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Reunião da comissão de juristas encarregada de redigir um novo Código Civil, em fevereiro de 2024.
Reunião da comissão de juristas encarregada de redigir um novo Código Civil, em fevereiro de 2024.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Uma veloz locomotiva, governada por um Lula em terceiro mandato, segue orientada a revolucionar e destruir os alicerces mais importantes para a família brasileira. À frente da locomotiva, diferentes companheiros no Executivo, Legislativo e Judiciário priorizam a bandeira do aborto. A máquina mortífera tem pressa.

Nenhuma sociedade é sacudida em seus alicerces, todavia, sem que antes seu Código Civil seja criado ou modificado. A lógica é simples: se a Constituição é o cérebro do ordenamento jurídico de um país, o Código Civil é sua espinha dorsal; dentro deste código, semelhante ao código-fonte de um programa de computador, se encontram os alicerces legais para que as pessoas comuns possam caminhar, do nascer ao morrer. É o Código Civil que trata do nascituro, do nascido, da criança que cresce, constitui família, tem filhos, contrata, possui, loca, tem ou se despede da propriedade e, um dia, morre e pode deixar aos seus dependentes o fruto maduro de uma vida de trabalho. Não se revoluciona uma sociedade, portanto, sem modificar o Código Civil.

Nos últimos dias, a sociedade brasileira foi surpreendida com a crueldade de uma nota técnica do Ministério da Saúde de Lula 3 que, se aplicada nos seus exatos termos, permitiria o aborto de crianças com até nove meses de idade gestacional no ventre de suas mães, bastando uma alegação de estupro sem necessidade de comprovação. A justificativa dessa nota técnica trazia um argumento tirado da medicina veterinária: supostos estudos indicariam que animais em gestação não sofreriam antes de nascer, e o mesmo raciocínio deveria ser aplicado aos bebês em gestação.

Enquanto o Código Civil de 2002 protege os direitos do nascituro, o novo código enuncia, com todas as letras, que a criança no ventre da mãe não é vida, mas apenas “potência de vida”

O barulho causado pela nota técnica, posteriormente suspensa, abafou um outro projeto, muito mais ambicioso, da máquina mortífera: uma mudança radical do Código Civil brasileiro – que já fora reformado em 2002 – está sendo apresentada ao Senado, com a ativa participação do próprio presidente da casa legislativa: o maquinista desta reforma, responsável por convocar juristas para redigir um anteprojeto, é o próprio presidente da casa legislativa, o senador Rodrigo Pacheco. A comissão tem como presidente o ministro do STJ Luís Felipe Salomão, e foram escolhidos como relatores os juristas Flavio Tartuce e Rosa Maria de Andrade Nery.

O site do Senado traz um documento com mais de mil páginas, produzidas em poucos meses – a comissão foi instalada em agosto do ano passado – e a toque de caixa. A iniciativa, a bem da verdade, já seria um despropósito ainda que não trouxesse mudanças radicais, pois não faz o menor sentido livrar-se de um texto estruturante como é um Código Civil, com milhares de artigos, e que tem apenas pouco mais de duas décadas – no máximo, seria o caso de atualizá-lo em temas como o direito digital, por exemplo. Mas antes o mero afã de novidade fosse o único problema da versão divulgada: o fato é que há uma pretensão de transformar integralmente o Código Civil brasileiro e, por meio dessa mudança, revolucionar a sociedade brasileira.

Como não poderia deixar, o novo Código Civil constrói trilhos novos para o aborto e a locomotiva da morte. E Pacheco tem pressa de aprová-lo ainda nesta legislatura, já que este é seu segundo mandato consecutivo como presidente do Senado e ele, que fez carreira na advocacia, pretende que este novo código seja seu legado. Isso explica a corrida para que tudo seja concluído o quanto antes – nesta sexta-feira, termina o prazo para a apresentação de emendas ao texto publicado no site do Senado.

Enquanto o Código Civil de 2002 protege os direitos do nascituro, o novo código enuncia, com todas as letras, que a criança no ventre da mãe não é vida, mas apenas “potência de vida”. O nascituro não tem dignidade intrínseca, tornando-se apenas uma “expressão” da dignidade humana e da paternidade e de maternidade. É o que diz o artigo 1511-A, parágrafo 1.º, do anteprojeto: “A potencialidade de vida humana pré-uterina ou uterina é expressão de dignidade humana e de paternidade e de maternidade responsáveis”.

É verdade que, no mesmo anteprojeto, o artigo 2.º ainda diz proteger os direitos do nascituro. Assim o faz, todavia, com duas particularidades, restringindo apenas esta proteção ao Código Civil que, mais em frente, desconsidera esta criança como vida humana dotada de dignidade. Este dispositivo, aliás, dialoga com o voto pró-aborto de Rosa Weber na ADPF 442: a ministra, equivocadamente, sustentou que o Código Civil de 2002 não protegia a vida do nascituro e, por isso, haveria mais um argumento para descriminalizar definitivamente o aborto. Com o Código Civil de Pacheco, a proteção da criança no ventre materno, além de ser a proteção de algo que não é uma pessoa, mas apenas uma “potência” de pessoa, expressamente não gera qualquer limite para que outros códigos, como o Código Penal, descriminalizem a eliminação de seres humanos indefesos e inocentes.

Sempre que um país decidiu criar ou modificar um Código Civil, a sociedade foi chamada a debater por anos. Este projeto, por outro lado, foi gestado em meses, sem discussão alguma

Paradoxalmente, o mesmo anteprojeto de Código Civil que reduz a humanidade das crianças em gestação a uma mera potência confere grande dignidade aos animais: a “afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa, podendo dela derivar a legitimidade para a tutela correspondente desses interesses e pretensão reparatória de danos”. Estaremos a trocar os direitos humanos pelos “direitos veterinários”?

Não se revoluciona uma sociedade sem mudar seu Código Civil. Na história do Brasil e de importantes países, como Alemanha, França e Japão, sempre que se decidiu criar ou modificar um Código Civil a sociedade foi chamada a debater por anos. Este projeto, por outro lado, foi gestado em meses, sem discussão alguma. O pouco debate que houve não envolveu parlamentares, não ocorreu nos salões das faculdades brasileiras de Direito, nem nos jornais do país. Ao que tudo indica, os argentinos estão mais informados que nós a respeito da proposta, pois foi a Buenos Aires que acorreram até ministros do STF para discutir o assunto, em um evento com pouca divulgação, a ponto de ter naufragado pela baixa adesão. O conteúdo do anteprojeto, como se percebe, basta para explicar o empenho em manter a sociedade brasileira afastada da discussão.

Quando Napoleão esteve à frente da França revolucionária, teve como ápice do seu projeto um Código Civil que receberia o seu nome: o Código Napoleão, ou Napoleônico. No Brasil de hoje, a revolução em curso também quer um Código Civil para chamar de seu. Com a urgência de Pacheco, tentando fazer o menor barulho possível, está chegando o “Código Lula”, e só a pressão da sociedade e dos congressistas pode frear a locomotiva da morte.

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