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| Foto: Mandel Ngan/AFP

Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos prometendo medidas para combater a “exportação de empregos” – a perda de empregos dentro do país em setores que entraram em retração por dificuldade de competir, no mercado interno, com produtos importados –, proteger a indústria nacional contra a concorrência estrangeira, sobretudo da China, e tributar importações diversas. Em resumo, como ele próprio disse na campanha, era preciso “devolver a América para os americanos”. Nas últimas semanas, muito tem sido falado sobre a disposição do governo norte-americano de taxar importações da China, ora por via de tarifas de 25% sobre 1,3 mil produtos importados da China, ora por taxações de até US$ 100 bilhões, além de outras medidas na mesma linha.

A nova onda protecionista do governo dos Estados Unidos não se dirige apenas a tributar produtos importados da China, mas atinge também o Brasil, conforme anúncios de que Washington fixaria tarifas de 25% sobre aço importado e 10% sobre o alumínio. Muitas foram as notícias, de sorte que, a rigor, não se sabe como terminará o elenco de tarifas nem quais produtos serão efetivamente onerados. Porém, o que se sabe é que algumas medidas protecionistas serão efetivamente tomadas por Trump. Mas a questão essencial da onda protecionista e da guerra comercial entre EUA e China é que ela não tem como base de fundo apenas o problema da recuperação de empregos nos Estados Unidos, embora esse aspecto deva ser considerado e tenha sido relevante na conquista de votos de eleitores contrários ao fechamento de fábricas no país por dificuldade de competir com produtos importados.

Os chineses entenderam que a economia socialista é incapaz de levar à prosperidade material

A questão de fundo nas relações entre Estados Unidos e China é muito maior e tem a ver com a trajetória da economia e da política nos dois países e com o jogo de poder mundial e protagonismo no cenário das nações. O que está em jogo no tabuleiro internacional é o equilíbrio de forças e a posição dominante que ambos querem no cenário do mundo global, em face do caminho que a China já percorreu e das previsões para o futuro desse país nos próximos 40 anos. A compreensão desse mosaico exige entender o extenso conjunto de fatores econômicos e políticos envolvendo os dois países, que vão muito além do problema do protecionismo.

A começar pela questão econômica, o Fundo Monetário Internacional (FMI) informa que o Produto Interno Bruto (PIB) por habitante da China em 2017 foi equivalente a 28% do PIB dos Estados Unidos, quando em 2000 correspondia a apenas 8%. Como a população da China equivale a quatro vezes a população dos Estados Unidos, o PIB chinês em 2017 equivaleu a 120% do PIB norte-americano, calculado em termos de paridade de poder de compra, que é a medida correta de comparação internacional. Alguns analistas estimam que nas próximas duas ou três décadas o PIB chinês por habitante possa chegar a 50% do PIB norte-americano, o que faria a economia da China ser o dobro da economia dos EUA, medida pelo tamanho do PIB.

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A China hoje tem uma espécie de “economia de mercado planejada”, na qual prevalece o direito de propriedade privada, organização empresarial da produção, direito de lucro, liberdade de repatriação de capitais e tributação nos moldes capitalistas, tudo isso convivendo com um sistema político ditatorial no formato dos antigos regimes comunistas. Vale mencionar que, mesmo dentro desse regime dito comunista, o que permitiu a redução substancial da pobreza e o espetacular crescimento da economia foi um sistema econômico estruturado em bases capitalistas.

Os chineses entenderam, sobretudo após a ascensão de Deng Xiaoping ao posto de líder maior em 1978, que a economia socialista é incapaz de levar à prosperidade material, e deram guinada radical na economia pela implantação de um sistema produtivo capitalista. Deng Xiaoping revelou-se um pragmático na economia – ele dizia que “não importa a cor do gato, desde que ele agarre o rato” – e seu período de governo estendeu-se até 1992, quando as bases da economia de mercado planejada foram plantadas e seguidas por seus sucessores. As taxas de crescimento do PIB se deveram, em parte, à alta taxa de investimento, que chegou a atingir 40% do PIB. O produto anual chinês atingiu o ápice de ser composto de 60% de bens e serviços de consumo e 40% de bens de capital destinados a expandir a infraestrutura física e a infraestrutura empresarial do país. Para efeitos de comparação, a taxa de investimento no Brasil não chega aos 17% do PIB e é uma das razões pelas quais o país continua com altos índices de pobreza.

As questões envolvendo a guerra comercial entre EUA e China são complexas, e o problema da taxação adicional proposta por Trump sobre produtos importados da China é apenas um aspecto do problema. É um aspecto relevante, mas não é o único e talvez nem o mais importante.

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