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Decisão foi tomada pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal | Nelson Jr. /STF
Decisão foi tomada pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal| Foto: Nelson Jr. /STF

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou a censura imposta ao jornal O Estado de S. Paulo, que estava proibido de publicar informações no âmbito da Operação Boi Barrica envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (MDB). A decisão do ministro foi divulgada depois de o jornal completar nesta quinta-feira, 8, 3.327 dias sob censura por determinação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que foi cassada agora por Lewandowski.

Em sua decisão, Lewandowski destacou que o plenário do Supremo garantiu em julgamento no ano de 2009 “a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.

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“Dessa forma, não há como se chegar a outra conclusão senão a de que o acórdão recorrido (do TJ do Distrito Federal e dos Territórios), ao censurar a imprensa, mitigando a garantia constitucional da liberdade de expressão, de modo a impedir a divulgação de informações, ainda que declaradas judicialmente como sigilosas e protegidas pelo ordenamento jurídico, viola o que foi decidido na ADPF 130/DF (julgamento de ação que derrubou a Lei de Imprensa, legislação do tempo da ditadura considerada inconstitucional pelo STF em 2009)”, concluiu Lewandowski.

“Isso posto, julgo procedente o recurso extraordinário para cassar o acórdão que concedeu antecipação de tutela”, determinou Lewandowski.

Para Manuel Alceu Affonso Ferreira, advogado do Grupo Estado, a decisão reafirma que “jornalismo investigativo não pode estar sujeito a censura alguma”. “Finalmente, é uma decisão de mérito que afasta a possibilidade de censura, reafirmando uma linha que o Supremo vem adotando em muitos casos. Tinha muita confiança de que terminaria desta maneira”, disse ele, que defendeu o jornal desde a primeira instância.

Tramitação

O processo chegou ao Supremo em setembro de 2014 e foi originalmente distribuído à ministra Cármen Lúcia. Em setembro de 2016, foi encaminhado ao gabinete de Lewandowski, depois de Cármen assumir a presidência da Corte. Após a troca de relatoria, a Procuradoria-Geral da República (PGR) encaminhou parecer favorável ao Estado.

Em maio deste ano, Lewandowski negou seguimento ao recurso do Estado em decisão monocrática (individual) e determinou que todo o processo fosse enviado à 12.ª Vara Cível de Brasília para que julgasse o mérito da ação “como bem entender”.

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À época, Lewandowski não apreciou o mérito da questão e alegou que o instrumento legal usado na apelação (o recurso extraordinário) não era válido em casos de medidas cautelares como as liminares.

O jornal recorreu da decisão de Lewandowski e conseguiu - por 3 votos a 2 - manter o caso no Supremo, em julgamento no plenário virtual da Segunda Turma do STF, ocorrido de 31 de agosto a 6 de setembro de 2018.

Dos cinco ministros da Segunda Turma, três acolheram o pedido do jornal para que o processo fosse apreciado pelo Supremo: Edson Fachin, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O ministro Dias Toffoli, por outro lado, acompanhou naquele julgamento o entendimento de Lewandowski - de que não cabe recurso extraordinário contra decisão liminar.

Com a maioria formada na Segunda Turma a favor do processamento do recurso do Estado na Corte Suprema, Lewandowski retomou a análise do processo e decidiu agora cassar a decisão do TJDFT.

Atos secretos

A censura ao Estado diz respeito à publicação de gravações no âmbito da Operação Boi Barrica que sugerem ligações do então presidente do Senado, José Sarney, com a contratação de parentes e afilhados políticos por meio de atos secretos. Na época, advogados do empresário Fernando Sarney alegaram que o jornal feria a honra da família ao publicar trechos de conversas telefônicas gravadas na operação com autorização judicial.

No julgamento do plenário virtual da Segunda Turma do STF concluído há dois meses, o ministro Edson Fachin destacou que o Supremo proibiu “enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões”.

O decano do STF, ministro Celso de Mello, por sua vez, argumentou naquela ocasião que a “liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de estado democrático de direito, não pode ser restringida pelo exercício ilegítimo da censura estatal, ainda que praticada em sede jurisdicional”.

Repercussão

A Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) elogiaram, nesta quinta-feira, a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que derrubou a censura imposta ao Estado. O jornal estava há mais de nove anos impedido de publicar reportagens com informações no âmbito da Operação Boi Barrica.

Para o diretor executivo da ANJ, Ricardo Pereira, é “surreal” que a censura ao jornal tenha durado tanto tempo. “Finalmente chegou ao fim essa censura absurda, em total desrespeito à Constituição. A ANJ espera que isso fique na história como um exemplo a nunca ser seguido porque isso desde o início estava evidente que era uma proibição que desrespeitava o princípio da liberdade de imprensa”, comentou.

O presidente da Abraji, Daniel Bramatti, afirmou que se trata de um caso exemplar de desrespeito à liberdade de imprensa que não deve se repetir. “É lamentável que o Poder Judiciário tenha demorado tanto para se manifestar. Esperamos não ver novos exemplos de censura judicial, algo incompatível com os valores democráticos”, disse Bramatti, que é jornalista do Grupo Estado.

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Ex-ministros. Na avaliação do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, toda decisão judicial que derruba uma censura à liberdade de imprensa “é de ser saudada como geminadamente constitucional-democrática”. “Afinal, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade. Materialmente, o maior dos direitos constitucionais. E a liberdade de expressão, quando veiculada por órgão de imprensa, sobe ao patamar de superdireito fundamental”, disse Ayres Britto.

O ex-presidente do STF Carlos Velloso concorda. “Toda decisão em favor da liberdade, contra a censura, é saudável”, afirmou.

OAB

Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, a decisão “é consonante com os princípios norteadores de nossa democracia e do Estado de Direito”. “A liberdade de imprensa é assegurada pela Constituição para que a sociedade tenha acesso a informações qualificadas. Aos ocupantes do poder, cabe compreender que a crítica é parte fundamental do sistema democrático”, disse o presidente da entidade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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