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| Foto: Daniel Kfouri/AFP

Recebo do general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, presidente da Academia de Ciências Políticas e Morais, com sede no Rio de Janeiro, resumo de decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, na França. Por unanimidade, 47 juízes dos 47 países que constituem o Conselho da Europa declaram que “não existe um direito ao casamento homossexual”. Na referida Resolução, contempla-se “o conceito tradicional de casamento, ou seja, a união do homem e de sua mulher”, e afirma-se que aos governos não deve ser imposta a “obrigação de abrir o casamento a pessoa do mesmo sexo”. A decisão lastreou-se no artigo 12 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, com considerandos filosóficos e antropológicos baseados na ordem natural, senso comum, relatórios científicos e no direito positivo.

A mesma corte já havia decidido, anteriormente, um caso que lhe fora submetido por um casal em que o homem mudara de sexo na Finlândia, pretendendo que fosse reconhecida a união de duas mulheres como casamento, algo que à época era proibido pela legislação finlandesa. O tribunal considerou que, se desejasse mudar seu estatuto, deveria o casal divorciar-se e constituir uma nova sociedade civil – não um casamento –, pois casamento só poderia ser realizado entre homem e mulher. Naquela ocasião, o Tribunal Europeu afirmou que a maioria dos países da União Europeia não admitia o casamento entre pares do mesmo sexo e que cabia à União Europeia respeitar o direito de cada país, pois esta matéria não diz respeito aos assuntos de regularização comunitária.

Embora ambas as decisões tenham tido pouca repercussão no Brasil, à falta de interesse de determinados segmentos de torna-las públicas, parece-me, todavia, que, do ponto de vista exclusivamente constitucional, merecem algumas considerações jurídicas.

Quando o STF decidiu que família também seria constituída pela união de pessoas do mesmo sexo, violou o texto constitucional

De início, quero esclarecer que não tenho qualquer preconceito contra os homossexuais; assim como todos os brasileiros, tenho amigos que adotaram tal opção na vida. Tenho, todavia, desde os Comentários à Constituição do Brasil, que com Celso Bastos elaborei, em 12 mil páginas e 15 volumes, entendido que a união de pares do mesmo sexo não configura casamento no sentido consagrado pela Lei Maior, a qual declara ser a família a base da sociedade; que o Estado tudo fará para prestigiá-la, desde que formada por homem e mulher; que o casamento religioso tem valor de casamento civil entre homem e mulher; que o Estado deve tudo fazer para transformar a união estável em casamento; que a família será assim considerada, se houver prole, desde que ou o homem ou a mulher continue a educá-la; que o pátrio poder será exercido ou pelo homem ou pela mulher.

Em nenhum momento a Constituição, no artigo 226 e seus cinco parágrafos sobre a família, cuidou de homem e homem ou mulher e mulher para constituírem a família nos moldes constitucionais. Quando o STF decidiu, contra o expresso texto constitucional, que família também seria constituída pela união de pessoas do mesmo sexo, violou o referido artigo, comportando-se como poder constituinte, indo além do que a Constituição determinou ser sua função, a de “guardião da Constituição” (de acordo com o artigo 102). Tanto é assim que nem nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão do Poder Legislativo a lei prevê que o Judiciário possa legislar em seu lugar (artigo 103, § 2.º).

Do mesmo autor:Quem decide sobre o casamento homoafetivo? (17 de novembro de 2016)

Nossas convicções:A legislação sobre o casamento

À evidência, não pretendo – e nem seria lógico – retirar o direito de conviverem pares do mesmo sexo. Mas tal união não seria casamento, como definiu o Tribunal Europeu de Direitos Humanos de Estrasburgo, pois o “casal” seria incapaz de gerar prole por processos naturais, não se assemelhando à família, que deve ser prestigiada pelo Estado como base da sociedade. Há a possibilidade de criação de uma sociedade civil, outorgando-se mútuos direitos e deveres em contrato; são numerosas as relações jurídicas passíveis de conformar para este tipo de sociedade e de uniões. O que não são e nunca serão é família no conceito tradicional, aquela que tem permitido a evolução da humanidade pela geração natural de prole na relação entre pai e mãe, na imensa maioria dos casos.

Nem há de se argumentar com a exceção, ou seja, as situações de casais que não têm filhos ou de pessoas que adotam filhos. A união de homem e mulher permitirá a seus filhos a opção mais natural, que é atração pelo sexo oposto. Mesmo aqueles que pretendem impor uma ideologia de gênero, dizendo que os seres humanos nascem sem sexo definido – apesar de o aparelho genital definir o sexo –, sabem, por ampla experiência, que a esmagadora maioria das crianças tem suas preferências e atitudes acompanhando sua natureza biológica.

Parece-me, pois, que a decisão unânime, proferida por corte formada por magistrados oriundos de países com civilizações muito mais antigas que a brasileira e por juízes imparciais, prestigia o casamento entre homem e mulher, pois, no curso de toda a história da humanidade, sempre foi a família tradicional, formada por um homem e uma mulher, que permitiu a evolução da raça humana. As decisões mencionadas mereceriam reflexão pelos ministros da nossa suprema corte, que admiro por sua cultura, idoneidade e valor, mas que, neste ponto, não respeitaram a Constituição brasileira.

Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1.ª Região, é fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária (CEU) – Escola de Direito/Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).
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