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Constantino II e Anne-Marie da Dinamarca durante seu casamento em 1966. | Reprodução
Constantino II e Anne-Marie da Dinamarca durante seu casamento em 1966.| Foto: Reprodução

Quando uma monarquia cai, a quem pertencem os bens que ela utilizava? As fazendas, os palácios, os veículos, são da nação ou da família real? O Brasil ainda não chegou a uma conclusão, ao menos quando o assunto é a posse do atual Palácio Guanabara, sede do governo estadual do Rio de Janeiro, requisitado pela Princesa Isabel. Já na Grécia, foi preciso que a Corte Europeia de Direitos Humanos interferisse no assunto, no ano 2000, para que o último monarca do país, Constantino II, tivesse direito a uma indenização pelos imóveis tomados pelo governo que o depôs. 

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Ele recebeu 12 milhões de euros, bem menos do que os 270 milhões que solicitou, por três propriedades da família – o Palácio de Tatoi, o Palácio de Polydendri e a residência na Ilha de Corfu. Mas sua vitória na Justiça teve grande valor simbólico, no sentido de que ele teve reconhecida a posse de sua família sobre as propriedades. 

Foi uma longa batalha. Os tribunais locais não reconheciam a posse e o poder legislativo buscava aprovar leis que resolvessem a questão em definitivo, sem o pagamento de indenizações. A própria trajetória da monarquia na Grécia ajuda a explicar a dificuldade em estabelecer, no arquipélago mediterrâneo em específico, um consenso sobre o tema. 

Reis dos helenos 

Depois de alcançar a independência em relação ao Império Otomano e ser reconhecido como um país independente, no século 19, o país foi governado por Ioannis Kapodistrias, um antigo ministro da Rússia. A partir de então, entre 1833 e 1924, a Grécia foi regida por uma monarquia. Então, tornou-se república. Voltou à monarquia em 1935, depois de um golpe militar. Por fim, o rei caiu em 1967 e, depois de um período de ditadura, a república foi formalmente reinstalada em 1974. 

Nesse meio tempo, os gregos tiveram sete monarcas, que se proclamavam “reis dos helenos”: Otto (que reinou como monarca absolutista mas acabou deposto em 1862), Jorge I (que morreu assassinado em 1913), Constantino I (que governou por duas vezes, e por suas vezes foi mandado para o exílio, até morrer na Itália), Alexandre (que perdeu o trono e a vida em 1920, depois de se mordido por um macaco), Jorge II (que assumiu de 1922 e 1924 e retomou o trono entre 1935 e 1947, com um intervalo de exílio durante a Segunda Guerra), Paulo (que governou entre 1947 até sua morte, em 1964, e teve nada menos do que 15 primeiros-ministros) e, por fim, Constantino II. 

Todos eles (à exceção de Otto) pertencem à Casa de Glücksburg, originária da atual Alemanha e que governou, em diferentes momentos, a Dinamarca, a Noruega, a Grécia e vários estados-nação do norte alemão. A atual rainha da Dinamarca, Margarida, é membro dessa dinastia e cunhada de Constantino II, que é também irmão da rainha Sofia, da Espanha. Além disso, o príncipe Charles, seu primo em segundo grau, escolheu Constantino II como o padrinho do príncipe William. Em seu aniversário de 60 anos, o último monarca grego realizou um baile que contou com a presença da rainha Elizabeth II. 

Constantino II nasceu há 77 anos, em Atenas. Com a invasão da Alemanha e da Itália à Grécia, viveu no exílio, no Egito e na África do Sul, entre as idades de um e cinco anos. Bom velejador, ganhou uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1960 – depois se tornaria membro do Comitê Olímpico Internacional. Filho do rei Paulo, no mesmo ano em que assumiu o trono, aos 23 anos, casou-se com a princesa Ana Maria, da Dinamarca, com quem teria cinco filhos. Ele só reinou 1964 e 1967. Depois de tentar um contragolpe malsucedido, teve que fugir do país, com a esposa grávida (ela perderia este filho no decorrer dos acontecimentos). 

Disputas judiciais 

Constantino II tentou fazer valer seus contatos com outras monarquias. Começou pela Inglaterra, onde se instalou tanto para viver quanto para mobilizar uma volta ao poder. Não conseguiu – ele viveria em Londres até 2013. Ao longo dessas quatro décadas e meia, voltou ao país natal poucas vezes. Em 1981, por exemplo, esteve na Grécia por poucas horas, apenas para realizar o funeral de sua mãe, a rainha Frederica, que desejava ser enterrada em solo grego. A disputa judicial pelas propriedades tomadas só começou nos anos 1990. 

Em 1992, o rei alcançou um primeiro acordo: cedia boa parte das antigas propriedades reais, em troca de permanecer com o antigo palácio da família em Tatoi. Em 1994, o acordo foi extinto e o antigo rei perdeu o direito a qualquer propriedade. Na época, o governo também retirou sua cidadania grega. Foi quando o antigo rei resolveu recorrer à corte europeia. 

Constantino II venceu, apesar de receber muito menos dinheiro do que havia pedido. Mas, na época, não reaveu sua cidadania. O governo exigia que, para voltar a ser um cidadão do país, ele assumisse um sobrenome. Acontece que sua dinastia inteira simplesmente não adota sobrenomes, apenas se identifica como parte do clã dos Glücksburg. Finalmente autorizado a carregar em seu passaporte a identificação “ex-rei Constantino II”, ele retornou para casa em 2013. Desde então leva uma vida discreta. Sua maior manifestação pública recente foi publicar uma autobiografia em três volumes. 

O monarca grego não é o único rei sem súditos que se recusa a perder a majestade. Também em Londres, vive Mohammed el-Senussi, bisneto do último rei da Líbia, Idris, e, em tese, o detentor do trono, caso ele ainda existisse. Quem nasceu na capital britânica foi o príncipe Alexander, filho do último rei da Iugoslávia, Pedro II, deposto em 1947. Desde 2000, ele vive na Sérvia, onde recebeu o direito de usar os antigos palácios reais. Por sua vez, Zera Yacob Amha, bisneto do imperador da Etiópia Haile Selassie, divide o tempo entre o país que gostaria de voltar a reinar e, mais uma vez, a Inglaterra. 

São muitas as nações que abandonaram o regime monárquico nas últimas décadas. O que aconteceu especificamente na Grécia? “A monarquia grega caiu, e até hoje é impopular no país, porque os monarcas, sucessivamente, ao longo de todo o século 20, não cumpriram a promessa de respeitar a constituição democrática do país”, afirma, em estudo, George Tridimas, professor de política econômica da Universidade Ulster, que estuda a história recente da Grécia, do ponto de vista político e econômico.

De fato, um referendo em 1974 optou pela república – a monarquia recebeu apenas 31% dos votos. Pesquisas mais recentes apontam que apenas 11% da população gostaria de voltar a ter um soberano. 

A volta de Constantino II para a Grécia, em 2013 indica que ele ainda quer retomar o poder? “Não acredito”, diz George Tridimas. “Ele provavelmente só queria voltar a viver em sua terra, cercado por seus admiradores, quase todos muito idosos”.

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