Svitlana Gerasimenko é uma das 16 pesquisadoras que já receberam bolsa para atuar nas universidades paranaenses.| Foto: Divulgação/Fundação Araucária
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Surpresa com o gosto do pastel, da água de coco e até do bolo de limão que experimentou no Brasil, a ucraniana Mariia Boiko, de 33 anos, tem tentado conhecer a cultura do país canarinho enquanto se protege da guerra que assola sua terra de origem. “É difícil aproveitar a vida plenamente porque simpatizo com meu povo e leio notícias tristes sobre eles todos os dias, mas estou gostando muito daqui”, afirma a bióloga, especialista em biotecnologia e microbiologia.

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Mariia é uma das 16 pesquisadoras da Ucrânia que já foram aceitas pelas universidades do Paraná por meio do Programa de Acolhida a Cientistas Ucranianas no estado. O projeto foi lançado em abril deste ano pela Fundação Araucária — órgão do governo paranaense que incentiva a pesquisa — e está oferecendo apoio emergencial a cientistas refugiadas que desejam trabalhar nas universidades estaduais. A duração do programa é dois anos.

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No caso de Mariia Boiko, o trabalho será realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde ela já iniciou estudos em biotecnologia agrícola por meio da análise de substâncias como própolis, orégano e alecrim em contato com patógenos do gênero Candida e Cryptococus.“É um tema novo para mim e espero obter ótimas experiências”, afirma a pesquisadora, ao citar que a adaptação tem superado suas expectativas. “Os brasileiros são pessoas muito abertas e alegres, e eu gosto disso”.

De acordo com ela, os colegas são muito simpáticos, a música e a dança do Brasil são bastante envolventes, e o clima é agradável. “Só tive dificuldade de comunicação no início por não saber o português”, relata Mariia, que passou pela mesma dificuldade sentida por compatriotas como a doutora em educação Zhanna Petrivna Virna, de 55 anos.

A bióloga Mariia Boiko foi selecionada para atuar na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Foto: Arquivo pessoal/Mariia Boiko

Natural de Lutsk, no Nororeste da Ucrânia, a professora nunca havia saído por muito tempo do país ou aprendido outro idioma. No entanto, assim que os bombardeios russos começaram, decidiu fugir para a Polônia, onde soube do programa de pesquisa paranaense. “Só que eu só falo ucraniano”, relata a educadora que, mesmo sem conhecer nenhuma palavra da língua portuguesa, atravessou o Atlântico disposta a aprender.

Ela e sua irmã — a engenheira e jornalista Inna Virna — chegaram ao Brasil no início de julho, quando foram recebidas por descendentes de ucranianos do grupo de voluntários Humanitas Brasil-Ucrânia. A recepção ocorreu em Curitiba, onde as viajantes receberam apoio do grupo em sua adaptação à nova cultura, ao fuso horário com seis horas de diferença e ao idioma. Inclusive, “já estamos estudando Português de forma interessante e intensiva”, afirma a nova pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR).

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Segundo ela, foi possível iniciar o trabalho na instituição, visitar pontos turísticos da capital paranaense e até experimentar a famosa feijoada brasileira. Além disso, Zhanna conheceu grupos folclóricos ucranianos da região, aliviando um pouco a saudade que sente de casa. “Meu filho e sua família ficaram na Ucrânia com meu tesouro mais querido: minha neta Margarita”, confidencia a pesquisadora que, mesmo longe dos familiares, agradece por estar sob “um céu tranquilo”, sem ataques aéreos.

Programa de acolhida às refugiadas

De acordo com o professor Ramiro Wahrhaftig, presidente da Fundação Araucária e responsável pelo programa, esse é o objetivo da iniciativa: ajudar pessoas como Zhanna, que buscam um local seguro para realizar seu trabalho durante o período de guerra. “Algo inédito no nosso país e que beneficiará essas pesquisadoras e também nossas faculdades”, assegura.

Para isso, as inscritas precisam ter título de doutorado e experiência nas universidades sediadas na Ucrânia. Aquelas com mais de cinco anos de atuação recebem bolsa no valor de R$ 10 mil, enquanto iniciantes ganham R$ 5,5 mil mensais — além das passagens aéreas e auxílio complementar de R$ 1 mil para cada dependente abaixo de 18 anos ou acima de 60.

O programa oferece 50 vagas no total e já preencheu 16 delas. Outros 28 candidatos se inscreveram até o momento, mas vários são homens que não conseguirão vir devido à obrigatoriedade do serviço militar durante a guerra, assim como ocorreu com o marido da doutora em Física Solar Svitlana Gerasimenko.

Apesar de seu esposo também atuar como físico e poder contribuir com o Programa de Acolhida a Cientistas, ele não recebeu autorização para deixar a Ucrânia. “Então, eu vim para o Brasil com nossos dois filhos”, relata a pesquisadora, mãe de uma menina de nove anos e de um adolescente de 14.

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Antes da guerra, Svitlana trabalhou no Instituto de Pesquisa Espacial de Kyiv e no Observatório Astronômico da Academia Nacional de Ciências. “Também fui professora da Medical University e conferencista no Planetártio de Kyiv”, relata a mulher, que já iniciou seu trabalho na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Medianeira, e até sugeriu projetos de extensão como o de levar um telescópio às praças da cidade para ensinar astronomia a moradores. “Tudo isso é um desafio muito interessante e importante para mim”.

Mais pesquisadoras chegarão em breve

E ela não é a única a pensar assim. A doutora em educação Nataliya Mykolaivna Sas também já foi recebida pelo programa paranaense e está animada com o trabalho no Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Curitiba. Mas, como a pesquisadora só fala ucraniano, está primeiro se dedicando às aulas de Português para aproveitar melhor sua experiência no Brasil e contribuir com seu conhecimento.

Outra pesquisadora — a economista Yuliia Felenchak — deve chegar ao país na próxima segunda-feira (15) com os filhos. Ela é a quinta pesquisadora do programa a desembarcar no Brasil e será recebida pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), onde atuará na pós-graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras.

As outras nove cientistas que já foram selecionadas devem chegar nas próximas semanas. Enquanto isso, a Fundação Araucária continua recebendo inscrições de cientistas ucranianas até distribuir 50 bolsas de pesquisa. “Essa é uma nova experiência cultural para as pesquisadoras e para nós, e temos certeza que enriquecerá a relação entre Brasil e Ucrânia futuramente”, finalizou o professor Ramiro Wahrhaftig.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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