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Com dois projetos antagônicos que mexem com a noção jurídica de família em tramitação no Legislativo nacional, um para ampliar (chamado de Estatuto das Famílias) e outro para restringir (o Estatuto da Família) seu conceito, é preciso se perguntar de que forma o Judiciário abrange, atualmente, a relação entre amantes.

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Advogada e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (Adfas), Regina Beatriz Tavares da Silva afirma que relações de adultério não têm proteção jurídica, especialmente porque o Código Civil define como um dos deveres dos cônjuges a fidelidade. Juridicamente, refere-se a este tipo de relacionamento como concubinato impuro – que nada mais é a relação amorosa em que uma das pessoas já é casada ou mantém união estável.

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“No direito brasileiro, o casamento é monogâmico, assim como a união estável deve ser monogâmica. Assim, a prática de uma relação extraconjugal importa na prática de um ato ilícito, ou seja, que descumpre a lei, que descumpre o dever de fidelidade. A partir disso, não se pode atribuir efeitos de direito de família a uma relação que é ilícita”, defende a advogada, que complementa que “o concubinato impuro jamais poderia ser equiparado a uma união estável, porque não pode haver uma união estável paralela a um casamento. Essa ideia de uniões simultâneas, paralelas, não tem apoio, não tem suporte no ordenamento legal brasileiro”.

Segundo Regina Beatriz, esse é o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ainda que as instâncias inferiores possam decidir de forma favorável aos amantes, a tendência é que, ao chegar à corte, as decisões sejam reformadas. Recentemente, por exemplo, o STJ negou a um homem, casado, o direito de partilha de um apartamento que ele adquirira para a amante. Para o tribunal, a partilha de bens nos casos de concubinato impuro só é possível se restar comprovado que o patrimônio foi adquirido de esforço comum.

No caso em questão, o homem, que manteve a relação extraconjugal por nove anos, “assumiu o risco inerente à informalidade ao manter uma relação extraconjugal que não é protegida pela legislação nacional”, como apontou o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva.

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“Ao não provar a participação na construção de um patrimônio comum com a ex-concubina, com quem não formou vínculo familiar, já que a legislação pátria, diferentemente da regular união estável, não socorre esse tipo de conduta, não há que falar em partilha (...). Ao não abandonar o lar oficial, [o homem] deu causa a circunstância antijurídica e desleal, desprezando o ordenamento pátrio, que não admite o concubinato impuro”, acrescentou o ministro.

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Uma exceção, atenta a presidente da Adfas, é o que se chama de “relação putativa”, em que um dos companheiros não tem conhecimento de que o outro já é casado. Nessas situações, até um duplo casamento pode gerar efeitos se foi contraído de boa-fé – que deve ser provada. A advogada faz a ressalva, no entanto, de que no mundo atual é muito difícil imaginar tal hipótese, visto que a comunicação de informações é constante, especialmente por causa das redes sociais.

Nas mãos do STF

Em breve, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar dois processos sobre o assunto, nos quais a Adfas atua como amicus curiae. São os Recursos Extraordinários (RE) 1.045.273-SE, que tramita em segredo de Justiça, e 883.168-SC, que teve repercussão geral conhecida. Basicamente, ambos tratam da atribuição – ou não – de efeitos previdenciários ao concubinato impuro.

Em relação ao RE 883.168-SC, a Justiça catarinense, nas instâncias inferiores, reconheceu o direito da amante de militar falecido de receber, em concorrência com a viúva do servidor, com quem ele continuou vivendo até a época do falecimento, quota parte da pensão por morte.

“A capacidade de amar mais uma pessoa ao mesmo tempo não comporta análise jurídica, sendo assunto a ser tratado nos divãs de psicanálise. Porém, questões como a invalidade jurídica de relações simultâneas pertencem à seara do direito”, escreve a Adfas em manifestação no processo que está no STF.

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A entidade acrescenta que “não há como admitir, observados os contornos sociais e jurídicos brasileiros, que o casamento e a união estável deixaram de ser monogâmicos (...) A legislação brasileira reconhece somente as relações monogâmicas como instituições familiares e também estabelece sanções penais à bigamia, tipificada como crime contra a família no artigo 235 do Código Penal”.

Já o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), que também atua como amicus curiae no processo, mas com posicionamento contrário ao da Adfas, acredita que a apreensão jurídica das relações familiares não é estática: “[os paradigmas estabelecidos pela Constituição Federal de 1988] se constroem e se reconstroem na permanente confrontação, interpretação/aplicação da norma, revigorada pelos influxos dos fatos e da dinâmica social”.

Na visão da organização, é preciso repensar a “apreensão jurídica da conjugalidade, que não pode mais ficar adstrita ao modelo da família matrimonializada herdada das codificações oitocentistas, mas que persiste como forte paradigma no senso comum dos juristas”. Ainda segundo o Ibdfam, “desde o início da colonização, o concubinato se apresenta sob o signo da marginalização e do domínio do homem sobre a mulher. A concubina sempre esteve e permaneceu em um lugar de não direito, de invisibilidade jurídica”.