• Carregando...
Salim Mattar
Salim Mattar foi secretário de Desestatização do governo Bolsonaro.| Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

O empresário Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização do governo Bolsonaro, é defensor de um Estado mais enxuto. “Vivemos em um país dos absurdos”, diz ele, ao lembrar do “manicômio tributário” que se tornou o Brasil. Dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) mostram que desde a Constituição de 1988, foram editadas, em média, 2,17 normas tributárias por hora. Só para acompanhar essas mudanças, as empresas gastam R$ 187 bilhões por ano.

Mattar – que assina uma coluna quinzenal na Gazeta do Povo, com o lema "ideias liberais para um Brasil melhor" – acredita que um dos caminhos para o país é o de uma ampla privatização. E esse processo, na avaliação dele, deve incluir a Petrobras, que passou as últimas semanas sob forte ataque por causa do aumento do preço dos combustíveis. As críticas vêm sobretudo do presidente Jair Bolsonaro.

“Eu acho que a Petrobras deveria ser privatizada para resolver os problemas do governo", diz. "Se o governo quiser acabar com as greves de caminhoneiros no Brasil, basta simplesmente vender sua participação na Petrobras”, completa.

Mattar diz que há um aparato dentro e fora do governo que inibe o avanço das privatizações. “São sindicatos, funcionários das estatais, fornecedores que mantinham relações incestuosas com as estatais, servidores públicos, congressistas, resistência no Judiciário.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Gazeta do Povo.

Gazeta do Povo: Qual deveria ser o papel do Estado no Brasil?

Salim Mattar: O Estado nasceu lá atrás para dar segurança ao cidadão. O papel era defender determinada região contra inimigos, contra vizinhos, contra pessoas que queriam usurpar aquele território. Mas, com o passar dos anos, no mundo inteiro, o Estado foi abrindo os seus tentáculos. Da segurança, ele pulou para economia, para educação, para infraestrutura. E em alguns países, como no Brasil, o Estado se agigantou muito.

Esse Estado grandioso é o pensamento dos progressistas, dos socialistas e da esquerda. Na visão deles, o Estado deve resolver a vida do cidadão, que é um beócio, não sabe decidir por si próprio. Então, o Estado vai tomar as providências para o cidadão. Por isso, ele se agigantou de tal forma. Mas o Estado deveria cuidar hoje da segurança, das relações internacionais, da defesa, da segurança interna, da defesa externa contra outros povos, da Justiça. A partir disso, é discutível o papel do Estado.

E no caso da infraestrutura, qual a sua avaliação?

Uma boa parte da nossa infraestrutura – ferrovias, rodovias, portos e aeroportos – já é operada pela iniciativa privada. Se você olhar lá atrás, no tempo do Barão de Mauá, as ferrovias eram privadas, a eletricidade era privada, os bondes eram privados. Até que os governos nacionalistas brasileiros estatizaram essas companhias. Então, penso que o Estado não precisa entrar na infraestrutura. O Estado tem que dar o direito de concessionar aquela atividade, sendo explorada pela iniciativa privada.

Eu diria que o Estado deve financiar o saneamento básico da população. A água, o esgoto, principalmente, nas periferias deve subsidiar. Mas não deve ser o Estado o responsável pelas obras porque, quando o Estado promove obras, você já sabe qual o resultado da história: custa muito mais caro e a ética fica em segundo plano.

Um de seus focos, enquanto secretário de Desestatização, no governo, foi o de trabalhar com as privatização. O que faltou fazer neste mandato?

Nós imaginávamos, o ministro Paulo Guedes e eu, que o processo de privatização, como era parte do discurso do candidato Bolsonaro, não seria um processo difícil. Mas ao chegar na Esplanada dos Ministérios, nós encontramos todos os grupos contrários à privatização: os sindicatos, os funcionários das estatais, fornecedores que mantinham relações incestuosas com as estatais, servidores públicos, congressistas, resistência no Judiciário... A gente vê, hoje, o TCU [Tribunal de Contas da União] contra a privatização da Eletrobras. Vimos também a resistência de militares. Então, nós vimos um punhado de resistência em diversas áreas.

Ou seja, a privatização era um discurso do candidato, mas efetivamente depois que chegou ao governo, aquelas pessoas que estavam próximas do governo não estavam tão alinhadas com o processo de privatização. Como o presidente falou durante o período eleitoral que iria fechar a empresa do trem-bala, chegando ao governo cumpri a promessa do presidente: tentei fechar a empresa do trem-bala e a Valec, que pertencem ao Ministério da Infraestrutura. O ministério disse: não, nossas empresas não serão fechadas. Então, além de servidores, funcionários, fornecedores, também ministros foram contra.

Ou seja, não existia um alinhamento do ministro Guedes e do presidente com todos os ministros e o establishment a respeito das privatizações. Tanto é que quando o [Roberto] Castello Branco começou a vender as subsidiárias da Petrobras, o ministro [do STF Ricardo] Lewandowski proibiu. E isso foi julgado no Supremo, até que depois, Lewandowski e mais três ministros perderam, então tivemos maioria para poder vender as subsidiárias de estatais. Mas quase que o Supremo não permite.

A verdade é que o establishment, Executivo, Legislativo e Judiciário não são favoráveis à redução do tamanho do Estado. Porque ao privatizar, o TCU reduz pela metade, o STF reduz pela metade, a PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional] também. Você reduz substancialmente também o tamanho do Estado. Nós temos mais de 680 estatais.

Faltou apoio, empenho do próprio presidente?

Sim, o próprio presidente, que teve um discurso muito aberto a respeito de privatizações e de redução do tamanho do Estado durante a campanha, uma vez eleito e rodeado pelos seus asseclas, que talvez não eram favoráveis à privatização, ele se convenceu de não continuar adiante nesse processo. Embora ele esteja comprometido com o processo de privatização dos Correios e da Eletrobras. Pelo menos para salvaguardar o discurso de candidato. Nessas duas ele está se empenhando.

E o papel dos outros atores nesse processo. Faltou também apoio do Legislativo?

Sim. No Legislativo, teve [o caso da] Casa da Moeda. Fizemos uma medida provisória [MP 902/19]. Então, [o ex-presidente da Câmara] Rodrigo Maia nomeou para presidente da comissão a [deputada do PT] Benedita da Silva. Assim não vai ter privatização na Casa da Moeda. E o relator foi o senador Nelsinho Trad. Claro que essa comissão julgou inconveniente a privatização da Casa da Moeda.da Casa da Moeda.

Ou seja, o que o establishment disse, no caso, a Câmara dos Deputados e o Senado: "ó Bolsonaro, ministro Guedes, Salim, parem. Nós não queremos privatização". Esse é o recado que eles deram. Eu entendi o recado. A partir daquele momento, muito da minha motivação diminuiu porque, de fato, a casa Legislativa não estava favorável à privatização de uma empresa periférica, pequena, que é a Casa da Moeda.

Uma mera gráfica, como o senhor diz...

Exatamente, uma mera gráfica. Ali eu vi que seria difícil a privatização.

Quais as perspectivas para a privatização em um eventual segundo mandato do presidente Bolsonaro?

Nós estamos já no mês de abril, em um processo eleitoral em andamento. Um ano muito polarizado, com muitos deputados e senadores preocupados com suas bases. Muitos serão reeleitos. Outros são candidatos a cargos majoritários. Então há um esvaziamento do Congresso nesse período. Há, sim, oportunidade de, ainda este ano, privatizar os Correios e a Eletrobras. Porém, os Correios acho menos provável e a Eletrobras, provável. Esse o cenário que temos.

Eu diria que é um pouco frustrante em relação a todo o discurso do presidente enquanto candidato e o discurso do ministro Guedes. E eu que fui lá para poder fazer a privatização. Foi criada uma secretaria de Privatização, Desestatização e Desinvestimento. Por que não aconteceu? Paulo Guedes e Bolsonaro, antes de ser eleito, não combinaram com o establishment.

Veja o TCU. Um ministro entre oito pede vistas do processo da Eletrobras e segura a privatização. Um ministro, que não foi eleito pelo voto, contra um indivíduo de 57 milhões de votos que diz: fui eleito pelo povo e quero privatizar a Petrobras. Os mandatários do Congresso, eleito pelo voto, disseram: ok, nós concordamos em vender a Eletrobras. Mas um ministro, que foi indicado ao cargo, diz: não, não vai vender. É o ministro Vital do Rêgo, do TCU.

Mas então esse processo de privatização, desestatização, de enxugamento do Estado na economia está fadado ao fracasso?

Precisamos de um grande líder para fazer uma grande transformação no Brasil. Um grande líder que tenha maioria no Congresso, com uma pauta conservadora e econômica, vai conseguir fazer essas reformas. Mas com a política segmentada brasileira, com tantos partidos e tal, a base de sustentação do governo tem sido frágil. Então, o sistema eleitoral e partidário brasileiro conduz a uma fragilidade governamental do Executivo. O Executivo terá sempre dificuldade de montar uma base de sustentação em relação à quantidade e diversidade de partidos.

Petrobras deveria de ser uma das prioridades da privatização?

Certa vez, comentei com presidente e o ministro Guedes o seguinte: por que não existe greve de caminhoneiro nos Estados Unidos, na Suécia e no Reino Unido? E por que tem greve de caminhoneiro no Brasil, no México e na França? Porque países que têm estatal de petróleo, têm greve de caminhoneiro. Não tem como caminhoneiro fazer pressão em um governo que não tem poder sobre iniciativa privada. Então, a greve que teve é porque o governo é sócio da Petrobras. Se o governo quiser acabar com as greves de caminhoneiros no Brasil, basta simplesmente vender sua participação na Petrobras.

Eu acho que a Petrobras deveria ser privatizada para resolver os problemas do governo. O governo tem muito problema. Agora está com dificuldade de achar um presidente [nota do editor: Mattar concedeu a entrevista antes da escolha de José Mauro Ferreira Coelho, anunciada nesta quarta-feira, 6]. A Petrobras teve um presidente a cada 18 meses desde a sua fundação. Como uma empresa pode dar certo trocando de presidente a cada 18 meses.

Então, eu defendo a privatização da Petrobras. E esse grande líder que um dia pode governar o Brasil, tendo a maioria do Congresso, eu tenho certeza de que ele vai privatizar não apenas a Petrobras. Ele vai privatizar todas as empresas que forem viáveis.

Um problema essencial é que o Brasil praticamente não cresce. Estamos estagnados. Dados do FMI mostram que nos últimos 10 anos, o país se expandiu ao ritmo de 0,27% ao ano, enquanto a economia mundial – tendo uma grande crise pandêmica como pano de fundo – cresceu ao ritmo de 2,8% ao ano. Qual a receita para viabilizar um crescimento maior do país?

Mais iniciativa privada e menos Estado. Nós temos um Estado grande demais. Nós precisamos reduzir o tamanho do Estado e temos que libertar a iniciativa privada. Nós precisamos dar mais liberdade para o empreendedor. Mais liberdade para o empresário. Mais liberdade econômica para que possa fluir o mundo dos negócios. Nós precisamos de mais liberdade, porque com mais liberdade vai acontecer naturalmente mais liberdade individual, mais liberdade política, mais liberdade econômica.

A consequência de mais liberdade significa mais capitalismo. Mais capitalismo, como consequência, mais geração de renda. Como consequência do capitalismo temos também mais geração de emprego. E, como consequência, temos melhor renda para o cidadão. Como consequência, ele, na sociedade de consumo, passa a ter uma melhor qualidade de vida. Por consequência, mais longevidade. Então, a liberdade é a origem. Nós temos que ter mais liberdade.

Hoje, no Brasil, temos às vezes cerceado o direito de expressão. A gente não sabe qual é o limite do direito de expressão. Tem candidato falando em regular a mídia. Recentemente baniram o Telegram. E agora voltou. Então, repara que a liberdade de expressão está em risco no Brasil. A democracia está em risco no Brasil. Mas está em risco por causa das instituições e não por causa do povo. Então, quem coloca a democracia em risco são as instituições. É o próprio establishment.

A gente não vive uma economia de privilégios? O próprio establishment não se ancora em privilégios. A gente vê supersalários nos três poderes. Renúncias tributárias em setores específicos. Como combater tudo isso?

A maioria dos privilégios brasileiros surgiu com a Constituição de 1988, que denominaram de Constituição Cidadã. Mas, na realidade, foi uma Constituição que, de alguma forma, manteve a  miséria e os privilégios de uma casta. Esta casta está no setor empresarial. Alguns segmentos têm a proteção constitucional. Essas castas têm proteção na Constituição de seus salários e benefícios.

Olha que interessante: você se forma em Direito, mas você não pode advogar. Você se forma em Medicina, pode abrir um hospital, uma clínica, trabalhar como médico. Você se forma em engenharia, pode construir um prédio, trabalhar numa indústria mecânica. Você se forma em administração de empresas, pode trabalhar em uma empresa, abrir um negócio. Mas se você se formar em Direito, você não pode advogar até prestar prova na OAB. Depois de prestar prova na OAB, que é uma entidade privada, que arrecada R$ 1,5 bilhão por ano, aí essa instituição privada é que vai dizer que você pode advogar. Não é esquisito esse privilégio? Médico, administrador, tudo bem! Advogado, não! Tem que prestar o exame na OAB.

Isso é um típico exemplo do que está acontecendo no Brasil hoje. É fruto da Constituição, que manteve muitos privilégios. Veja, apesar de existir um salário máximo de R$ 39 mil no serviço público, nós sabemos que, por exemplo, um desembargador de Roraima, aposentado, ganhou no ano passado R$ 3 milhões.

Então, isso significa que há uma assimetria muito grande e que grupos de interesse, de alguma forma, tiraram um proveito da Constituição. Vem a estabilidade de emprego, carreiras do funcionalismo, vem tudo junto. Porque eles plantaram isto lá na Constituição de 1988.

O caminho seria uma nova Constituição?

O caminho para o Brasil é uma nova Constituição. Esta Constituição [de 1988] foi boa e já deu o que tinha que dar. Acabou. Não agrega mais valor. Essa Constituição foi feita olhando pelo retrovisor. Nós precisamos de uma nova que se olhe pelo parabrisa. Os anseios da sociedade brasileira nos anos 1980, 40 anos atrás, era um tipo de anseio. Os anseios da sociedade Brasileira, hoje, na época das redes sociais, dessa juventude energética, maravilhosa, são outros. A nossa Constituição precisa representar os anseios da população.

Pensando em termos de instituições... A Constituição dos Estados Unidos já é longeva, 230 anos. Não ficaria estranho termos constituições de tempos em tempos...

Você tem razão. Nós temos um problema: a Constituição de 1891, originária da Proclamação da República, veio de um golpe de Estado. O que foi a Constituição de 1988? Tiraram os militares do poder e a esquerda fez a Constituição, com o espírito de revanchismo, populismo e romantismo. Então, não existia uma serenidade para fazer uma Constituição naquele momento. Tem 93 direitos o cidadão e apenas sete deveres. Demagogia!

Nossa Constituição foi feita de uma forma indevida. Ela foi feita com conflito de interesses. Ela feita pelos nossos congressistas para legislar em causa própria. Tinha de ser uma Constituinte específica, própria. Mandatos de dois anos. Vota no deputado constituinte, faz a Constituição e não pode, nunca mais, se candidatar e ser servidor público para não existir conflito de interesse.

E a população não foi ouvida. Ela foi feita fechada dentro do Congresso, na liderança do doutor Ulysses Guimarães. A nossa Constituição nasceu aleijada. Ela já nasceu de uma forma equivocada. Não é uma construção democrática e tivemos um azar danado com a nossa Constituição. Ela data de 1988. Em 1989, caiu o muro de Berlim. Se fizéssemos a nossa Constituição depois da queda do muro de Berlim, seria outra Constituição, mais aberta, mais liberal.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]