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10 problemas que católicos de todo o mundo esperam que o novo papa resolva

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Cardeais na missa de corpo presente do Papa Francisco na Praça de São Pedro (Foto: EFE/Riccardo Antimiani)

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O próximo escolhido para ocupar o posto máximo da Igreja Católica enfrentará desafios notórios em várias frentes – das combalidas finanças do Vaticano à difícil tarefa de restaurar a unidade de uma Igreja que vive um momento ímpar de polarização política e dogmática.

Entre os desafios complexos que o sucessor do papa Francisco terá pela frente estão a queda no número de fiéis em muitos países ocidentais e o crescimento rápido em regiões como África e Ásia, exigindo atenção a realidades culturais muito diferentes.

Por outro lado, o próximo pontífice terá a missão de debater temas sensíveis e demandas de grupos diversos – de tradicionalistas e conservadores a reformistas e progressistas –, que vão desde as restrições à chamada missa tridentina até mudanças complexas que podem entrar em choque com a doutrina católica.

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Veja a seguir dez dos principais desafios que o novo papa terá pela frente.

1. Posicionar-se em um mundo polarizado

O Concílio Vaticano II, evento que reuniu bispos de todo o mundo há mais de seis décadas, é considerado por muitos o marco em que a Igreja Católica decidiu “abrir as portas para o mundo” em um movimento de aproximação com a sociedade. No entanto, alguns setores da Igreja consideram que um mau entendimento dessa aproximação tem gerado deturpações graves do papel do papa. Francisco foi duramente criticado por exagerar nessa “abertura ao mundo”, em especial em relação a temas políticos e disputas regionais em alguns países.

“Embora isso tenha dado alguns bons frutos, também gerou espinhos”, avalia Edward Pentin, vaticanista que escreve para National Catholic Register, entre outras publicações. “Sua proximidade com grupos políticos, o globalismo e a crescente dependência do financiamento estatal conduziram, especialmente nos últimos anos, a concessões aos valores seculares, levando a um silenciamento da voz da Igreja em questões morais fundamentais e a um consequente ‘achatamento’ de seu testemunho evangélico”, diz.

O papa Francisco era visto como mais alinhado a setores progressistas e já teve encontros e diálogos amigáveis com figuras como Evo Morales, Lula, Alberto Fernández e Bernie Sanders. Entre os brasileiros, o pontífice ficou marcado por uma defesa pública do presidente Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff (ambos do PT), dizendo que o primeiro foi condenado pela Justiça sem provas e que a segunda sofreu impeachment injustamente.

No entanto, o pontífice sempre afirmou que sua atuação não era “ideológica” e com frequência criticou a instrumentalização da fé por projetos políticos de esquerda ou de direita.

2. Lidar com demandas controversas, algumas relacionadas à “diversidade na Igreja”

Há uma série de temas-tabu à espera do próximo pontífice: um deles é a ordenação de diaconisas – durante seu pontificado, o papa Francisco criou duas comissões de estudo para avaliar a possibilidade de mulheres assumirem esse ministério que, hoje, por razões teológicas, é exclusivo de homens que receberam o sacramento da Ordem. Outros assuntos espinhosos são a benção para casais do mesmo sexo, a classificação do celibato de sacerdotes como opcional e a comunhão (eucaristia) para divorciados que estão em uma segunda união.

Essas demandas são sustentadas principalmente por frentes reformistas e progressistas. Várias dessas medidas foram avaliadas por Francisco, que conduziu iniciativas consideradas reformistas – em 2023, por exemplo, o Vaticano publicou a declaração Fiducia Supplicans, autorizando que padres dessem bênçãos não litúrgicas a casais do mesmo sexo e casais em “situação irregular”, mas reforçando que isso não equivale ao casamento sacramental.  

Em entrevista recente ao American Magazine, o cardeal italiano Baldassare Reina, que representa uma corrente reformista entre os cardeais, disse esperar por um papa que “dará continuidade ao processo de reforma iniciado pelo papa Francisco”, e que cabe à Igreja “acolher esse legado e acompanhar os processos que ele pôs em marcha”.

Baldassare ReinaO cardeal italiano Baldassare Reina (Foto: EFE/Angelo Carconi)

3. Tratar da questão dos abusos sexuais pelo clero

A crise de abusos sexuais é, há anos, uma ferida aberta na Igreja. O novo papa precisará enfrentar a questão com transparência e responsabilidade, especialmente em regiões onde o problema é subnotificado, como a África.

Nesta segunda-feira (5), o órgão do Vaticano de proteção à criança (Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores - PCPM) pediu aos cardeais que elegerão o novo papa que, ao votarem, priorizem a preocupação com o combate aos abusos de menores.  

“Unimos nossas vozes às do Povo de Deus em um apelo por discernimento guiado pelo Espírito Santo, e moldado pelos clamores daqueles que foram prejudicados por abusos dentro da Igreja. A credibilidade da Igreja depende de real responsabilização, transparência e ação enraizada na justiça”, diz o comunicado do PCPM.

“Uma questão crítica para o novo papa será garantir maior justiça e consistência ao lidar com a questão, assumindo a liderança no combate aos abusos e não encobrindo amigos”, analisa Edward Pentin.

4. Decidir os rumos do relacionamento com a ditadura chinesa

Nos últimos anos o Vaticano costurou uma negociação com a ditadura chinesa para reduzir a tensão entre fiéis "clandestinos" e "oficiais". Isso porque no país asiático a principal instituição católica é a Associação Patriótica Católica Chinesa (APCC) – uma organização criada pela ditadura para controlar a Igreja no país, de forma independente do Vaticano.

Desde 2018 há um acordo controverso sobre a nomeação de bispos para as dioceses chinesas. O objetivo do tratado seria unificar a Igreja Católica no país sob a autoridade do papa: o governo chinês poderia propor nomes para o episcopado, mas o papa teria a palavra final sobre a nomeação.

Entretanto, os termos da tratativa nunca foram abertos ao público, e a Santa Sé já reconheceu que o regime chinês não os respeita. Além disso, ao invés de ser atenuada, a perseguição aos cristãos chineses pelo governo comunista piorou de 2018 para cá.

O novo papa precisará tomar uma decisão: manter o acordo pouco frutífero e um tom ameno frente ao cenário de severa repressão aos católicos na China ou mudar a atuação diplomática com o país.

Conclave Novo Papa VaticanoO cardeal italiano Baldassare Reina (Foto: EFE/Angelo Carconi)

5. Dar uma resposta à perseguição mundial de fiéis

Mas esse problema não se restringe à China, e o sucessor de Francisco poderá dar uma resposta mais enfática quanto à perseguição de milhões de fiéis. O Vaticano tem sido cobrado por posicionamentos mais contundentes em relação a esse cenário de repressões, muitas vezes brutais.

No final de abril, às vésperas do conclave, uma coalizão de organizações cristãs nigerianas cobrou uma posição ativa de lideranças religiosas contra a severa repressão ao cristianismo no país. Um relatório da ONG católica Sociedade Internacional para as Liberdades Civis e o Estado de Direito, publicado em 2023, informou que desde 2009, quando os insurgentes do Boko Haram começaram sua campanha para aniquilar o cristianismo na nação mais populosa da África, mais de 50 mil cristãos foram mortos.

Segundo a ONG Portas Abertas, há 380 milhões de cristãos que vivem em situação de repressão e perseguição, sobretudo na Ásia, África e Orienta Médio.

6. Lidar com as “guerras litúrgicas” e as restrições à missa tridentina

Após o Concílio Vaticano II, a chamada missa tridentina (rito tradicional da celebração da missa na Igreja Católica, celebrada em latim, com o sacerdote de frente para o sacrário e de costas para os fiéis) foi substituída pela missa celebrada na língua vernácula, com o padre voltado para a assembleia.

A missa tridentina, na verdade, nunca foi abolida, mas as restrições geraram insatisfação entre setores tradicionalistas. Uma das consequências foi o surgimento da Fraternidade São Pio X, um movimento que nasceu em defesa do catolicismo pré-Concílio Vaticano II e que defende o formato anterior da celebração da missa. Por conta de suas posições, a fraternidade entrou em conflito com Roma, sobretudo nos pontificados de Paulo VI e João Paulo II. Embora tenha crescido exponencialmente em todo o mundo, sua situação canônica não é plenamente regular.

Em 2007, o papa Bento XVI flexibilizou a celebração do rito antigo, o que foi visto como um gesto inclusão dos católicos adeptos dessa liturgia. Contudo, em 2021, Francisco emitiu novas normas, restringindo severamente a permissão para que padres celebrem a missa tridentina, o que gerou uma nova fissura com os tradicionalistas, dando novo ânimo às chamadas "guerras litúrgicas" que Bento XVI havia amenizado.

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7. Posicionar a igreja em relação a questões ambientais

Há décadas o Vaticano é cobrado a posicionar-se em relação à preservação ambiental. O papa Francisco possivelmente entrará para a história como o pontífice que mais tratou do assunto, mas seus antecessores, João Paulo II e Bento XVI, também falaram sobre questões ambientais.

A defesa do meio ambiente encabeçada por Francisco, no entanto, segue uma direção diferente da nova geração de ambientalistas radicais alinhados à esquerda política. Sua encíclica ambiental Laudato Si’, publicada em 2015, focou no reconhecimento de uma crise ambiental e social em que todos são convidados a agir, mas centrada no diálogo e sem espaço a radicalismos. Nos próximos anos, o novo pontífice deverá decidir qual ordem de prioridade dará ao tema.

“Alguns cardeais acreditam que a igreja deve continuar a ter uma voz forte nesse tema, outros não. Embora isso não seja um assunto fundamental para a Igreja, a doutrina católica diz que o ser humano tem responsabilidade com a criação. Então não entendo que haveria problema em um papa que continuasse falando da questão ambiental”, explica o jornalista Marcio Antonio Campos – colunista da Gazeta do Povo sobre temas que envolvem o catolicismo, e que atualmente está no Vaticano cobrindo o conclave.

8. Avançar ou recuar com a sinodalidade

Um dos acontecimentos mais expressivos no Vaticano nos últimos anos foi o Sínodo da Sinodalidade – um processo iniciado pelo papa Francisco em 2021 para escutar várias vozes católicas sobre o futuro da instituição no modelo de “Igreja sinodal”, em que leigos e religiosos participam ativamente das decisões.

Trata-se de um processo de descentralização das decisões pelo Vaticano. O sínodo começou em 2021 e foi concluído em 2024, mas Francisco sinalizava manter a cultura da sinodalidade. Progressistas costumam enxergar nisso oportunidades históricas de renovação, enquanto conservadores e tradicionalistas temem que leve a mudanças doutrinais e relativismo.

“Juntamente com um impulso em direção à sinodalidade, na qual os fiéis não catequizados tinham uma palavra significativa em uma ampla democratização da Igreja, isso levou à confusão doutrinária no Vaticano e em outros lugares”, avalia Edward Pentin. “Uma prioridade urgente para o novo papa, portanto, será restaurar a clareza doutrinária na fé e na moral, a boa governança e o respeito ao direito canônico”, opina.

9. Administração das finanças do Vaticano

O papa Francisco promoveu, ao longo do seu pontificado, uma ampla reforma financeira no Vaticano para enfrentar décadas de má gestão, falta de transparência e escândalos. No entanto, as contas do Vaticano seguem deficitárias. Em 2022, o déficit pelo Vaticano superou os R$ 200 milhões. De lá para cá a Santa Sé não divulgou mais o valor deficitário, mas segundo a agência Reuters, em 2024 esse valor teria batido a marca dos R$ 500 milhões.

“Faz muito tempo que as finanças do Vaticano são desorganizadas e já houve grandes escândalos relacionados a esse tema. O papa Francisco tentou dar um jeito nisso, mas esbarrou no que uma ex-embaixadora americana da Santa Sé disse: que existia um deep state no Vaticano que se beneficia da falta de controle. E esse deep state conseguiu minar esforços”, aponta Marcio Campos.

10. Reengajar os jovens numa era de secularização

A Igreja Católica registrou um crescimento de 1,1% no número de fiéis entre 2022 e 2023, totalizando 1,4 bilhão de pessoas, segundo o Annuario Pontificio 2025. O continente africano é o que mais contribuiu para esse número, com crescimento de 3,3%.

Por outro lado, em outros continentes o cenário é de estagnação ou redução de fiéis. Segundo o último Anuário Pontifício - o "censo" de fiéis da Igreja Católica -, entre 2011 e 2021 a Europa viu um declínio de 27 mil padres, 6 mil seminaristas e quase 80 mil freiras, ocasionando uma redução geral no número de padres em todo o mundo.

Um grande desafio do novo papa será engajar jovens para aumentar o número de vocacionados à vida religiosa. “Esse reengajamento é um desafio, mas os jovens é que são o futuro da igreja. Uma coisa interessante é que movimentos mais conservadores é que têm engajado mais essa faixa etária ultimamente. O jovem costuma procurar uma orientação quando se sente mais perdido, então quem oferece um norte, um princípio sólido, sempre terá sucesso”, diz Marcio Campos.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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