| Foto: JONATHAN CAMPOSGAZETA DO POVO

Na Copa do Mundo 2018, o clima de festa e empolgação regado a bebida tem exposto o mau comportamento de alguns torcedores. Em um dos vídeos que mais geraram polêmica, torcedores brasileiros induzem uma mulher russa a falar palavras obscenas sem saber o significado do que estava dizendo. Em outro, um brasileiro com a camisa da seleção pede para crianças repetirem frases chulas

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As atitudes receberam condenações tanto nas redes sociais quanto fora delas. Em um dos casos, um funcionário da companhia aérea Latam, que foi identificado em um vídeo constrangendo mulheres na Rússia, foi demitido da empresa

Entre as reações, há também os que minimizam os exemplos de mau comportamento, e os justificam dizendo que são brincadeiras feitas em um evento festivo e que não causam tanto mal assim. Mas será mesmo exagero repudiar um tipo de comportamento que desrespeita exatamente quem está se esforçando para ser um bom anfitrião da festa? 

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Para Christiano Jorge Santos, promotor de Justiça do MP-SP e professor de Direito Penal da PUC-SP, é errado fazer graça com quem está na boa-fé, querendo receber bem os turistas, e “levar a pessoa a fazer algo que ela nem sabe que está atingindo sua própria honra”. 

Sobre o vídeo dos torcedores brasileiros e a mulher russa, Santos considera esse um caso de desrespeito à condição da mulher, agravado por ter sido compartilhado como se fosse algo positivo. “E as pessoas são todas esclarecidas. Não é questão de dizer que não tiveram acesso à educação formal. São pessoas com dinheiro, bons cargos, boas posições sociais, então esse é um problema social brasileiro de desrespeito ao outro”, afirma Santos. 

Já para o juiz de Direito André Gonçalves Fernandes, pesquisador da Unicamp, o problema vai além de machismo e feminismo. “É um problema de educação da afetividade sexual”, diz Fernandes. “Esses rapazes [do vídeo] acham que a mulher é um pedaço de carne ou um copo de Coca Cola, pronto para ser degustado, e tudo bem”. 

O desejo de usar o outro para o seu prazer é explicado pela psicanálise, que diz que os indivíduos têm o desejo de fazer uso do outro de forma indiscriminada para o seu prazer, mas que isso é reprimido desde a infância. O psicanalista Silvio de Souza Mariano, diretor da Sociedade Psicanalítica do Paraná, considera a atitude dos torcedores brasileiros um tipo de abuso. “Esse tipo de situação não é aceitável porque é o comportamento típico do perverso [que é quem dá vazão a todos os seus desejos]. Se aquela russa tivesse noção do conteúdo da música, não estaria sorrindo em torno deles”, afirma. 

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Parte da massa

O comportamento de massa também pode ser um fator que reduz os freios sociais dos indivíduos. “A pessoa acha que pelo fato de estar em bando, a responsabilidade se dilui, o senso moral está mais arrefecido, e isso ‘justificaria’ qualquer tipo de atitude que, se estivesse sozinha, provavelmente pensaria duas vezes antes de cometer”, descreve Fernandes. “Mas não precisa fazer isso, a pessoa pode até estar sob essas circunstâncias, mas em algum momento a consciência dela vai acusar que tem alguma coisa errada”, continua o juiz. 

Mariano concorda que estar em um “bando” pode influenciar o comportamento das pessoas. “É como se o indivíduo abrisse mão do seu caráter, da sua moral, para ceder aos impulsos da massa”, diz o psicanalista, que cita como exemplo casos de arrastão em que pessoas “comuns” se juntam a desordeiros para invadir lojas e fazer saques. 

“Na massa elas se sentem mais à vontade para dar vazão a impulsos sexuais e agressivos; a repressão perde um pouco da força na massa”, explica Mariano. 

Esses instintos de sexo e violência são “os mais fortes que o ser humano tem”, na opinião de Fernandes. Para ele, nas circunstâncias descritas anteriormente, a pessoa “perde qualquer respeito pelo outro, que passa a ser simplesmente um instrumento a ser submetido à satisfação dos desejos próprios; sejam esses interesses sexuais, arbitrários ou de violência”. 

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O juiz André Gonçalves Fernandes ressaltou que essa discussão – sobre um caso de machismo – não pode ser levada ao extremo de pregar o ódio aos homens, como se eles fossem “a encarnação do mal”.