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Bairro de José Felix Ribas na favela de Petare, em Caracas, Venezuela |  Ignacio Marin / Bloomberg
Bairro de José Felix Ribas na favela de Petare, em Caracas, Venezuela| Foto:  Ignacio Marin / Bloomberg

À medida que a campanha da oposição para derrubar o ditador Nicolás Maduro escalou dramaticamente, as ruas conflituosas da favela de Puerta Caracas se encheram de manifestantes que protestam contra o governo. Um centro cultural dirigido por aliados de Maduro foi incendiado. Os moradores famintos e abatidos sentiram uma onda de esperança. 

Então a noite veio, e junto com ela os passos das botas das forças do governo. 

Maduro chamou os incendiários de "criminosos fascistas" e os moradores do enclave no oeste de Caracas pagaram o preço. Soldados mascarados das forças especiais, segundo os moradores locais, invadiram o bairro na semana passada, chutando portas, cercando jovens e impondo um toque de recolher. 

O ataque a Puerta Caracas é parte do que os observadores chamam de “a repressão mais impiedosa desencadeada por Maduro desde que chegou ao poder em 2013”. Na semana passada, operações semelhantes se estenderam por pelo menos cinco outras favelas rebeldes em toda a capital, deixando 40 pessoas mortas – incluindo vítimas jovens de 16 anos – e mais de 850 presos

"Não houve mais protestos", disse a mãe de um homem de 26 anos que foi detido por agentes da inteligência. Recusando-se a dar seu nome por medo de represálias, ela disse que não teve mais contato com o seu filho desde quarta-feira. "Eu não acho que alguém aqui ousará sair de novo". 

O esforço, com apoio internacional, para derrubar Maduro – liderado por Juan Guaidó, proclamado presidente interino do país pela Assembleia Nacional, controlada pela oposição – criou o desafio mais difícil para Maduro desde que ele sucedeu o falecido Hugo Chávez há quase seis anos. Mas enquanto o governo se sentia cada vez mais ameaçado, também se tornou mais agressivo. 

Na terça-feira (29), o procurador-geral da Venezuela pediu à Suprema Corte, que é pró-governo, que proibisse Guaidó de deixar o país e congelasse suas contas bancárias, fazendo com que os Estados Unidos, que um dia antes sancionaram a companhia petrolífera estatal venezuelana, alertassem que haveria "consequências graves" se Guaidó for prejudicado. 

Mas as represálias estão sendo sentidas de forma mais aguda pelo povo da Venezuela. 

Mudança nos protestos

As operações de segurança do governo, incluindo as das temíveis Forças de Ações Especiais (FAES) de Maduro, estão chegando aos bairros desesperados que já foram leais a ele. No passado, os cidadãos de classe média e alta lideravam os protestos; desta vez, são os setores mais pobres da cidade que se agitaram em rebelião, reacendendo uma expressão há muito usada pela oposição: "Quando as favelas finalmente se levantarem, Maduro cairá". 

A coibição do governo carrega ecos de 2017, quando os protestos foram brutalmente reprimidos, deixando mais de 100 mortos. Mas desta vez, o uso de força letal e prisões, dizem os especialistas, tem sido muito mais imediato. 

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"O impacto dessa nova tendência repressiva nas favelas, em casas particulares, é claro. As pessoas estão apavoradas", disse Marco Antonio Ponce, diretor do Observatório Venezuelano de Conflito Social. "Eles estão com medo de que alguém diga à polícia que eles estão protestando". 

Esses eventos ocorreram depois de Guaidó ter declarado Maduro um usurpador por ter assumido um novo mandato este mês depois de vencer eleições fraudadas do ano passado. Na semana passada, ele fez uma reivindicação constitucional como o verdadeiro líder da Venezuela e está trabalhando com o governo Trump para cortar as fontes de dinheiro internacional de Maduro. 

Mas a força da repressão, dizem os especialistas, pode minar a revolta. 

Invasões, tortura e morte

Para muitos venezuelanos, a resistência tornou-se mortal. 

Ana Cecilia Colmenares, 58 anos, disse que seu filho, Yonny Godoy, 29 anos, foi morto a tiros pelas forças de segurança depois de se juntar a um protesto dois dias antes. 

As tropas da FAES invadiram sua favela na sexta-feira (25), ela disse. A porta da casa estava aberta e ele viu policiais do lado de fora apontando armas, disse Colmenares. Sem camisa e descalço, Godoy saiu e se entregou. Ele foi arrastado para fora enquanto as autoridades a trancaram dentro da casa. Testemunhas contaram à família sobre seus momentos finais, até que ele morresse por um tiro no abdômen. 

"Ele estava implorando para que não o matassem", disse Marvelys Paredes, prima de Godoy. "Dizendo que ele ia ter um bebê daqui a dois meses, que ele queria conhecer seu bebê." 

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Paredes disse que ainda apoiava a revolta. 

"Para nós, chega", disse ela. "Cansamos de ser roubados, de passar fome, de ver pessoas morrerem porque não há remédio". 

Casos de abusos com os detidos circularam nas redes sociais. Em um vídeo, três detentos seminus são forçados a abaixar suas roupas íntimas enquanto um oficial de segurança os agride brutalmente com um taco de beisebol. "Você estava protestando?" o oficial grita. (Vídeo disponível neste link. Alerta para conteúdo sensível).

O vídeo foi compartilhado pelo monsenhor Victor Hugo Basabe, que disse que conhece os jovens. Carlos Nieto Palma, diretor da organização Una Ventana a la Libertad, disse que "os familiares desses garotos têm muito medo de falar". 

Outro vídeo mostra Ediluh Guedez Ochoa, uma juiza de Yaracuy, denunciando a pressão do governo para prender jovens manifestantes. 

"Quando eu queria dar-lhes a liberdade, (o governo) não me deixou", diz ela no vídeo. "Minha família e eu recebemos ameaças de morte. Eu chamo meus colegas juízes para perderem o medo". 

Puerta Caracas

As revoltas começaram na noite de 22 de janeiro, com moradores de Puerta Caracas batendo em panelas e incendiando lixeiras. Por volta da meia-noite, dizem os vizinhos, um grupo de meninos encapuzados jogou coquetéis molotov no centro cultural. 

Familiares disseram que, na manhã de quarta-feira, Abel Pernia, 19 anos, estava indo a uma consulta médica quando policiais armados da inteligência o agarraram, o empurraram contra uma parede e o algemaram. Sua namorada e sua irmã foram alertadas pelos vizinhos e tentaram intervir. Em resposta, os policiais colocaram uma arma no rosto da namorada. 

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"Um homem me empurrou contra a parede. Abel já estava dentro de uma de suas vans. Eles quebraram meu telefone", disse a jovem de 18 anos, que não quis dar seu nome por medo de represálias. 

"Naquele dia, eles bateram violentamente nas portas para levar as pessoas embora, pessoas que nem estavam envolvidas", disse ela. 

Favela de Petare

Na favela de Petare, uma das maiores da América, os moradores dizem que o bairro foi "tomado" na semana passada pelas FAES. Eles diziam às pessoas que ficassem em casa, e carros blindados subiam os morros do bairro à noite, seguidos pelo som de explosões de granada. 

A resposta veio depois que protestos irromperam em Petare na última quarta-feira e continuaram até o amanhecer. Um grupo incendiou barricadas, atirou pedras e atacou um posto avançado da Guarda Nacional. As forças de segurança dispersaram o grupo com gás lacrimogêneo enquanto os moradores gritavam "não queremos caixas de comida! O que queremos é que Nicolás vá embora!"

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Os vizinhos disseram que gangues criminosas estavam entre a multidão e criaram caos ao confrontar a polícia com violência. A resposta foi imediata. Na tarde de quinta-feira, Lenis Blanco, de 41 anos, disse que as tropas das FAES invadiram a casa de sua cunhada. "Homens armados bateram em sua porta e, como ninguém respondeu, eles invadiram. Graças a Deus a casa estava vazia porque ela deixou o país", disse Blanco. 

"Mas eu não vou sair da minha casa", disse ela. "Estou com medo das FAES."

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