| Foto: Arquivo AEN

A pandemia de Covid-19 ainda está longe de terminar, mas suas vítimas já se contam aos milhões. Há, em primeiro lugar, os mortos e suas famílias, bem como aqueles sobreviventes que carregarão alguma sequela da doença – cujos efeitos a medicina ainda não conhece por completo. Há também as vítimas do caos econômico causado pelas restrições aos negócios: os que perderam seus empregos ou cujas empresas faliram. E, especialmente no caso brasileiro, os milhões de estudantes que, na maioria do país, continuam sem aulas ou tendo de lidar com todos os transtornos do chamado “novo normal”, como as aulas a distância.

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O ensino remoto adotado às pressas escancarou a desigualdade entre os estudantes brasileiros, prejudicando especialmente os mais pobres e os alunos da rede pública. Falta acesso a equipamentos – seja para gravar ou para assistir às aulas – e a internet é precária; muitos professores, apesar da enorme boa vontade, foram pegos de surpresa e estavam despreparados para as novas dinâmicas de ensino. A Pnad Covid, pesquisa do IBGE que mede os efeitos da pandemia na sociedade, incluindo mercado de trabalho e hábitos de comportamento, tem encontrado, semanalmente, pouco mais de 6 milhões de estudantes (o que corresponde a quase 15% do total) sem nenhuma atividade escolar. Como resultado, primeiro vem o desestímulo e, depois, a evasão – principalmente no ensino médio, onde o caos econômico também cobra seu preço, com jovens se juntando aos pais desempregados ou subempregados na busca pelo sustento da família.

Um caso especial é o da educação infantil, onde a questão das “aulas remotas” é secundária ou inexistente, dada a natureza da atividade. Creches fechadas afetam os pais que não têm com quem deixar os filhos pequenos e, por isso, perdem oportunidades profissionais. A participação das mulheres no mercado de trabalho caiu ao menor nível desde 1990, queda puxada pela saída de mães com crianças mais novas.

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A sociedade precisa despertar para a necessidade de um pacto amplo pelo bem das crianças e adolescentes afetados pelas escolas fechadas

Alguns dos estragos causados pela pandemia, felizmente, podem ser rapidamente revertidos. Mas definitivamente este não é o caso das escolas fechadas. Seus efeitos não desaparecerão assim que houver a reabertura; eles se perpetuarão no tempo. O aluno que desistiu do ensino médio talvez não tenha mais estímulo para voltar; a mãe que ficou fora do mercado de trabalho terá dificuldades muito maiores para encontrar um novo emprego. E mesmo quem continua matriculado sofrerá com um déficit cognitivo cuja reversão é muito lenta e trabalhosa.

Apesar disso tudo, por mais evidentes que sejam os efeitos catastróficos da suspensão das aulas presenciais, elas ficaram entre as últimas atividades a retornar no Brasil – em muitos estados e cidades, continuam proibidas, mesmo na forma adaptada às necessidades de distanciamento social ainda exigidas para evitar o contágio. Pode-se dizer que o ensino é a única das atividades essenciais a seguir fortemente restrita no país, e isso apesar da literatura médica suficiente para mostrar que os efeitos da Covid-19 em crianças são, em média, mais amenos, além de sua menor capacidade de transmissão. Manter escolas fechadas é decisão que está na contramão das recomendações de vários organismos internacionais, como a Unesco, a Unicef e até mesmo a OMS, e da prática de vários outros países muito atingidos pela pandemia, onde as escolas reabriram ao mesmo tempo que negócios e outros estabelecimentos.

Por isso, é preciso saudar as iniciativas de estados e municípios que estão, aos poucos, reabrindo suas escolas, tanto na rede pública quanto na particular, seguindo todos os protocolos nacionais e internacionais para tornar a atividade mais segura. É o único modo de romper o ciclo de descaso descrito pelo colunista Fernando Schüler, semanas atrás, quando lembrou que, para todos os envolvidos, a culpa sempre é dos demais. São gestores que, muitas vezes, precisam vencer fortes resistências corporativistas, que chegam a extremos como o de um sindicato de Porto Alegre, que espalhou outdoors pela cidade insinuando que os alunos “carregariam a culpa pelo resto da vida” caso as escolas reabrissem e, depois disso, familiares ou colegas se contaminassem e falecessem.

A sociedade precisa despertar para a necessidade de um pacto amplo pelo bem das crianças e adolescentes afetados pelas escolas fechadas. Todo o empenho que os brasileiros colocaram ao longo de todos esses meses para diminuir a curva de contágio precisa, agora, ser aplicado em prol dos estudantes e suas famílias. O exemplo de outras nações mostra que o Brasil já demorou demais para reagir neste sentido, mas o momento atual oferece uma janela de oportunidade. Este fim de 2020, em que muitas localidades vivem um arrefecimento do número de novos casos, é o momento de consolidar comportamentos seguros na volta às aulas para que o ensino em 2021 não seja tão prejudicado como foi neste ano.

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Que continuem as aulas remotas para quem puder e assim o desejar, e que se dê mais prioridade no acesso ao ensino presencial para grupos mais vulneráveis – como os mais pobres e os alunos com dificuldade de aprendizado, para os quais o ensino remoto não funciona bem. Enquanto isso, que a sociedade como um todo permaneça atenta – a “segunda onda” verificada em alguns países europeus serve de alerta para o que deve ser feito no Brasil – e que o país consiga resolver uma de suas maiores falhas no combate ao coronavírus, que é o número insuficiente de testes. Por mais que sindicatos de professores insistam em retornar apenas quando houver vacina, este é um marco ainda incerto, e não há motivo para continuar punindo crianças, adolescentes e jovens, retirando-lhes possibilidades e prejudicando seu futuro.