• Carregando...
O ministro Dias Toffoli em sessão da Primeira Turma do STF, em 5 de setembro de 2023.
O ministro Dias Toffoli em sessão da Primeira Turma do STF, em 5 de setembro.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O circo midiático da Vaza Jato, que divulgou supostos diálogos atribuídos a membros da força-tarefa da Lava Jato e ao então juiz Sergio Moro – diálogos estes cuja autenticidade nem chegou a ser comprovada nas perícias feitas pela Polícia Federal –, abriu uma caixa de Pandora da qual, quatro anos depois, continuam saindo inúmeros males e na qual permanece trancada a esperança de que o combate à corrupção prospere no Brasil. Nesta quarta-feira, o Brasil teve outra demonstração disso com a decisão monocrática de Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que anulou todos os atos ligados a acordos de leniência firmados pela empreiteira Odebrecht, inutilizando provas fornecidas pela empresa e beneficiando potencialmente inúmeros réus que podem ter seus processos revistos ou anulados – se é que já não o foram em algum outro momento.

Na decisão, após fazer uma extensa recapitulação, Toffoli, além de dar suas razões para decretar a anulação em relação à Odebrecht, fez uma série de juízos de valor sobre a Lava Jato e sobre a prisão do então ex-presidente Lula, que havia sido condenado em duas instâncias no caso do tríplex do Guarujá. O ministro usa expressões como “constatação de que houve conluio entre a acusação e o magistrado” (em referência aos procuradores da força-tarefa e Moro); fala em “situações estarrecedoras postas nestes autos”, que tornariam “possível, simplesmente, concluir que a prisão do reclamante, Luiz Inácio Lula da Silva, até poder-se-ia chamar de um dos maiores erros judiciários da história do país”; e afirma que houve uma “armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem”. Os advogados contratados por Lula para defendê-lo não teriam sido mais eloquentes.

Se há algo que pode ser chamado de “um dos maiores erros judiciários da história do país”, não foi a prisão de Lula, mas o desmonte da Lava Jato no STF

O ministro ainda disse que a Lava Jato “foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições”, e afirma fazê-lo “sem medo de errar”. Pois errou, e errou muito. Errou ao agarrar-se à falácia do post hoc ergo propter hoc, tratando as inevitáveis consequências políticas da exposição da roubalheira petista como se fossem a própria razão de ser e o objetivo final da Lava Jato. Errou em sua avaliação sobre a prisão de Lula, pois, se há algo que pode ser chamado de “um dos maiores erros judiciários da história do país”, não foi essa prisão, mas o desmonte da Lava Jato no STF, revertendo tudo o que havia sido confirmado em três instâncias, inventando suspeições, anulando processos por cerceamentos de defesa inexistentes, e atropelando a própria jurisprudência sobre a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para fazer de Lula um ficha-limpa. Errou, ainda, ao falar em “conluio” para classificar conversas que, repetimos, jamais tiveram sua autenticidade confirmada e, ainda que fossem verdadeiras, não representariam nenhuma prática ilegal ou abusiva, como atestou o então corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, que em 2019 arquivou uma reclamação contra Deltan Dallagnol afirmando que “não se identifica articulação para combinar argumentos, conteúdo de peças ou antecipação de juízo ou resultado”.

Para tomar emprestada a expressão de Toffoli, sem medo de errar, e nem de sermos repetitivos, precisamos lembrar a verdade sobre a Lava Jato. Um trabalho heroico de anos, em que a confluência das pessoas certas, no lugar certo e na hora certa ajudou a expor ao Brasil as entranhas do maior e mais intrincado esquema de corrupção da história do país, em que o petismo se articulou com partidos aliados e empreiteiras para saquear estatais e financiar um projeto de poder antidemocrático. Longe de recorrer a “métodos e ações contra legem”, os responsáveis pelo combate à corrupção usaram nada mais que a lei e a inteligência; se algo houve de diferente, foi o fato de a Lava Jato ter aproveitado todas as ferramentas que a legislação permitia, com um rigor até então incomum nos casos envolvendo poderosos, e de ter elaborado uma estratégia eficaz de comunicação com o público que, embora pudesse ser vista com reservas mesmo por pessoas bem-intencionadas, nada tinha de abusiva. Nenhuma anulação tem o poder de mudar a verdade – nem sobre a Lava Jato, nem sobre o que fizeram os protagonistas do esquema do petrolão. A ladroagem real não se torna ficção apenas porque suas provas não podem mais ser usadas em uma corte.

A cada anulação ou arquivamento de processos e condenações da Lava Jato, tornou-se lugar comum dizer que aquele seria mais um “prego no caixão” da maior e (por algum tempo) mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da história do país. O clichê, no entanto, já não se aplica mais. Ainda que, no plenário da corte, algum ministro se disponha a defender a Lava Jato e não deixar que a mentira avance sem contestação alguma, é inegável que, para a tristeza de todos os brasileiros que gostariam de ver um país onde a política fosse mais limpa, a Lava Jato está devidamente enterrada pelo Supremo; assim como no mensalão, os únicos que ainda terão algo a pagar pelo petrolão serão aqueles sem conexões poderosas. Com esta decisão de Toffoli, e a continuação da perseguição aos que investigaram e julgaram os corruptos (o ministro fala em “apurar responsabilidades não apenas na seara funcional, como também na esfera cível e criminal”), definitivamente já entramos na fase do vilipêndio a cadáver.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]