O ministro Paulo Guedes e a equipe econômica: governo quer diminuir benefícios fiscais a 2% do PIB.| Foto: Divulgação/Ministério da Economia

O pacote econômico encaminhado pelo governo ao Congresso no início de novembro inclui mudanças que, além de limitar despesas em períodos de aperto fiscal, também colocam na Constituição algumas travas aos gastos do poder público de forma permanente. Duas dessas medidas, presentes no texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial e no da PEC do Pacto Federativo, atingem os benefícios fiscais.

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Esse tipo de incentivo, denominado pela Receita Federal como "gasto tributário", implica em uma renúncia de arrecadação por parte do governo federal. No caso dos programas destinados a setores da economia, o princípio consiste em aliviar a carga de impostos para impulsionar a atividade econômica, teoricamente gerando mais empregos e tornando as empresas nacionais mais competitivas. A ideia, portanto, é de que abrir mão da arrecadação é compensador em razão do retorno dessa medida à sociedade e à própria economia.

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São exemplos desse tipo de benefício os incentivos às micro e pequenas empresas, por meio do Simples Nacional; as isenções para o agronegócio exportador e a agroindústria; os benefícios da Zona Franca de Manaus; e também as desonerações para o setor automotivo. Outras renúncias de arrecadação beneficiam as pessoas físicas, como as deduções do Imposto de Renda (IR) e a isenção dos rendimentos da poupança, por exemplo.

Em 2019, de acordo com o Demonstrativo de Gastos Tributários da Receita Federal, o governo deve deixar de arrecadar R$ 306,4 bilhões por causa dos benefícios fiscais. O campeão em renúncias é o Simples Nacional, que implicou em R$ 87,2 bilhões em gastos tributários. Em seguida aparecem os rendimentos isentos e não tributáveis para pessoas físicas no IR, que representaram R$ 32,1 bilhões; e os benefícios para a agricultura e a agroindústria, de R$ 30,2 bilhões.

Quantos benefícios fiscais o governo quer manter

Na PEC Emergencial, a proposta do governo é impedir a criação de novos benefícios em situações de emergência fiscal, além de limitá-los a, no máximo, 2% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano de 2026 em diante.

Na justificativa da proposta, o governo aponta que não há "qualquer demonstração de eficiência ou incremento de equidade" a partir do aumento dos gastos tributários. "Estudos demonstram que esses benefícios se mostram regressivos, destinando-se às classes mais abastadas, diferentemente, por exemplo, das transferências diretas à população, a exemplo do Bolsa Família", complementa o texto.

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Se a PEC for aprovada como está, isso implicaria no corte de pelo menos metade dos incentivos concedidos atualmente. Isso porque, de acordo com o demonstrativo dos gastos tributários (bases efetivas) da Receita Federal, em 2019 esse tipo de benefício deve corresponder a 4,2% do PIB.

Historicamente, o percentual é maior do que o desejado pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes ao menos desde 2006, quando os gastos tributários representavam 3,3% do PIB. A partir de 2011, esse tipo de renúncia começou a passar por uma trajetória de aumento, chegando até 4,5% do PIB em 2015.

"O Brasil exagera na dose", diz especialista

Na opinião de Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, o governo está na direção certa ao pensar em reduzir os gastos tributários. "Na gestão Dilma [Rousseff] houve um crescimento muito forte desse tipo de benefício. Isso vai na contramão do que é a experiência mundial. O Brasil exagera na dose", opina.

Segundo ela, essa discussão vem ganhando corpo desde a gestão de Michel Temer (MDB), mas, mesmo assim, a implementação das alterações deve enfrentar dificuldades. "Cada um dos benefícios tributários vai ter que ter uma discussão individual. A forma como o governo colocou a proposta de redução ainda está muito vaga. Precisamos de mais detalhes, porque vai haver muita resistência", afirma Latif.

Na justificativa do projeto, o governo diz, apenas, que a partir de 2026 não será mais possível criar, ampliar ou renovar benefícios "enquanto o montante superar 2% do PIB". "Até 2026, o Congresso Nacional terá tempo mais do que suficiente para reavaliar, um a um, todos os benefícios ou incentivos de natureza tributária federais", conclui a justificativa da PEC.

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Programas passariam por avaliação periódica

Outra previsão do pacote econômico, presente tanto na PEC Emergencial quando na PEC do Pacto Federativo, institui uma avaliação periódica de cada um dos programas de incentivo fiscal. Pelo que está descrito nos dois textos, a análise seria feita, no máximo, a cada quatro anos, tendo como base os seguintes critérios: 1) efetividade, proporcionalidade e focalização; 2) combate a desigualdades regionais; e 3) publicidade do resultado das análises.

Para Ana Cláudia Utumi, advogada tributarista da Utumi Advogados, a revisão é importante porque a própria atividade econômica sofre transformações ao longo do tempo – e, por isso, um benefício tributário interessante agora pode não ser mais útil no futuro. "É muito salutar essa revisão. No Brasil, alguns benefícios acabam durando por tanto tempo e com valores tão altos que acabam ficando sem sentido", diz a advogada.

Ela cita como exemplo o próprio Simples Nacional, que pode provocar distorções no desenvolvimento dos negócios. "A literatura já mostra que esse sistema acaba fazendo com que as pessoas não queiram crescer para não sair daquele sistema tributário mais vantajoso, ou que comecem a criar subterfúgios para se manter nele artificialmente. Isso não é só um benefício para aquele que está recebendo o incentivo, é um custo para toda a sociedade ", aponta Utumi.

Ela salienta, entretanto, a importância da realização de estudos para cancelar ou manter cada um dos benefícios tributários. "Não dá para falar em diminuir pela metade e pronto, porque o governo pode acabar cometendo injustiças", conclui.