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Ensino infantil foi um dos principais afetados durante a pandemia.
Imagem ilustrativa.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A educação no Brasil estará diante de um desafio enorme nos próximos anos que é como recuperar o atraso na aprendizagem dos alunos causado pela pandemia de Covid-19. A princípio, a resposta mais simples é a de mais investimento. Todavia, isso já foi em certo sentido resolvido com o acréscimo da complementação federal no Fundeb, que passou de 10% para 23% até o ano de 2026. Estima-se que de cada R$ 10 investidos em educação no Brasil, R$ 6 venha do Fundeb.

Para além da questão econômica, pesquisadores como a sueca Inger Enkvist, professora de literatura espanhola na Universidade de Lund, afirmam que a qualidade da aprendizagem não está necessariamente ligada aos aportes financeiros, mas sim com a gestão do gasto em educação, a qualidade do currículo e a participação da família no processo.

Aliás, uma pesquisa liderada pelo sociólogo espanhol Victor Pérez-Diaz em 2009 e publicada no livro Educação e Família os pais diante da educação geral de seus filhos, afirma que as instituições mais importantes na educação dos jovens são, nesta ordem, a família, o professor e o Estado. Ainda segundo Diaz, o fracasso escolar costuma estar atrelado a três fatores essenciais, pouco esforço do aluno, negligência da família no acompanhamento do cotidiano escolar, e a má formação profissional. Ou seja, pouco adianta investir num modelo sem as devidas estruturas.

No pós-pandemia, o Estado não poderá mais ser o único ator no processo de formação das futuras gerações. Isso porque devido às dificuldades trazidas pela queda de arrecadação, inflação e as altas taxas de desemprego – o que faz crescer a demanda pela educação pública – o Estado não terá condições de construir novos edifícios escolares ou fazer altos investimentos.

Para superar os desafios trazidos pelo período em que as crianças e jovens ficaram em aulas remotas, o crescimento da procura por vaga em escolas gratuitas e para evitar a superlotação das classes – o que prejudica a aprendizagem dos alunos e desgasta física e mentalmente os profissionais da educação –, os gestores públicos terão de utilizar ferramentas e estratégias eficientes na gestão do gasto público. Além disso, será preciso utilizar metodologias científicas que já tenham demonstrado resultados efetivos e ter na família e na sociedade organizadas, como associações de bairro, ONGs e igrejas, parceiros essenciais. Assim, a existência de alternativas aos modelos de educação existentes é salutar.

Há poucos dias, a Câmara dos Deputados aprovou a regulamentação da educação domiciliar, também conhecida como homeschooling. Este modelo de educação, em que as famílias são as responsáveis diretas pelo processo de formação de seus filhos, necessita, segundo a legislação aprovada, de uma rede de apoio para as famílias e as famílias que praticam a educação domiciliar precisam matricular seus filhos em uma instituição de ensino. Mas cabe perguntar se as escolas públicas estão preparadas para receberem as famílias que praticam homescooling. E não apenas isso. Também é preciso questionar se as escolas publicas estão preparadas para receber os alunos oriundos das escolas particulares. Devido à pandemia, muitos pais viram sua renda diminuir e tiveram de recorrer à educação gratuita.

Essas questões nos levam a pensar se não é hora de olhar para outros modelos de gestão de serviços públicos que já deram resultados, como é o caso da área da saúde, em que entidades sérias da sociedade civil, como o Einstein, São Luiz, as Santas Casas, atendem com eficiência e dignidade. Talvez seja possível algo similar na área de educação com as escolas comunitárias.

Escolas comunitárias são aquela administradas por pequenas instituições, como ONGs e OSCIPs, que podem atuar, por exemplo, em comunidades quilombolas, em aldeias indígenas, no atendimento a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social ou em áreas remotas. Elas também podem ainda ser administradas por grupos de famílias, uma vez que art. 205 da Constituição Federal diz expressamente que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Esse trecho da nossa Carta Magna reforça a percepção quanto à centralidade da família no exercício do direito à educação dos membros da sociedade, com a participação do Estado.

Importante lembrar ainda que o arcabouço legal brasileiro não confunde o dever do Estado em prover as condições objetivas para a operação de instituições de ensino e a concepção da forma de educar. Tanto a Constituição quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) ressaltam que há previsão para que recursos captados da sociedade e considerados públicos sejam usados para subvencionar escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas. Portanto, não cabe a limitação desse direito à escolha apenas para etapa mais precoce da vida escolar das novas gerações.

O que a sociedade brasileira almeja é o exercício de escolha e a pluralidade de opções custeadas por recursos que, afinal de contas são públicos: o financiamento de escolas não estatais, por meio de convênios entre os estados e municípios com entidades sem fins lucrativos. A educação brasileira, pública ou privada, localiza-se entre as piores do mundo, quando se faz comparações objetivas entre pares. Não se pode imaginar que o modelo atual continue indefinidamente.

Cabe salientar, a título de ilustração, que já existem experiências exitosas de parceria entre o poder público e instituições sérias, como é o caso da Igreja Católica. Um exemplo são as escolas paroquiais na Diocese de Petrópolis e inúmeras creches, pré-escolas e escolas que atendem à educação de jovens e adultos por todo o Brasil.

Por que não permitir que, ao lado do sistema puramente estatal e do sistema privado, exista uma alternativa com características dos dois modelos?  O que se defende é a extensão de algo que já existe, de forma exitosa, em outros ciclos da educação e em todo país. São escolas verdadeiramente públicas, em sentido amplo, prestadoras de serviço de interesse social, como as Santas Casas o são para a área da saúde.

A possibilidade de se compartilhar também com essa modalidade de oferta de ensino os recursos do Fundeb ou de quaisquer dos mecanismos de organização dos recursos carimbados para a educação não deveria sequer ser tema de discussão, o que se faz agora apenas porque houve cerceamento de possibilidades reais e de efetividade já comprovada.

As escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas, além de não terem custos diretos para as famílias dos alunos que as frequentam – como qualquer escola pública no Brasil – possuem também o caráter democrático e solidário que as torna semelhantes às escolas das redes públicas brasileiras. Elas têm a obrigatoriedade de acolher e manter os alunos que as queiram frequentar, não podendo exercer qualquer tipo de seleção na entrada de seus alunos, excetuando os limites impostos pelas vagas existentes.

Ainda assim, as escolas comunitárias possuem características importantes que as diferenciam das escolas públicas estatais. Uma delas é que as escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas estão sujeitas à assinatura de um contrato com o respectivo ente público que autoriza o seu funcionamento. Esse contrato inclui cláusulas relacionadas com a administração da escola e relacionadas com resultados de aprendizagens, com a inclusão de penalidades caso essas cláusulas não sejam respeitadas. Mas talvez a característica mais singular desse tipo de escola, e que pode, inclusive, mudar a realidade da aprendizagem das crianças, é que nas escolas comunitárias as famílias estão mais próximas e participam ativamente de todos os processos, sejam eles pedagógicos, éticos ou sociais.

No Brasil, nomeadamente nas redes públicas de educação, há um distanciamento das famílias da realidade das instituições de ensino. É preciso oferecer às famílias, que ao fim são quem paga todo o sistema público de educação, alternativas gratuitas, de qualidade e que permita a efetiva participação daqueles que são os principais interessados no bem-estar das crianças e jovens.

O modelo puramente estatal em que o Estado faz tudo está esgotado. Ele não responde ao seu principal objetivo de ofertar as aprendizagens essenciais aos estudantes e assim possibilitar o desenvolvimento de competências e habilidades. Nossas escolas estatais apresentam resultados vexatórios, quer nas avaliações nacionais, como a Prova Brasil, quer nas avaliações internacionais, como o Programa Internacional para a Avaliação dos Estudantes (PISA).

Sabemos que as redes públicas, quando bem administradas podem proporcionar ambientes de ensino adequados para a aprendizagem, como ocorreu em Sobral (CE) e Teresina (PI). Mas essas são as exceções em meio a um Brasil gigantesco.

As escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas possuem uma capacidade enorme de resolver os problemas na educação que já existiam antes da pandemia, como a falta de qualidade; e também os trazidos pela pandemia, como o crescimento da demanda, a dificuldade do poder público em investir novas escolas, e a superlotação das salas de aula.

É preciso construir alternativas aos modelos existentes que não respondiam às necessidades da sociedade, nem dos alunos ou das famílias. O Estado, sozinho, não dará conta dos desafios que estão por vir. É preciso confiar nas famílias e permitir que elas escolham a forma – educação escolar ou domiciliar – e o tipo de escola – pública, privada ou comunitária – que considerem mais adequada para a formação integral, corpus, ratio, anima, de seus filhos.

Edivan Mota, diretor de escola pública e presidente do Instituto de Estudos Avançados em Educação (IEA).

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