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Sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dividida entre o plenário e o ambiente virtual.
Sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dividida entre o plenário e o ambiente virtual.| Foto: Gustavo Lima / Divulgação STJ

As vestes tradicionais, a linguagem carregada de formalidades e os ritos seguidos à risca em muitos dos seus procedimentos são algumas das marcas do Poder Judiciário que resistem ao tempo. Esse apego às tradições, no entanto, não significa que a Justiça brasileira seja avessa à inovação e aos avanços tecnológicos. Já faz alguns anos, por exemplo, que as pilhas de papel foram sendo substituídas pelo processo eletrônico, com trâmite inteiramente digital. Com a pandemia do coronavírus, que obrigou a suspensão de atividades presenciais, o trabalho de modernização se intensificou ainda mais, levando à implantação imediata de ferramentas como home office, reuniões virtuais, sessões, audiências e julgamentos por videoconferência.

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O impacto da pandemia no avanço tecnológico do Judiciário pode ser medido por uma declaração do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), feita em um seminário promovido em agosto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “A pandemia da Covid-19 se tornou um catalisador das transformações tecnológicas com impacto direto em todos os setores da sociedade, inclusive no complexo mundo do Direito. Na verdade, tivemos uma antecipação de décadas, talvez de 20, 30 anos em poucos meses”, afirmou.

Quando a pandemia chegou ao Brasil, em março, tribunais de todo o país fecharam as portas, enquanto a maioria dos desembargadores, juízes e servidores passaram a trabalhar de casa. Se os despachos já eram feitos de forma virtual, o desafio maior foi dar sequência aos procedimentos presenciais, como sessões, audiências, julgamentos e reuniões. A solução foi realizá-los por meio de videoconferência, algo já regulamentado no país há mais de dez anos, mas até então usado em situações excepcionais.

Supervisor do Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicação do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea lembra que a adaptação teve de ser muito rápida. “Quando a pandemia chegou, foi determinado que 17 mil servidores passassem para o home office. Em 48 horas, todo o sistema judicial do estado deveria estar adaptado ao trabalho remoto. Felizmente, já tínhamos a estrutura preparada para atuar de forma virtual em qualquer circunstância. Isso foi a grande salvação, não precisamos de novos investimentos porque já havíamos investido em modernização anos a fio”, ressalta.

O Processo Judicial Digital (Projudi) começou a ser implantado no Paraná em 2007 e, além de colocar todos os processos em meio eletrônico, facilita o fluxo de informações entre órgãos da administração pública por meio da integração de diferentes sistemas. Segundo Dalla Dea, a maior dificuldade no início foi a mudança de cultura. “Há muitos colegas sexagenários, septuagenários, que nunca haviam trabalhado com tecnologia, para quem isso era coisa de filme de ficção científica. No início, até todos se adaptarem, houve alguma dificuldade, mas hoje a produtividade aumentou em mais de 20%”, destaca. Relatório do TJ indica que, entre os dias 16 de março e 27 de setembro foram realizados, de forma remota, mais de 4,3 milhões de atos processuais.

Na Justiça do Trabalho, maior dificuldade está nas audiências de instrução

Na Justiça do Trabalho a tramitação de processos por meio eletrônico também é uma realidade de longa data no Paraná: desde 2010 todos os protocolos são digitais. O presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), desembargador Sergio Murilo Rodrigues Lemos, diz que a novidade decorrente da pandemia foi a instituição das audiências e sessões por videoconferência. “Esse período de recolhimento nos obrigou a ganhar intimidade com essa tecnologia, algo que, a princípio, acreditávamos que demoraria mais tempo”, conta. “Foram necessárias adaptações e, no início, houve um pequeno déficit no andamento dos processos. Mas hoje está tudo funcionando muito bem e tivemos ganho de produtividade.”

De acordo com o presidente do TRT-PR, desde o início da pandemia foram realizadas quase 20 mil audiências virtuais, número abaixo da média, mas tido como “extraordinário” por não ser uma prática habitual até então. Sergio acrescenta que há uma dificuldade em adaptar o procedimento para as audiências de instrução, quando são ouvidas as testemunhas do processo. “Nesses casos, as partes devem ficar incomunicáveis e não podem sofrer qualquer tipo de influência, por isso elas vão diante de um juiz. No escritório ou em casa não é possível ter essa segurança”, observa.

Uma consulta realizada pelo tribunal indicou ainda dois obstáculos à realização de audiências virtuais: dificuldade de acesso à tecnologia e a falta de interesse das partes envolvidas. O presidente do TRT diz que foi realizada uma consulta a mais de 159 mil partes constantes em 60 mil processos, sobre a possibilidade de terem suas audiências realizadas por videoconferência. Desse total, 41% alegaram dificuldades técnicas e 25% afirmaram que não tinham interesse em fazer audiências nessa modalidade. “A Justiça está preparada para atender, mas não posso obrigar as partes a comparecerem a um lugar que não seja da Justiça do Trabalho.”

Desembargador Sergio Murilo Rodrigues conduz sessão da Justiça do Trabalho em Curitiba
Desembargador Sergio Murilo Rodrigues conduz sessão da Justiça do Trabalho em Curitiba| Divulgação / TRT9

Videoconferência regulamentada

Apesar dos entraves, a realização de procedimentos remotos tende a ser cada vez mais frequente, mesmo após o fim da pandemia. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou recentemente uma resolução determinando que os tribunais de todo o país definam e regulamentem, em até 90 dias, um sistema de videoconferência para realização de audiências e atos oficiais.

Na Justiça do Trabalho paranaense, parte das atividades presenciais foi retomada no início do mês (05/10), seguindo protocolo sanitário e de segurança. Audiências de primeiro grau e a atividade dos oficiais de justiça estão autorizadas, enquanto atividades administrativas continuarão a ser exercidas de forma remota. “Acredito que, até que haja um marco sanitário protetor, com medicamentos e vacinas, funcionaremos numa perspectiva mista [de atividades presenciais e a distância]. É algo que já acontecia no Judiciário e tende a se tornar mais frequente”, diz Sergio.

Outra ferramenta disponibilizada recentemente aos tribunais é a Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro (PDPJ-Br), um sistema multisserviço que, além de unificar o trâmite processual no país, permitirá a realização de adequações de acordo com as necessidades de cada tribunal. Segundo o Justiça em Números 2020, anuário estatístico do Poder Judiciário referente ao ano anterior, de cada 10 novas ações judiciais, nove começaram a tramitar por meio digital. Em 2019, foi alcançada a marca de 131,5 milhões de ações ajuizadas por meio eletrônico.

O TJPR já vem utilizando alguns dispositivos de inteligência artificial para agilizar e otimizar processos. Entre eles estão um sistema que automatiza a penhora de verbas do sistema bancário e outro que auxilia na tomada de decisões, indicando sentenças já aplicadas em processos similares. “Tudo que seja possível automatizar e trazer melhores soluções é importante. O Projudi tem 3 milhões de processos em andamento, para mil juízes e desembargadores. Usar a tecnologia para ajudar nessas decisões nos ajuda muito, é uma fronteira a ser desbravada”, ressalta o desembargador Marcelo Dalla Dea.

Mas para que isso seja uma realidade comum nos tribunais, ainda há alguns desafios a serem enfrentados. Um deles, segundo Dalla Dea, é melhorar as redes de transmissão de dados, principalmente em municípios pequenos, onde a conexão apresenta deficiências. O outro é adequar a legislação. “Nossa legislação foi feita em um mundo que não existe mais. Quando os códigos de processo civil e penal foram elaborados, não se imaginava a tecnologia tomando lugar tão rapidamente. A pandemia fez a tecnologia da informação caminhar dez anos em seis meses, enquanto a legislação não andou.”

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