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O ditador da Rússia, Vladimir Putin
O ditador da Rússia, Vladimir Putin| Foto: EFE/EPA/MIKHAIL METZEL/SPUTNIK/KREMLIN

Na esteira do conflito na Ucrânia, uma prática controversa do regime russo de Vladimir Putin tem começado a gerar consequências trágicas para o seu país: o recrutamento de condenados para o exército russo em troca de perdão e liberdade.

Tal política, que inicialmente visava reforçar o contingente militar da Rússia na Ucrânia, está resultando em uma nova onda de crimes no país cometidos por ex-detentos que retornam à sociedade depois de concluir o serviço militar na invasão ao país vizinho.

Viktor Savvinov, que possuía um histórico de crimes violentos e havia sido libertado da prisão por lutar na Ucrânia, é um exemplo da falha dessa política. Segundo uma reportagem do The New York Times, após cumprir seu serviço militar na Ucrânia sob o comando do Grupo Wagner, que naquela época ainda tinha Yevgeny Prigozhin como líder, Savvinov retornou à sua comunidade natal, chamada Kutana, em fevereiro deste ano e, embriagado, assassinou dois moradores locais em um ato de violência brutal.

O caso de Savvinov não é isolado; relatos semelhantes emergem de várias partes da Rússia, onde ex-condenados que combateram no país vizinho, agora perdoados, reincidem em atividades criminosas.

Em Kutana, a vida normal foi abalada pelo retorno de Savvinov. Na cidade russa de Chita, segundo o Times, um condenado perdoado por Putin que retornou da Ucrânia foi novamente preso por estrangular uma mulher de 22 anos até a morte.

Já na cidade de Novosibirsk, que fica localizada na região da Sibéria, outro ex-condenado, identificado como Sergei Shakhmatov, de 42 anos, que também foi perdoado pelo ditador russo por ter combatido na Ucrânia, foi novamente sentenciado pela Justiça a 17 anos de prisão por estuprar duas meninas, uma de 10 e outra de 12 anos.

Relatos da mídia independente afirmam que Shakhmatov estava usando seu uniforme militar com a insígnia do Wagner no momento em que sequestrou as crianças no portão da escola em que elas estudavam. Ele as ameaçou, dizendo que iria explodir uma granada no local caso elas reagissem. Shakhmatov cometeu o crime apenas um dia após retornar do serviço militar na Ucrânia.

Em uma comunidade que fica ao leste de Moscou, Ivan Rossomakhin, um assassino condenado pela Justiça russa que também foi perdoado por Putin, matou a facadas uma idosa de 85 anos após um desentendimento em 2023. Ele também foi recrutado pelo Wagner e havia acabado de retornar da guerra.

O fato é que desde quando os condenados começaram a retornar da Ucrânia a insegurança começou a se espalhar pelas comunidades rurais e urbanas da Rússia, com residentes relatando um aumento no medo e na desconfiança. A falta de transparência nas políticas sobre perdão e recrutamento de condenados pela Justiça russa para o Exército apenas agrava a situação.

Os números oficiais sobre crimes de recidivistas são difíceis de obter devido às restrições governamentais na divulgação de informações que possam retratar a guerra na Ucrânia de forma negativa. No entanto, uma pesquisa do veículo de comunicação independente russo Verstka revelou que, nos últimos meses, pelo menos 190 casos criminais foram iniciados contra recrutas condenados que foram perdoados por Putin por lutar na Ucrânia através do Wagner em 2023.

Esses recrutas estavam sendo julgados novamente por terem cometidos crimes relacionados a assassinatos, estupros, roubos e crimes relacionados ao tráfico de drogas no território russo.

O cenário de insegurança na Rússia se torna ainda mais alarmante quando se considera o número de ex-detentos que já retornaram ao país. Segundo o Times, estima-se que 15 mil ex-condenados que foram perdoados tenham voltado para suas comunidades na Rússia, trazendo consigo não apenas um status elevado de “heróis” do país por terem lutado na invasão ao território vizinho por um grupo mercenário, mas também um potencial para o aumento da violência e criminalidade.

O Grupo Wagner, o maior responsável por recrutar esses detentos, afirmou ter convocado para suas fileiras 50 mil prisioneiros antes de ser “reinventado” pelo regime após uma tentativa fracassada de motim contra o Kremlin em junho do ano passado. Muitos desses ex-condenados que foram recrutados morreram enfrentando as forças ucranianas, alguns ainda estão lutando no território vizinho, e os que sobreviveram estão retornando à Rússia sem qualquer forma de reabilitação, o que acaba viabilizando a volta deles ao mundo da criminalidade.

Violência invisível

As autoridades locais e a mídia nacional raramente relatam os crimes cometidos por veteranos o Exército, seja do Wagner ou de outras unidades militares, perpetuando uma narrativa de violência invisível que assola neste momento a sociedade russa.

A ironia dessa política de recrutamento é que, enquanto o regime russo busca justificar a guerra na Ucrânia como um meio de tornar a Rússia mais segura, os crimes cometidos pelos ex-condenados perdoados contradizem esse objetivo. A volta desses indivíduos para as cidades russas está representando um risco significativo para a segurança pública, desafiando a noção de justiça e colocando em xeque o futuro das comunidades.

Em meio a essa crise, veículos independentes russos seguem propagando histórias de famílias enlutadas e cidades abaladas, lutando para entender como seus entes queridos puderam ser vítimas de indivíduos que deveriam estar atrás das grades. A política de recrutamento de prisioneiros e os subsequentes perdões de Putin podem começar a levantar questões profundas sobre a moralidade na sociedade russa.

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