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O início do julgamento pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (25), da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados acusados por tentativa de golpe de Estado, não trouxe novidades quanto à tendência de encaminhamentos. A previsão é de que os denunciados deverão se tornar réus nesta quarta-feira (26), conforme pediu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, nesta terça. Diante disso, aliados de Bolsonaro destacaram o tom político do julgamento na Primeira Turma do STF.
“Estamos aqui diante de um evento político. A decisão da Justiça será feita a partir de uma dita acusação de golpe de Estado, baseada em 11 delações de um delator ameaçado (Mauro Cid), sendo todas diferentes entre si”, ponderou o deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara.
Duas sessões foram realizadas nesta terça e a terceira irá ocorrer na manhã de quarta-feira (26). A maior surpresa veio com a presença de Bolsonaro na primeira fila do auditório, para acompanhar a sessão, vista por simpatizantes como gesto de coragem diante de Moraes.
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“Que Direito querem ensinar para a sociedade brasileira? O mundo está interessado no que ocorre aqui. Nós da direita, sobretudo Bolsonaro, [...] somos condenados previamente”, afirmou Zucco. Ele sugeriu que a oposição poderá apelar à obstrução de votações na Câmara, para pressionar a favor da anistia aos réus do 8 de janeiro.
Para muitos observadores e o senso comum, o julgamento transmite a percepção de que decisões processuais seguem roteiro prévio, no qual o mérito da acusação foi virtualmente decidido desde a fase inicial e muitas etapas transcorrem de forma açodada, de modo a alcançar veredicto ainda em 2025. Diante disso, a estratégia de Bolsonaro e seu entorno está na exposição da parcialidade do julgamento e na tese de perseguição política.
"Estamos assistindo ao primeiro capítulo de uma história cujo final já havia sido esboçado muito antes da abertura das cortinas. Um julgamento de cartas marcadas, conduzido por aqueles que transformaram a justiça em palco e o processo em espetáculo [...] Chamam de “tentativa de golpe” uma cena sem armas, sem tanques — mas sim com Bíblias e terços, com mulheres e homens de família que protestavam, de forma pacífica, por um Brasil que acreditavam possível. Uma acusação tão absurda que parece retirada de um roteiro ruim, em que ninguém sabe quem teria dado o golpe… e nem quem o teria sofrido", afirmou o deputado Filipe Barros (PL-PR) na rede social X.
Opinião semelhante foi apresentada pelo líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Segundo ele, o julgamento é “político e não jurídico” e o ex-presidente deveria ser julgado na primeira instância e não no STF. Ele disse também que a oposição fará obstrução nas comissões nesta semana por conta do julgamento do ex-presidente.
”Essa semana, a oposição está fazendo obstrução nas comissões por conta do julgamento do presidente Bolsonaro, porque nós todos entendemos que é julgamento político e não jurídico que fere totalmente o devido processo legal brasileiro. Ele deveria estar sendo julgado na primeira instância”, declarou aos jornalistas.
Ao comentar sobre o julgamento, o senador Marcos Rogério (PL-RO) destacou que é preciso fazer a defesa do devido processo legal e que se trata de um "teste para a democracia".
"O julgamento de Bolsonaro é mais do que um processo judicial. É um teste para nossa democracia, nossas liberdades e nossa justiça. Quando o discurso se torna crime, e a justiça se transforma em perseguição, todos perdemos. Já passou da hora de defendermos o devido processo legal e garantirmos que o Brasil não se transforme em um tribunal de exceção. Antes que seja tarde demais", afirmou o senador.
Por outro lado, a expectativa na esquerda é de que a denúncia seja aceita, e que, futuramente, Bolsonaro seja condenado pelo STF. “A nossa expectativa é Bolsonaro na cadeia”, relatou o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), em nome dos governistas.
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Bolsonaro critica mudanças no regimento e sobre foro
Em mensagem mais cedo, o ex-presidente negou ter participado da suposta tentativa de golpe e disse “confiar na Justiça”. Em grupos de WhatsApp, ele revelou também que sofre “a maior perseguição político-judicial da história do Brasil”, motivada por “inconfessáveis desejos por vaidades” e por “claros interesses políticos”.
No início da noite, por meio das redes sociais, Bolsonaro criticou as recorrentes mudanças regimentais no STF, as alterações de entendimento sobre a questão do foro e o fato de a denúncia não ser analisada pelo plenário da Suprema Corte.
“Preservar o foro por um motivo ‘carimbado’, mas negar o julgamento pelo órgão competente, é transformar a Constituição e o Regimento em um self-service institucional: escolhe-se o que serve ao objetivo político do momento e descarta-se o que poderia garantir um julgamento minimamente justo”, disse o ex-presidente em uma publicação no X após o fim da sessão.
Contra Bolsonaro, pesa a denúncia da PGR pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.
"Trata-se da sequência de casuísmos mais escandalosa da história do Judiciário brasileiro: adaptações regimentais e mudanças jurisprudenciais feitas sob medida, com nome, sobrenome e prazo de validade. Com a palavra, juristas, legisladores e todos os que estão enxergandos esses absurdos", criticou o ex-presidente.
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Expectativa de derrota do STF faz Bolsonaro mirar disputa eleitoral de 2026
Sem chances de êxito na esfera jurídica, o ex-presidente investe também no capital eleitoral. A eventual condenação o tira de vez da disputa presidencial de 2026, mas o consolida como principal eleitor da direita, com poder de influência sobre a escolha de um desafiante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliado do STF, principal rival de Bolsonaro e que está em franca campanha pela reeleição.
Segundo o cientista político Leonardo Barreto, o critério decisivo para essa escolha será a lealdade - valor central para Bolsonaro. Nesse cenário, surgem nomes da própria família, como a esposa Michelle ou um dos filhos. Porém, estrategicamente, uma alternativa de fora pode se impor como mais viável, como, por exemplo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que reúne apoio político e menor rejeição.
No campo internacional, também se articulam apoios. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que segue nos Estados Unidos em seu autoexílio, tem desempenhado o papel de maior interlocutor da direita brasileira junto a autoridades e influenciadores americanos, buscando respaldo externo para criticar o STF e denunciar a perseguição ao pai e seu entorno. A batalha, portanto, ultrapassa limites jurídicos e é agora essencialmente política.
O deputado licenciado afirmou que “não há mais saída” e que seu pai será inevitavelmente condenado pelo STF. A declaração foi feita na véspera do julgamento da admissibilidade da denúncia. “Você pode botar o Ruy Barbosa para advogar a favor do Bolsonaro, que ele não vai se livrar de uma condenação”, afirmou Eduardo Bolsonaro, durante participação o podcast Inteligência Ltda, nesta segunda-feira (24).
“Com isso em mente, eu sigo o exemplo do Trump: ele já sabia desse jogo de cartas marcadas e apostou tudo na política. Levar a voz dele ao maior número de pessoas possível. Se o Bolsonaro perder o capital político dele, já era, o Alexandre de Moraes vai trancafiar ele na cadeia e jogar a chave fora”, disse.
A PGR acusa o ex-presidente pelos crimes de organização criminosa (pena de 3 a 8 anos, podendo chegar a 17 com agravantes), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos), tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos), dano qualificado com uso de violência ou grave ameaça (6 meses a 3 anos) e deterioração de patrimônio tombado (1 a 3 anos).
Uma sessão extraordinária está marcada para as 9h30 desta quarta-feira (26), dando continuidade à reunião iniciada no dia anterior. Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) acolha a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), será instaurada uma ação penal, e os denunciados passarão à condição de réus no processo. No caso de condenação, as penas somadas pelos crimes atribuídos a Jair Bolsonaro podem chegar a até 43 anos de prisão, conforme prevê a legislação.