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A religiosidade na formação de um filho
| Foto: Freepik

Sempre me ocupei de prover saúde ao meu filho. Mãe atenta e, sim, um tanto exagerada nos cuidados com meu bebê, me dediquei a suprir com esmero suas necessidades essenciais, ou seja, alimentação e educação. Anos passavam e, enquanto isso, via o milagre da vida acontecer bem diante de mim transformando a criança dependente em um rapaz gradativamente autônomo. Porém, algo ainda pendente em sua formação saltava aos olhos a cada dia: faltava-lhe nutrir a alma, fomentar nele a religiosidade.

As adversidades da vida foram se apresentando; às vezes, até maiores do que eu mesma pudesse imaginar. Fracassos, frustrações, perdas, lutos; a vida como ela é passou a cobrar respostas, posturas e "remédios" que o homem, por si só, não consegue entregar. Foi, então, na religiosidade que encontrei força para buscá-las, coragem para perseverar e esperança para superar as dores do mundo. Nasceu junto a crença e pude constatar: não lutávamos nossas batalhas sós; muito longe da autossuficiência, podíamos – e devíamos – contar com o transcendente que dá sentido a nossa vida.

Quando corpo e alma crescem juntos, a jornada de crescimento segue em harmônico e equilibrado ritmo.

Bati muito a cabeça até despertar para o valor de nutrir a alma pela religiosidade. Frente a estarrecedoras notícias e estatísticas sobre nossos jovens vulneráveis aos ditos males "de hoje" – ansiedade, pânico, depressão e outros – passei a me ocupar de nutrir filho também espiritualmente e pela religiosidade. Depois de muitas quedas, veio a certeza de que, para ser adulto realmente saudável, é preciso desenvolver também espírito forte. Aprendi – e constatei – por experiência própria, que só assim o homem cresce continuamente e por completo. Quando corpo e alma crescem juntos, a jornada de crescimento segue em harmônico e equilibrado ritmo; e o processo de ser e formar um adulto saudável para o mundo acontece.

A religiosidade é necessidade essencial ao homem. Ainda que pouco se fale disso e, principalmente, pouco se a incentive na vida dos adolescentes, a religiosidade é semente poderosa de alimento para a alma, parte fundamental do ser humano. Tão vital quanto nutrir o corpo para um desenvolvimento físico sadio, a religiosidade o é para a alma que completa o homem em sua existência terrena. Um espírito forte nos capacita a enxergar o mundo por uma lente além do óbvio material; nos fortalece para encarar as vicissitudes da vida com a esperança de que faz parte de nossa existência vivê-las; nos inspira a crer em alguém incomensurável superior, a nos colocar no devido lugar de humanos. A religiosidade foi o alicerce de minha transformação interior que transbordou e me levou a descobrir a força e o sentido das dores da vida com perseverança. A confiança em um Deus que me acompanha, ajuda e, nesta caminhada, me capacita para vencê-las com Ele. Pela religiosidade finalmente descobri minha missão e, consequentemente, a imensa responsabilidade de minha participação no mundo.

O espírito nutrido aumenta significativamente as chances de formar adulto saudável e completo para o mundo.

Também a ciência se curva a mesmo entendimento. Segundo pesquisa do Journal of Adolescent Health (2006), nutrir a religiosidade desde cedo faz imensa diferença na formação do ser humano. Quem cultiva e alimenta a religiosidade demonstra menor chance de se envolver em situações de risco com álcool e drogas; menos sintomas depressivos e, consequentemente, de risco de suicídio; maior adesão a tratamentos de doenças crônicas; maior enfrentamento de doenças graves; e, sobretudo, maior sentido à vida, especialmente em situações difíceis (que, sabemos, acontecem para todos, sem exceção). Em suma, conclui-se que o espírito nutrido aumenta significativamente as chances de formar adulto saudável e completo para o mundo.

Em um mundo tão necessitado de saúde em todos os sentidos, somos uma sociedade doente e carente de sabedoria e esperança. Dragados pela tal "modernidade", arriscamos viver relações superficiais em nome de uma dita "evolução" que nos afoga e deprime em dores – físicas e emocionais – até conhecidas e, ainda assim, ameaçadoramente invencíveis ao ser humano espiritualmente frágil.

Perdidos de nós mesmos, formamos filhos, novos adultos, igualmente desconectados de si mesmos, incompletos.

Sempre ocupados demais ("não termos tempo para nada", muitos se justificam vaidosamente orgulhosos), deixamos de cultivar a espiritualidade e nos aprofundar na fé, e a não dar valor à religiosidade. Vamos pouco a pouco perecendo no ostracismo e perenemente acomodados, vamos nos tornando "nanicos espirituais", ou seja, seres limitados ao materialismo, ao vazio insaciável. Freneticamente agitados por uma lista de deveres e afazeres, distrações e atividades, vamos nos esquecendo da nossa essência até perdermos o que nos rege e impulsiona a viver uma vida com sentido. Demasiadamente ocupados, aflitos e angustiados por uma realidade meramente humana, vamos perdendo nossa humanidade dando lugar ao automático e prezando o efêmero. Perdidos de nós mesmos, formamos filhos, novos adultos, igualmente desconectados de si mesmos, incompletos.

Quando escuto pais e mães se utilizarem do discurso do "livre arbítrio" para se eximirem de iniciar filho em uma religiosidade, me pergunto: “Como privá-lo de vital necessidade a um desenvolvimento saudável por completo?”. De repente, a frase "somos corpo e alma" exaustivamente repetida soa mais uma retórica inconsciente que, somada a tantos outros clichês adolescentes, reverberam como mantra inútil que não contribuem para uma leitura – e atitude – mais ampla e prática sobre o óbvio. “Daniel é livre para escolher a religião que quiser e quando quiser. Não acho certo lhe impor uma crença ou qualquer religião”, disse certa mãe em um grupo. Como ela, muitas outras concordaram com essa ideia. Talvez porque não tivessem recebido educação religiosa ou qualquer outro motivo. Fato é que compartilhavam da mesma ideia de que o cultivo da religiosidade em filho é dispensável, superficialidade de quem enxerga – ou só quer enxergar – o que os olhos veem.

Decerto que o filho fará suas próprias escolhas, mas com espírito forte, ele terá a chance de fazê-las com sabedoria e equilíbrio.

O presunçoso e, a meu ver, pobre discurso calcado no livre arbítrio como justificativa para a abstenção de uma educação religiosa me soa como preguiça e irresponsabilidade. Livre arbítrio é premissa indiscutível. O problema é quando, de forma distorcida, o usam como "bengala" para uma atuação negligente na formação de filho. "Nos dias de hoje", assim escuto, muito se apontam às mazelas do "mundo de hoje" sem levar em conta a nociva ideia de liberdade desvirtuada que beira ao descontrolado "direito" de atender aos próprios desejos sem restrições. O livre arbítrio de escolher quando e o que quiser não nos torna livres mas animalescos e perigosamente inclinados ao individualismo e sujeito a manipulações.

A cômoda – e para mim, preguiçosa – decisão de delegar a filho a responsabilidade de descobrir no futuro – sabe-se lá como – o árduo caminho da privada espiritualidade é arriscar formação insipiente de quem nos foi confiado e, não nos enganemos, nos será cobrado. Decerto que o filho fará suas próprias escolhas, mas com espírito forte, ele terá a chance de fazê-las com sabedoria e equilíbrio, com humildade e esperança, especialmente em tempos difíceis como os de hoje.

Fui adolescente e, como filha, vivi a espiritualidade como algo distante e incompreensível. Mas a semente foi jogada e, em terreno fértil, fez toda a diferença na minha vida adulta. Tão logo precisei, sabia a direção a tomar; não precisei percorrer caminhos diferentes tampouco atalhos; apenas retomei de onde havia parado e continuei. Hoje, mãe calejada por duras provas, conheço o valor de transmitir a fé desde cedo aos filhos. Por isso, persisto nisso contínua, paciente e constantemente sem hesitar um só segundo de que o esforço vale cada exemplo e dedicação na formação de um adulto saudável... por completo.

No tempo certo, os frutos vem e nos surpreendem com uma alegria inesperada: “Mãe, espera!  Vou contigo à missa hoje... tô meio bolado... vai ser bom parar pra me organizar... vou me sentir bem”. Ele ainda não sabe mas coisas muito maiores ele verá do que simplesmente "se sentir bem".  Por ora, me basta perceber que, logo quando totalmente responsável por suas escolhas, lhe terei dado alicerces sólidos pela religiosidade ensinada e cultivada, valor e necessidade tão ou mais importante do que qualquer outra a quem tem a missão maior e mais desafiadora que é de formar adulto saudável – e completo! – para o mundo.

Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog "Minha Mãe é um Saco!".

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