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Reforma tributária pode encarecer alimentos, dizem representantes do agronegócio.
Reforma tributária pode encarecer alimentos, dizem representantes do agronegócio.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

Apoiada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a proposta preliminar de reforma tributária apresentada pelo Grupo de Trabalho (GT) criado para discutir o tema na Câmara dos Deputados está longe de um consenso. Por enquanto, foram traçadas diretrizes que embasarão um substitutivo de proposta de emenda à Constituição (PEC) a ser protocolado nos próximos dias, mas mesmo essas linhas gerais já geram controvérsia.

O ponto central da proposta é a criação de um único tributo sobre consumo, no modelo de Imposto de Valor Agregado (IVA), a partir da unificação de cinco tributos: IPI, PIS e Cofins, hoje de competência federal; ICMS, administrado pelos estados; e ISS, de responsabilidade dos municípios.

O IVA brasileiro receberia o nome de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e teria regras únicas, mas duas gestões distintas, uma em nível federal e outra compartilhada entre estados e municípios – daí ser chamada de “IVA dual”. A alíquota seria fixa, mas o relatório abre espaço para exceções para segmentos específicos, como saúde, educação e transporte coletivo.

Para compensar perdas com o fim de benefícios fiscais e reduzir o desequilíbrio econômico entre as unidades federativas com a reforma, é proposta ainda a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que teria uma contrapartida também da União.

Entre os poucos regimes tributários especiais que seriam mantidos, conforme o documento elaborado pelo GT, estão a Zona Franca de Manaus, que visa atrair indústrias para a capital amazonense, e o Simples Nacional, voltado a micro e pequenas empresas.

A proposta, no entanto, é questionada por representantes de municípios, estados e setores como o de serviços e o agronegócio, além de parlamentares da oposição.

Reforma tributária enfrenta resistência de parte dos municípios e estados

Ainda antes da apresentação do relatório, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), criticou a ideia de unificar impostos municipais, estaduais e federais. “São Paulo tem 12,5 milhões de habitantes, cidade que tem gente do Brasil inteiro. Imagina a cidade perder R$ 17 bilhões e ficar dependente de um comitê que vai definir qual será o valor da distribuição de um imposto único”, disse, em maio, à GloboNews.

“A gente tem procurado alertar os parlamentares da necessidade de se fazer isso de uma forma, eu não estou falando pra não fazer, a gente entende a guerra fiscal, entende a necessidade de ter um processo mais dinâmico, mas é importante que a gente não crie um problema pra todos e acabe gerando um transtorno”, prosseguiu.

Embora a Confederação Nacional de Municípios (CNM) tenha declarado apoio à proposta patrocinada pelo governo, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), defende outra PEC de reordenação dos sistema tributário, a 46/2022, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

A PEC alternativa preserva os atuais impostos sobre o consumo, mas unifica as respectivas legislações. O principal ponto é que o texto preserva o IPTU e o ISS, principais fontes de renda dos municípios.

Entre representantes estaduais, também falta unanimidade em torno da proposta. Ao jornal “Valor Econômico”, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), disse ver riscos para os estados do Sul e do Sudeste com o modelo definido para o fundo regional de desenvolvimento. “Quando há estados querendo tirar regiões inteiras do fundo fica complicado”, disse, sugerindo iniciativa nesse sentido por parte de Ronaldo Caiado (União Brasil), governador de Goiás, segundo o jornal.

Na verdade, Caiado é contra a unificação dos impostos sobre consumo dos estados e municípios com os da União, como defendido pelo governo. “Nós não podemos, em nome de uma reforma tributária, comprometer a federação”, disse o goiano no fim de maio, durante a 14.ª Reunião do Fórum Nacional de Governadores. “Propomos avançar numa regulação do que já existe. E não de repente parar tudo e Brasília dizer o que cada um vai receber. Cada estado tem a sua realidade”, afirmou.

Nesta sexta (16), em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", Caiado voltou à carga contra a reforma. Questionou os valores direcionados ao FDR e criticou a proposta de acabar com incentivos fiscais nos estados. "Qual é vantagem para um governante, seja ele prefeito ou governador, se ele vai receber uma mesada? Ele não terá nenhuma condição de estimular nada", disse.

O economista Erik Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea) e hoje diretor-executivo do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB), ligado ao governo de Goiás, chama atenção para o fato de a reforma mexer mais com tributos regionais que com os da União. Ele estima que, para cada R$ 1 de imposto passível de ser modificado pela reforma, R$ 0,65 são da arrecadação estadual e municipal.

Com dados de países que adotaram o IVA, Figueiredo também contesta a tese de que a reforma vai gerar crescimento econômico. “Quando você olha a evidência internacional, não consegue encontrar nenhuma experiência concreta que de fato observe isso”, diz. O governador Caiado bate na mesma tecla: "Quando se fala em consumo, tem que entender que não tem nenhum país do mundo que tenha crescido porque foi para o IVA", afirmou ao "Estadão".

Setor de serviços teme aumento da carga de impostos com reforma tributária

Representantes do agronegócio também questionam pontos da reforma. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) calcula que a alíquota única para bens e serviços elevaria em mais de 22% o preço da cesta básica. “Considerando que a população nacional está concentrada nas classes C, D e E, se a carga tributária de impostos sobre o consumo subir para 25% ou mais, os brasileiros teriam menos acesso aos serviços e alimentos”, diz nota assinada pela entidade.

O setor de serviços também quer mudanças. Após a apresentação do relatório preliminar do GT da Câmara, o presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), José Roberto Tadros, avaliou como positiva a inclusão de parte das reivindicações do setor, mas ressaltou que “é preciso avançar para garantir um ambiente econômico favorável para toda a população brasileira”.

“Confiamos que os parlamentares querem o melhor para o Brasil e, portanto, que não vão penalizar o setor de serviços, que é o maior gerador de emprego e renda do país”, afirmou, em nota. Segundo a entidade, o relatório “contempla, em parte, as premissas defendidas pelos empresários do setor terciário brasileiro”.

A CNC defende que o substitutivo que deve ser apresentado nos próximos dias inclua alíquotas diferenciadas para todo o setor de serviços. A proposta apresentada no relatório é de que haja distinção apenas para as áreas de saúde, educação e transporte público. De acordo com a entidade, caso a alíquota do IBS seja de 12%, o aumento de carga tributária para o setor de serviços pode chegar a 84%.

O setor defende ainda que as empresas do Simples Nacional concedam créditos, sob risco de perda de competitividade de micro e pequenas empresas. “Por fim, a não cumulatividade plena deve estar de forma explícita no texto, sem a necessidade de lei complementar para sua regulamentação”, diz a instituição.

Segundo Figueiredo, do IMB, o eventual aumento da carga tributária de setores como o de serviços pode resultar em demissão em massa. Cerca de 500 mil empregos formais estão ameaçados, pelos cálculos dele.

Diante dos questionamentos, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), disse na segunda-feira (12) que o agronegócio não será prejudicado. “Nós estamos trabalhando fortemente com o setor do agro para mostrar que o agro não vai ser impactado. O agro paga mais imposto hoje do que imagina porque, desde os insumos, da importação de fertilizante, isso tudo tem que ser precificado nesse processo”, afirmou em conversa com jornalistas.

Ainda segundo ela, está em estudo a possibilidade de alíquotas diferenciadas para o setor de serviços. “Alguns setores, especialmente o setor de serviços, [terá discussão] para ver a questão de alíquota um pouco diferenciada em relação a essa cadeia de alguns setores dos serviços. A gente sabe que é uma questão relevante”, afirmou em evento da Febraban.

As resistências à reforma tributária no Congresso

No Congresso, o texto apoiado pelo governo também deve enfrentar resistência da oposição. O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) já afirmou que votará contra a proposta. Autor de uma PEC alternativa de reforma tributária, inspirada no padrão norte-americano, o parlamentar é crítico do modelo de IVA. Sua proposta prevê a extinção de 15 impostos para dar lugar a apenas três tributos, sobre renda, consumo e propriedade.

“O sistema IVA é muito complexo – seria substituir um sistema por outro igualmente complicado; e pior, durante vários anos os consumidores, trabalhadores e empreendedores terão de conviver com ambos os sistemas até que o novo absorva o velho”, escreve Orleans e Bragança em coluna nesta Gazeta do Povo.

Também contrário à adoção do IVA, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) acredita que a mudança elevaria a carga tributária para alguns setores, aprofundando as desigualdades sociais, e afetaria principalmente os brasileiros de baixa renda.

“O pobre vai ter que pagar o arroz mais caro. O pobre vai ter que pagar o açúcar mais caro, o feijão mais caro. O governo vai pegar esse dinheiro do pobre, porque ele pagou mais caro, porque o IVA o tornou mais caro, e vai devolver para ele. Quem é que banca o cash-flow [fluxo de caixa] do pobre? O que vai acontecer é que ele vai deixar de comer! A injustiça vai aumentar”, disse recentemente em pronunciamento no plenário do Senado.

Para ele, a indústria é único setor que seria beneficiado com o IVA. “Mas não vai se beneficiar tanto, porque, já em seguida, vai perder consumidores.”

Segundo o relator do GT da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teria se comprometido a colocar a matéria em votação no plenário da Casa na primeira semana de julho.

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