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Menina estudando em casa; homeschooling.
Menina estudando em casa; homeschooling.| Foto: Pixabay

Já faz mais de uma década que a família Ferrara teve de sair do Brasil para adotar o homeschooling. Esse precedente judicial se soma aos inúmeros casos de emigração sem judicialização. Essa era a decepcionante realidade de menos de um ano atrás em todo Brasil, e ainda permanece na maioria dos estados brasileiros.

No andamento dos projetos de lei originários da Lei de Homeschooling do Distrito Federal, um dos argumentos mais convincentes era o de que a situação jurídica hostil em todo o Brasil apenas oferecia às famílias educadoras a porta de saída e que essa emigração de famílias bem estruturadas, de pais zelosos, sem ficha criminal e sem vinculação política representava afronta aos direitos humanos e vergonha nacional.

Em dezembro de 2020 foi sancionada a Lei de Educação Domiciliar do Distrito Federal. Algum tempo depois, cheguei a conhecer famílias que se mudaram buscando essa segurança jurídica. Em setembro deste ano, foi também sancionada lei semelhante no Paraná, resultado de uma proposta de impressionante autoria de 38 deputados. Assim, basta agora escolher o estado certo para se morar.

A importância de leis permitindo o homeschooling vai muito além de somente garantir que conteúdos técnicos sejam aprendidos, geralmente acima da média pelos alunos dessa modalidade de educação. Um dos maiores propósitos é aumentar a socialização dos estudantes: com o direito reconhecido, estes poderão participar de atividades extracurriculares, torneios, campeonatos, olimpíadas científicas, convivendo com alunos de escolas. Não regulamentar o método é contribuir com menos socialização, além de omissão do Estado em participar dessa educação.

Outro grande benefício da legislação é trazer paz social: com o reconhecimento estatal, esse fenômeno, tão antigo quanto o início da civilização, deixa de ser objeto de denúncias por aqueles que deveriam formar uma comunidade harmônica, como a família ampliada (tios e avós), bem como vizinhos e porteiros. E surge hoje mais um motivo: ganhar a concorrência com os demais estados na disputa por cidadãos exemplares.

A regulamentação não veio nestes estados para instituir uma política pública ampla para resolver todos os problemas da educação brasileira, mas certamente resolve os problemas citados; emergências que não podiam esperar, nem podem no resto do país. As famílias brasileiras estavam (e várias continuam) em situação de irregularidade, desde que o STF julgou em 2018 que o direito à educação domiciliar é constitucional, mas dependente de lei, confundindo direito civil de liberdade com serviço social de prestação estatal.

Felizmente o federalismo tem vantagens; permite que alguns avanços, que não são compreendidos de forma abrangente, possam florescer em algumas comunidades antes do que em outras. A história nos dá um testemunho dessa realidade: democracias, progressos científicos etc. sempre se iniciaram em determinados lugares mais maduros que conseguiram superar a resistência das forças dos atrasos.

Após 27 anos discutindo o tema, chegou a hora de o Brasil escolher se fará parte do time dos bons.

Milton Gaither, no livro Homeschool: an American History, nos mostra que o reconhecimento do direito nos Estados Unidos também não ocorreu de uma só vez. Os estados pioneiros passaram igualmente a receber famílias de outros estados. De 1982 a 1988, já 28 estados legislaram sobre homeschooling; na década de 90 todos os estados já o aceitavam.

A história de 40 anos atrás nos EUA está se repetindo atualmente no Brasil. Não é novidade que estejamos quase meio século atrasados; o que chama a atenção é que semelhantes argumentos falaciosos que foram utilizados lá ainda se propaguem por aqui. Alega-se que o direito não deve existir, porque poderá haver mau uso; é como se fosse proibido dirigir porque existem excessos no trânsito, mas isso é problema da eficácia ou não da regulamentação e de leis que combatam condutas específicas. Tampouco há desvalorização de professores e falência de escolas; basta ver que ambos continuam existindo nos países com liberdade educacional e que as famílias educadoras são uma pequena minoria.

Nos países mais avançados do mundo em liberdade, democracia e educação, como EUA, França, Itália, Finlândia, Japão e Reino Unido, o homeschooling é tranquilamente aceito. Enquanto não surge uma lei federal, os estados fazem suas escolhas; aos gaúchos resta apenas o Congresso. Após 27 anos discutindo o tema, chegou a hora de o Brasil escolher se fará parte do time dos bons. Enquanto escrevo, Santa Catarina tem a oportunidade de sancionar a lei; aguardemos para saber se os ares da liberdade e do progresso soprarão por lá ou se as famílias terão de se mudar.

Rafael Vidal é cofundador da Associação de Famílias Educadoras do Distrito Federal (Fameduc).

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