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Editorial

Alexandre Ramagem e a nova crise entre Legislativo e Judiciário

Alexandre Ramagem stf camara
Deputados aprovaram paralisação de ação contra Ramagem pela suposta tentativa de golpe de Estado, mas STF derrubou parcialmente resolução da Câmara. (Foto: Gilmar Félix/Câmara dos Deputados)

Após anos e anos observando o Supremo Tribunal Federal avançar sobre prerrogativas dos parlamentares, e endossando cada abuso cometido, a Câmara dos Deputados pareceu ter acordado no caso do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). O ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), eleito para a Câmara em 2022, havia se tornado réu por decisão do STF nos processos relacionados ao 8 de janeiro e à suposta conspiração para um golpe de Estado que impedisse a posse do presidente Lula. A maioria significativa dos deputados, no entanto, votou pela suspensão da ação penal, decisão que a Primeira Turma do STF respondeu derrubando a resolução da Câmara.

Em março, o STF havia tornado Ramagem réu por cinco crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Em 7 de maio, com o apoio de 315 deputados (mais que o necessário até mesmo para aprovar uma emenda à Constituição), a Câmara aprovou uma resolução que suspendia todo o processo penal contra Ramagem, o que ainda beneficiaria outros réus como o ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Durante a discussão, o relator Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) afirmou que a culpa era da Procuradoria-Geral da República, que listou Ramagem na mesma denúncia de todos os outros investigados, em vez de apresentar uma denúncia separada.

Com todos os envolvidos na controvérsia exagerando a seu favor, o resultado não poderia ser outro além de um impasse institucional

O artigo 53 da Constituição, no entanto, não dá margem para uma suspensão “no atacado”. Quando afirma, no parágrafo 3.º, que “recebida a denúncia contra o senador ou deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”, a Carta Magna estava dando aos parlamentares a possibilidade de suspender a ação movida apenas contra seus pares, sem referência a outros denunciados ou réus. No fim, foi o que a Primeira Turma acabou decidindo, em resposta à resolução da Câmara: que ela beneficiaria apenas Ramagem, e não os demais envolvidos; e que ficariam suspensas apenas as acusações referentes ao 8 de janeiro (dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado), permanecendo as demais, pois os supostos crimes teriam ocorrido antes da diplomação.

Esta é uma corda que está sendo esticada dos dois lados. A Câmara, por um lado, foi além do que a Constituição efetivamente lhe permitia: suspender a ação penal contra um de seus membros (e não contra todo o grupo de denunciados), e apenas pelos crimes cometidos após a diplomação (e não por todos os crimes que lhe foram imputados). O STF, por sua vez, ao pretender julgar Ramagem por supostos crimes ocorridos quando ele não era parlamentar – e, portanto, ainda não tinha conquistado prerrogativa de foro –, demonstra mais uma vez que segue disposto a desprezar completamente o princípio do juiz natural, já que tal julgamento deveria estar ocorrendo, por exemplo, na primeira instância da Justiça Federal em Brasília. Com todos os envolvidos na controvérsia exagerando a seu favor, o resultado não poderia ser outro além de um impasse institucional.

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O único desfecho aceitável em um caso desses seria aquele em que todos os poderes praticassem uma saudável autocontenção e se limitassem a atuar da forma que a Constituição lhes permite, sem esticar o texto constitucional para contemplar suas idiossincrasias. Isso incluiria, é claro, o respeito a várias garantias democráticas – seja de parlamentares, seja de cidadãos sem prerrogativa de foro – que têm sido sistematicamente violadas. Mas, a essa altura, esperar algo assim do STF seria pura ingenuidade, e a Câmara, que dormiu um longo sono da razão desde a prisão de Daniel Silveira, parece ter acordado disposta a revidar na mesma moeda, quando poderia ter evitado muitos arbítrios se tivesse defendido desde o início as prerrogativas de seus membros. Agora, com deputados tendo suas imunidades violadas, sendo processados até mesmo por discursos feitos na tribuna, pode ser tarde demais.

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