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Não ter medo da morte é algo mais fácil de dizer que de fazer. É por isso que, para Lucrécio, este é o desafio ético mais importante de nossa vida.
Não ter medo da morte é algo mais fácil de dizer que de fazer. É por isso que, para Lucrécio, este é o desafio ético mais importante de nossa vida.| Foto: Reprodução/ Wikipedia

Com a disseminação do novo coronavírus, temores sobre a doença e a morte pesam muito na mente das pessoas.

Tais medos podem frequentemente resultar em desprezo pelo bem-estar dos outros. Em todo mundo, por exemplo, itens essenciais como papel-higiênico e álcool em gel sumiram das prateleiras porque muitas pessoas resolveram armazená-los.

Um poeta e filósofo romano do primeiro século antes de Cristo, Lucrécio, temia que nosso medo da morte pudesse levar a crenças irracionais e a ações que poderiam prejudicar a sociedade. Como alguém que acabou de publicar um livro sobre a teoria ética de Lucrécio, não posso deixar de notar como suas previsões se tornaram realidade.

No que acreditava Lucrécio

Lucrécio era um materialista que não acreditava em deus ou almas. Ele pensava que toda a natureza era feita de matéria em contínua mutação.

Como nada na natureza é estático, no final tudo é passageiro. A morte, para Lucrécio, permitia que uma nova vida emergisse da antiga.

Quando não há perigo imediato de morte, as pessoas têm menos medo dela, diz Lucrécio em Da natureza das coisas. Mas quando a doença ou o perigo as atingem as pessoas se assustam e começam a imaginar o que vem após a morte.

Algumas pessoas podem se reconfortar ao imaginar que têm almas imateriais que se libertam de seus corpos ou que há um Deus benevolente, escreve Lucrécio. Outros podem imaginar uma vida eterna após a morte, como argumenta o filósofo Todd May no seu livro Death [Morte], lançado em 2014.

O medo da morte pode levar as pessoas a procurar conforto na ideia que há uma alma imortal que é mais importante que o corpo e o mundo material.

Medo social e divisões

Entretanto, Lucrécio argumenta que há um perigo ético em tais crenças, pois as pessoas podem ficar preocupadas com coisas que não importam.

O medo e a ansiedade, diz Lucrécio, mancham tudo na vida. Assim, "não resta nenhum prazer claro e puro", o que pode até mesmo levar a “um grande ódio pela vida”. Estudos mostram que a ansiedade sobre a morte pode minguar nosso sistema imunológico e torná-lo mais vulnerável a infecções.

Além disso, afirma Lucrécio, o medo da morte pode inclusive levar as pessoas a criar divisões sociais. Quando pessoas estão com medo de morrer, elas podem pensar que tirar algo dos outros as ajudará a evitarem o perigo, a doença ou a morte.

“É por isso que as pessoas, atacadas por falsos medos, desejam escapar para longe e se recolher”, diz Lucrécio.

Esse fenômeno é bem documentado nos estudos de gerenciamento de terror. O medo da morte resulta no desejo de escapar de grupos desfavorecidos.

Na China, por exemplo, os trabalhadores migrantes da área rural foram banidos das cidades em quarentena, chutados para fora dos apartamentos e afastados pelos proprietários das fábricas, enquanto as autoridades tentavam controlar a difusão do coronavírus.

Nos EUA, os trabalhadores pobres não podem ter a vantagem de trabalhar de casa quando as escolas fecham e não podem se dar ao luxo de faltar ao trabalho por doença ou se consultar com um médico. Eles são, portanto, mais vulneráveis em comparação àqueles que podem se dar ao luxo do isolamento.

Americanos de origem asiática também estão sentindo um aumento de discriminação por causa do coronavírus. Poucas pessoas estão indo aos restaurantes chineses por medo de serem infectadas. Crianças em idade escolar de origem asiática também foram alvo de comentários racistas.

Foco em ficar saudável

O medo da morte é irracional, de acordo com Lucrécio, porque depois que morrem as pessoas não ficarão tristes nem serão julgadas pelos deuses ou pela compaixão de sua família; elas não serão nada. “A morte não é nada para nós”, diz ele.

Não ter medo da morte é algo mais fácil de dizer que de fazer. É por isso que, para Lucrécio, este é o desafio ético mais importante de nossa vida.

Em vez de se preocupar com o que pode acontecer depois da morte, Lucrécio recomenda às pessoas que se concentrem em manter seus corpos saudáveis e ajudem os outros a fazer o mesmo.

Thomas Nail é professor de Filosofia na Universidade de Denver.

© 2020 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
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