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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (à esquerda), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (segundo à esquerda) e a ministra do Planejamento, Simone Tebet (à direita), durante audiência no Senado em abril: os três integram o Conselho Monetário Nacional, que manteve as metas de inflação para os próximos anos.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (à esquerda), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (segundo à esquerda) e a ministra do Planejamento, Simone Tebet (à direita), durante audiência no Senado em abril: os três integram o Conselho Monetário Nacional, que manteve as metas de inflação para os próximos anos.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Na última quarta-feira, a Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, publicou seu Relatório de Acompanhamento Fiscal de julho. O texto, que analisa uma série de fatores que influenciam a trajetória inflacionária, como índices setoriais e o estado das contas públicas, afirma que alguns acontecimentos recentes reforçam a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciar um ciclo de afrouxamento monetário, com queda da taxa Selic. A incerteza se daria apenas em relação ao momento exato do início dos cortes – a reunião do início de agosto ou de meados de setembro – e à dimensão da primeira redução, se de 0,25 ou 0,5 ponto porcentual. No entanto, a IFI dá como certo que uma decisão importante, tomada no fim de junho, colaborou para criar as condições que permitam a futura queda da Selic.

Uma expressão tem dominado os comunicados e atas das recentes reuniões do Copom: “ancoragem das expectativas”. Mais que fixar-se nos índices do momento, os diretores do Banco Central prestam atenção especial às estimativas de inflação futura: se essas expectativas continuassem altas, indicando que a inflação se manteria em níveis preocupantes por um prazo mais longo, estaria justificada a manutenção dos juros ou até sua elevação; por outro lado, se as expectativas convergissem para a meta, ou ao menos para perto dela (ou seja, se estivessem “ancoradas”), os juros poderiam começar a cair. E a IFI identificou um movimento relevante nessas expectativas.

Ao não dar ouvidos a Lula e manter a meta de inflação, o CMN ajudou a “ancorar expectativas” de inflação futura e abriu caminho para uma queda da Selic nos próximos meses

“A projeção (mediana) para 2025 passou de 4,0% em maio para 3,6% em junho, enquanto a de 2026 diminuiu de 4,0% para 3,5%. Dados do início de julho apontam estabilidade nesses novos patamares”, diz o relatório, referindo-se às expectativas para o IPCA de 2025 e 2026 colhidas semanalmente no Boletim Focus. “As variações”, afirma o documento, “recuaram após a decisão do CMN pela manutenção da meta de inflação em 3,0%”. Em 29 de junho, o Comitê Monetário Nacional, formado pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, concordou em manter as metas de inflação definidas anteriormente, acrescentando o ano de 2026 (quando a meta também será de 3%). A única mudança foi a adoção de uma “meta contínua”, em vez da medição apenas pelo ano-calendário.

Não se trata de mera coincidência; para o IFI, há uma verdadeira relação de causa e efeito, e não é muito difícil entender o motivo. Havia uma dose razoável de incerteza no ar antes da reunião do CMN, já que a meta de inflação era alvo de ataques do presidente Lula desde o início do mandato. Em fevereiro, entrevistado por um canal de televisão, o petista questionou: “[Campos Neto] quer chegar à inflação padrão europeu? Não. Nós temos que chegar à inflação padrão Brasil”, acrescentando que, para ele, um IPCA de 4% ou até 4,5% ao ano seria “de bom tamanho”. Seu argumento era o de que a Selic estava alta demais porque o Banco Central perseguia uma meta austera demais; caso a meta fosse maior, os juros não precisariam ser tão altos.

Lula estava duplamente enganado. Primeiro, porque uma meta na casa dos 3% – a deste ano é de 3,25% – nada tem de exagerada, sendo adequada para um país em desenvolvimento e consciente de que a inflação é especialmente cruel com os mais pobres; segundo, porque sinalizar maior tolerância com a inflação neste momento só ajudaria a elevar as expectativas de inflação futura, o que por sua vez demandaria juros ainda maiores, e não menores como imaginava o presidente. Felizmente, os livros de Economia que Lula dizia estarem “obsoletos” falaram mais alto. Na reunião de fevereiro do CMN, ocorrida após esta entrevista de Lula, o tema nem sequer foi discutido, ainda que o governo, tendo maioria garantida no colegiado, tivesse a possibilidade de alterar a meta de 2023; em junho, a escolha foi não apenas reafirmar o objetivo de 3% para 2024 e 2025, mas também adotar a mesma meta para 2026. O mercado financeiro respondeu bem à sensatez do CMN, como demonstra o relatório da IFI.

Se hoje as condições para uma queda nos juros são bem melhores que no passado recente, isso se dá, entre outros fatores, porque o Copom se blindou contra a histeria de Lula e do PT, fazendo o que devia ser feito, e também porque Haddad e Tebet, na hora de uma decisão importante, deram mais ouvidos à voz da razão que à voz rouca de seu chefe. Mas ainda há muito por fazer, inclusive da parte da dupla de ministros. O arcabouço fiscal ainda está por aprovar e sua versão atual é bastante frouxa, apoiada pesadamente em aumento de receitas e não no controle das despesas. Um trabalho mal feito no futuro próximo pode colocar a perder a ancoragem de expectativas duramente construída.

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