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Estrada de Ferro Central do Paraná, entre Apucarana e Ponta Grossa, foi construída entre 1968 e 1975.
Estrada de Ferro Central do Paraná, entre Apucarana e Ponta Grossa, foi construída entre 1968 e 1975.| Foto: Gilberto Abelha/Jornal de Londrina/Arquivo

Uma história que se arrasta há 50 anos foi encerrada com a transferência de R$ 2,3 bilhões dos cofres públicos do Paraná para uma conta bancária da empreiteira CR Almeida. A empresa tinha um precatório para receber, referente à construção da estrada de ferro Central do Paraná, e estava “travando” a lista de pagamento de dívidas do governo estadual. Uma parte da bolada, cerca de R$ 750 milhões, deve ir para Minas Gerais, que cobra um débito antigo da empresa.

O dinheiro foi depositado para a construtora no dia 31 de janeiro, mas a informação ainda não tinha vindo a público. Segundo o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), desembargador Adalberto Xisto Pereira, no dia em que as contas estavam sendo conferidas para pagamento, ele precisou esperar até a noite, pois a mudança de mês significaria R$ 30 milhões a mais em juros. É o Tribunal de Justiça que gerencia o pagamento dos precatórios, sendo responsável por administrar os recursos depositados e organizar a lista de credores.

Xisto Pereira revelou que representantes do governo de Minas Gerais, que enfrenta uma grave crise financeira, estiveram em Curitiba para tentar agilizar a transferência dos recursos, já que a empreiteira tem uma dívida de aproximadamente R$ 750 milhões com administração mineira. Contatado pela Gazeta do Povo, o governo de Minas Gerais ainda não informou sobre origem da dívida e como está a negociação para o pagamento.

Histórico

Tudo começou na década de 1960, quando o governo federal apontava a importância de fazer uma nova ligação ferroviária, cortando a região central do estado, principalmente para escoar a produção agrícola do Mato Grosso do Sul e também do Norte e Noroeste do Paraná. Naquela época, havia o ramal ferroviário de Cianorte, passando por Maringá e Londrina, cruzando o Norte Pioneiro, para aí descer em direção ao Porto de Paranaguá, num trajeto muito extenso, e a estrada de ferro de Ourinhos (SP) a Ponta Grossa, era considerada obsoleta, com traçado antigo.

Sem dinheiro para fazer o trajeto mais curto e moderno, o governo federal propôs que o Paraná construísse a ferrovia e se comprometeu a ressarcir o investimento. Um convênio foi firmado em 1968 e a CR Almeida foi a escolhida para a empreitada. Ocorreram vários percalços no caminho e a obra foi interrompida diversas vezes, algumas por falta de pagamento. A cada parada, novos acordos eram feitos. Até que em 12 de março de 1975 a estrada central do Paraná, também conhecida como Apucarana-Ponta Grossa, foi inaugurada.

A ligação realmente incrementou os negócios no Paraná, aumentando em 44% o volume transportado pelo Porto de Paranaguá. Mas foi quando o governo estadual cobrou a dívida da União que as contas não fecharam. Na esfera federal, a justificativa foi de que os repasses de US$ 89 milhões eram suficientes para saldar o débito. O Paraná contestava, argumentando que o convênio assinado determinava o ressarcimento integral e que a ferrovia custou muito mais do que o que já havia sido repassado. Em paralelo, a empreiteira passou a cobrar por prejuízos pelos atrasos nos pagamentos e também exigiu valores adicionais, alegando que fez uma obra muito mais cara do que havia sido prevista pelo estado.

O caso descambou para uma ampla batalha judicial, em todas as instâncias e tribunais, com diversos processos, cada um levando muitos anos. Foram várias também as reviravoltas – quando uma situação apontava uma tendência, uma decisão apontava em contrário. A disputa judicial ainda continua, em alguns detalhes da questão, mas o cerne já foi sentenciado e não cabe mais recurso. O governo do Paraná perdeu duas vezes. Primeiro, entre os anos de 1987 e 1997, foi condenado a pagar a CR Almeida, em valores bilionários. Depois, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão de 2007, considerou que o governo federal nada mais devia ao estado.

A fonte de tantos débitos com a empreiteira foi alvo de muita especulação, mas não para o Judiciário, que declarou o caso como incontroverso – ou seja, não mais passível de discussão. A dívida apontada referente à obra passa de R$ 3 bilhões, sendo que o precatório mais pesado é de R$ 2,3 bilhões. Antes deste, a empresa recebeu outros precatórios, referentes a atrasados pela construção da estrada. A CR Almeida recebeu R$ 668 milhões, além de R$ 218 milhões com honorários advocatícios, destinados a um dos filhos do empreiteiro, o advogado Guilherme Beltrão de Almeida, que estava responsável pela causa.

A Gazeta do Povo procurou a CR Almeida, mas a empreiteira ainda não retornou os contatos. Consultada em 2018 sobre o mesmo assunto, a empresa havia informado que pretendia destinar parte dos recursos para ser investida nos negócios, atualmente concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro. O foco da empresa está hoje em concessão de rodovias em outros estados e também na prestação de serviços e realização de obras dentro do próprio contrato de pedágio. A empresa continua familiar, com ênfase em clientes privados e menos obras públicas. Não toca nenhum projeto no Paraná, no momento, embora continue com a sede aqui. Uma fatia dos valores dos precatórios já foi cedida, no passado, a credores da empreiteira e também houve a negociação dos títulos com interessados. Assim, somente uma porção do valor bilionário será efetivamente usada pela empresa.

O empresário Cecílio do Rego Almeida, que criou a empresa e encampou a briga pelo pagamento das dívidas, não viu os precatórios pagos – morreu em 2008. Embora tivesse tentado uma saída negociada, buscou o caminho judicial. Perícias teriam comprovado os gastos adicionais da empresa.

No período que esperou para receber do governo do Paraná, a CR Almeida enfrentou duas possibilidades de concordata. Nesse meio tempo, a empreiteira questionou as fórmulas de cálculo de juros e falta de correção monetária. Assim, mesmo com algumas discussões jurídicas encerradas, resultando em pagamentos, a empresa ainda aguarda o resultado de outras demandas judiciais, que podem render outros pagamentos milionários.

Por muitos anos, o governo do Paraná deixou de pagar precatórios, incluindo o da CR Almeida. Não havia punição para quem deixasse de depositar os valores determinados por decisões judiciais. Mas isso mudou nos últimos seis anos, com duas emendas constitucionais, que estabeleceram regras e sanções para ordenadores de despesas e gestores (prefeitos, governadores e também os presidentes de tribunais).

A importância da Estrada Central

Cerca de 90% das cargas transportadas por trem no Paraná passam pela Estrada Central. A ferrovia tanto conduz grãos produzidos no Norte e Noroeste e em outros estados, para o Porto de Paranaguá, e outras cargas, como industriais e combustíveis. No sentido inverso, distribui os fertilizantes importados que chegam ao litoral. Ainda hoje muito importante, a linha férrea foi essencial para o desenvolvimento paranaense.

A estrada começou a ser idealizada em 1948, quando o governador Moyses Lupion contratou estudo com Lysimaco da Costa & Irmãos e entregou os serviços à empreiteira Byington & Cia. Começou a frente norte em 1949 e a frente sul em 1950, mas o contrato foi rescindido em 1957. Depois de acordo entre os governos estadual e federal, a CR Almeida assume a obra em 1969 e a conclui em 1975. Atualmente, a Estrada Central está sob a responsabilidade da concessionária Rumo. Já o trecho entre Ourinhos (SP) a Ponta Grossa, inaugurado em 1910, está sem uso.

Como funciona o pagamento de precatórios

Se um carro oficial bate no seu carro, você pode receber pelo prejuízo quase imediatamente ou levar muitos anos para colocar a mão no dinheiro. Depende de uma série de fatores. Se o caso for parar na Justiça, o poder público é obrigado a recorrer de decisões que sejam desfavoráveis; a demanda pode demorar muito. Se, ao final, o Judiciário definir que o governo deve pagar a você a dívida, outra série de circunstâncias vai determinar quando o depósito será feito. Se o seu automóvel for um Gol bolinha, da década de 1990, o pagamento deve ser feito em até 60 dias depois da decisão judicial. Mas se o valor que o governo deve a você for maior que R$ 16.455, é emitido um precatório. Aí, para receber, vai precisar entrar na fila definida por ordem cronológica, que atualmente está parada nas decisões judiciais referentes ao exercício do ano de 1998.

Apenas podem passar à frente na fila os chamados de superpreferenciais, que são beneficiários idosos, com doenças graves ou invalidez. Os valores são destinados para a vara judicial que deu a decisão, para encaminhar o pagamento. A ordem da fila está disponível no site do Tribunal de Justiça do Paraná.

Depois de muita pressão para que o governo pagasse suas dívidas, foi apresentado em 2018 um plano anual de quitação de precatórios. Com isso, a gestão estadual aumentou o valor destinado todos os anos para saldar os débitos. A aplicação de 2% da receita corrente líquida era insuficiente para quitar, até 2024, como determina a emenda constitucional, os R$ 9 bilhões devidos. Então, o governo estadual se comprometeu a destinar 3,73% da receita, incluindo na conta os chamados depósitos judiciais. Dos recursos, metade vai para acordo direto (para quem aceita receber antes, mediante deságio) e metade por ordem cronológica de decisões judiciais, considerando, que a lista regular e a de preferenciais.

Conteúdo editado por:Marcos Tosi
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