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Gosto das contradições, os opostos geralmente nos enriquecem. Estou passando um tempo nos EUA, dando um curso na Universidade de Duke. Aqui quase tudo funciona porque é pago. Junto comigo trouxe o livro A Dádiva, como o espírito criativo transforma o mundo, que mostra como a criação humana, intelectual, artística ou afetiva, só pode ser oferecida, dada, e como, por ser dada, melhora o mundo. Afinal, o dinheiro vai salvar ou acabar de arrebentar o mundo?

Quando entro em uma sala de aula aqui, tenho duas dezenas de alunos lendo várias centenas de páginas em três semanas e discutindo os tópicos acirradamente. Tenho um assistente para fazer todo o trabalho lateral e tudo isso funciona porque há dinheiro em cada uma das partes. Os alunos querem levar para casa o aprendizado que pagaram. O assistente recebe para fazer seu trabalho. Ex-alunos e empresas doam também para grandes obras na universidade.

Lá fora, na vida real, áreas degradadas são restauradas através de "bancos de mitigação" que permitem empreendedores neutralizarem o impacto negativo de suas atividades, comprando a restauração de áreas já implementadas. Para o empreendedor é uma dor de cabeça a menos, para o ambiente é uma área restaurada a mais. De novo, tudo isso acontece por causa de dinheiro e mais dinheiro.

Por outro lado, o dinheiro parece resolver menos problemas do que cria. Seria fácil manter 7 bilhões de pessoas no planeta. Bastaria que nenhuma delas tivesse o recurso que dispõem meus alunos de Duke. Se ao invés de carregar iPads, as pessoas carregassem carrinhos de esterco, não teríamos problema algum. No entanto, como disse um deles ontem, todos querem uma casa de frente para o mar.

No livro, Lewis Hide mostra várias sociedades que funcionam com a lógica que oferecer é melhor que ter. Em nosso mundo, os grandes nomes são aqueles que fizeram com que as pessoas dessem para eles. Ford, Gates e Jobs, adicione os de sua preferência, todos inventaram meios de conseguir dinheiro das pessoas. Mas há sociedades, muitas aliás, em que os líderes se fazem por sua generosidade, o que muda totalmente seu funcionamento.

Da mesma maneira que seria engraçado imaginar um pai cobrando uma refeição do filho, povos primitivos têm dificuldade em imaginar pessoas morrendo de fome quando poderiam estar almoçando com um vizinho. Talvez o afeto nessas sociedades seja mais amplo. Um pai não cobra um almoço do filho porque a fome de um dói no outro como se fosse dele. A fome do vizinho dói muito menos. Daí acumulamos e acumulamos e degradamos tudo à nossa volta para acumular mais ainda.

Posso deixar a solução do grande dilema da civilização ocidental para depois? Tenho de ter uma aula pronta às seis da tarde. Talvez seja melhor deixar para o século que vem. Não me procure. Eu ligo para você.

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