Por 299 votos contra 116, os parlamentares britânicos rejeitaram no último dia 7 de março a liberdade para fazer orações silenciosas ou ter conversas consensuais nas imediações de clínicas de aborto da Inglaterra e País de Gales. As imediações são chamadas de “zonas de segurança” ou “zonas-tampão” e são definidas como o perímetro com 150 metros de distância a partir de qualquer parte de uma clínica ou ponto de acesso a ela.
Segundo os defensores, as zonas foram estabelecidas para preservar a privacidade e a integridade das mulheres que acessam as clínicas e das equipes médicas que trabalham nelas, em especial contra obstrução e “assédio” de ativistas contrários ao aborto. Essa votação, que trata de uma nova Lei da Ordem Pública, rejeitou uma emenda que abria exceção para orações silenciosas e conversa consensual nas zonas.
Antes mesmo de a lei ser aprovada, pessoas já foram removidas à força pela polícia das zonas por rezar em silêncio. Isabel Vaughan Spruce foi presa em Birmingham, segunda maior cidade inglesa, em dezembro passado, o que foi registrado em vídeo e chamou a atenção nas redes sociais. No início do mês passado, o padre Sean Gough, de Wolverhampton, também foi levado à delegacia — ele disse que na ocasião não estava rezando contra o aborto, mas a favor da liberdade de expressão, “que está sob forte pressão em nosso país hoje”.
Ian Paisley Jr., deputado do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, falou à Câmara dos Comuns que a lei significa que “se você tiver a ousadia de orar neste país cristão, em silêncio, em certa parte deste país cristão, você será preso”. Ele é membro da Igreja Presbiteriana Livre de Ulster, fundada por seu pai. A cláusula, no entanto, prevê multa, não prisão, como punição para as orações silenciosas, conversas consensuais e outros tipos de “influência”.
Já Stella Creasy, deputada do Partido Trabalhista que representa o distrito londrino de Walthamstow, comemorou a decisão no Twitter e disse que as zonas foram “protegidas da emenda sabotadora”, permitindo às mulheres “acessar o aborto em paz”.
Caso lembra as "zonas de livre expressão" de universidades americanas
O caso das zonas de segurança lembra disputas judiciais promovidas pela organização americana Fire (Fundação por Direitos Individuais e Expressão) a respeito da regulação que universidades americanas fazem da liberdade de expressão em seus campi. As universidades, especialmente particulares, têm criado regulamentos internos que dedicam somente pequenos espaços, chamados “zonas de livre expressão”, para que os estudantes exerçam o direito garantido pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA.
Um dos casos ganhos pela Fire, em 2015, envolveu o Blinn College, no Texas, que disse a uma estudante que ela precisava de permissão especial para exibir uma placa a favor do direito à posse de armas. A instituição foi condenada a pagar 50 mil dólares de indenização e a dar um fim à sua política de zonas de livre expressão.
Críticos do aborto veem as zonas-tampão britânicas como um simples caso de censura e exceção capciosa à liberdade de expressão, além de violação à liberdade religiosa. A Aliança em Defesa da Liberdade no Reino Unido (ADF UK), uma organização global de advogados e ativistas pró-vida, foi além, comparando a Cláusula 10 da lei, que criminaliza qualquer forma de “influência” nas zonas, ao “crimepensamento” da obra “1984”, de George Orwell.
O livro retrata uma distopia em que um partido único de estilo soviético tem absoluto controle da informação, manipulando arquivos históricos e notícias, controlando o vocabulário das pessoas e criminalizando pensamentos subversivos. O protagonista passa por tortura para aceitar que dois mais dois não dão quatro, se o partido assim quiser. A Gazeta do Povo oferece uma edição gratuita do livro para assinantes.
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