governo do petista será de centro. "Vai ser um governo de centro. De centro, mas com forte compromisso social", defendeu.

Entre todos os nomes que já foram ventilados até aqui para assumir o ministério da Fazenda em 2023, o de Henrique Meirelles é o preferido do mercado. O ex-ministro e ex-presidente do Banco Central declarou apoio público a Lula logo após o resultado do 1.º turno e, desde então, há uma expectativa de que o terceiro mandato do petista possa contar com a presença de Meirelles em algum cargo de relevância.

Aliada de Lula desde o segundo turno, a senadora Simone Tebet (MDB) defendeu nesta semana que Lula precisa definir o ministro da Fazenda como forma de evitar "ruídos". Crítica da política econômica dos governos petistas, a emedebista, no entanto, defendeu que a economia precisa ser utilizada como meio para fortalecimento da pauta social. "A parte econômica é a atividade meio para se alcançar um fim, que é a pauta social", disse.

Publicidade

Lula reagiu às críticas afirmando que seu legado "garante a responsabilidade fiscal" do futuro governo. "Ninguém pode falar de responsabilidade fiscal comigo, ninguém pode falar que tem alguém mais responsável que eu. Quando assumi, em 2003, o país tinha 12,5% de inflação, levamos para o centro da meta; esse país estava com 12% de desemprego, quando chegou em 2014 tinha 4,2% de desemprego", disse o petista.

Apesar disso, a fala do presidente eleito nesta quinta-feira (10) provocou uma reação negativa no mercado, pois a avaliação é de que ele não deixou claro como será sua política fiscal. Logo após a fala de Lula, o dólar disparou e passou dos R$ 5,30, e a Bolsa operou em forte queda ao longo de todo o dia.

"Onde estavam quando Bolsonaro fez a gastança pré-campanha eleitoral? Comparem a gestão Lula com o desastre de Bolsonaro", reagiu a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]