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Anistia ao presos do 8/1

Como a anistia pode prosperar apesar dos esforços contrários de Motta e do governo

Hugo Motta anistia oposição
Presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) (Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados)

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Apesar da resistência do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do governo, o projeto de anistia aos presos pelo 8 de janeiro pode avançar devido ao respaldo do Regimento Interno e à pressão exercida por parlamentares da oposição, que cobram o cumprimento de acordos firmados no início da legislatura.

O Regimento da Câmara proíbe a retirada de assinaturas após o protocolo de um requerimento de urgência, o que limita as tentativas do governo de barrar a tramitação do projeto. Ao mesmo tempo, Hugo Motta precisa lidar com a cobrança de sua base aliada e da oposição para não desestabilizar o equilíbrio político da Casa. Uma reunião de líderes para debater o assunto está marcada para esta quinta-feira (24).

O requerimento de urgência, protocolado pela oposição com 262 assinaturas, não pode mais ser alterado. De acordo com o artigo 102 do Regimento, uma vez protocoladas, as rubricas dos deputados não podem ser retiradas.

A interpretação foi confirmada por um servidor da Câmara, especialista na legislação interna, que destacou que o termo “proposições” usado no regimento inclui requerimentos de urgência. “Considera-se proposição a Proposta de Emenda à Constituição, projeto de lei, emenda, indicação, requerimento (proposição), recurso (proposição), parecer e Proposta de Fiscalização e Controle”, afirma o texto da norma.

Além disso, o artigo 155 reforça a legitimidade do requerimento ao prever que matérias de “relevante interesse nacional” podem ser incluídas diretamente na Ordem do Dia, caso contem com a maioria absoluta das assinaturas — o que no caso da Câmara equivale a 257 deputados. Esse é o fundamento jurídico da oposição para pressionar pela votação imediata do texto.

Mesmo respaldado por argumentos técnicos, o futuro da proposta depende diretamente da vontade política do presidente da Câmara e do ambiente entre os líderes partidários. Hugo Motta tem buscado uma solução de conciliação, mas enfrenta dificuldades para conter a pressão da oposição, que cobra fidelidade a compromissos assumidos durante sua eleição à presidência da Casa.

Diante da demora de Motta em pautar a urgência do PL da Anistia, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, pressionou o presidente para que o assunto seja levado à reunião de líderes, marcada para essa quinta-feira (24).

Segundo um interlocutor da oposição, ainda que não haja clima político para votar o requerimento neste momento, Motta não poderá ignorar o assunto sem comprometer a relação com os partidos oposicionistas. A fonte afirma que o rompimento não está no radar, mas o sentimento é de que o diálogo com Motta não está funcionando.

Enquanto isso, Motta tenta manter a pauta econômica como prioridade. “Não vamos permitir que outras pautas, não só anistia, prejudiquem esta pauta”, afirmou o presidente da Câmara ao se referir ao projeto que prevê isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, cujo calendário de votação está previsto ainda para este ano.

Além das conversas com Motta, a oposição também pretende utilizar a Subcomissão do 8 de Janeiro para manter a anistia em pauta na Câmara. O colegiado foi criado no âmbito da Comissão de Segurança Pública da Casa, em 1° de abril. O objetivo será fiscalizar “in loco” denúncias de violações de Direitos Humanos contra os presos.

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Governo quer retirada simbólica e retaliações contra deputados que assinaram requerimento

Dentre as opções avaliadas pelo governo, a retirada simbólica de assinaturas seria um passo inicial para tentar minar a percepção de que a própria base concorda com o PL da anistia. Dos 262 deputados que assinaram o requerimento de urgência, 146 são de partidos que possuem ministérios e cargos no governo, como o União Brasil, o PP, o Republicanos, o PSD e o MDB.

“Não é razoável alguém que se diga do governo, que tem espaço no governo, que se aproveite de ações do governo pra capitalizar politicamente, que apoie e assine um projeto desse. São questões inconciliáveis, porque seria a gente topar que alguém assinasse a anistia de alguém que tentou matar o [presidente] Lula”, disse o deputado petista Lindbergh Farias, líder do PT na Câmara, em entrevista à GloboNews.

A gestão petista também fará uma espécie de corpo a corpo com deputados que têm feito indicações a cargos no governo para retirar as assinaturas e mostrar a Motta que não há um consenso em fazer a urgência tramitar.

Além disso, o Palácio do Planalto estuda ações para minar os partidos. Entre as represálias estão a demora no pagamento de emendas do Orçamento e a revisão das indicações para cargos ou funções em suas bases eleitorais.

Os cargos são, em sua maioria, em superintendências regionais nos estados, de órgãos como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que são controlados pelo governo federal.

No caso das emendas impositivas, que são as individuais e de bancada, o governo pode apenas segurar ou retardar as liberações, pois elas são de pagamento obrigatório e precisam ser pagas até o final do ano. Já as emendas de comissão e as de transferência especial (emenda Pix) não são impositivas e podem ser negociadas por parte do Executivo.

Apesar disso, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que o governo federal não pretende retaliar os deputados. Porém, ela destacou que o Palácio do Planalto vai se esforçar em convencê-los sobre "a gravidade da proposta e os seus efeitos prejudiciais para a democracia".

“O governo não está em uma operação de retaliação. Mas está, sim, mostrando aos deputados federais a gravidade política, jurídica e institucional que significa apoiar este projeto”, disse a ministra, em entrevista à CNN Brasil. De acordo com Gleisi, o projeto visa garantir “a impunidade de Jair Bolsonaro e de quem mais tentou derrubar” o governo petista.

Centrão e Judiciário preferem redução das penas no lugar da anistia

Apesar da relutância do governo e do Centrão, o alívio para os presos do 8 de janeiro se tornou um assunto difícil de ignorar no Congresso, o que forçou dirigentes partidários e membros do Supremo Tribunal Federal (STF) a avaliarem uma revisão na dosimetria das penas. Em alguns casos, como o da cabeleireira Débora Rodrigues, a pena pode chegar a 14 anos de prisão.

O ex-presidente Michel Temer (MDB) disse que é legítima a discussão no Congresso de um projeto de anistia, mas ponderou que a melhor saída seria uma revisão feita pelo STF. Os ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux já sinalizaram que isso pode ocorrer em algum momento do processo.

Em 8 de abril, Mendes, que é o decano do Supremo, disse que houve a aplicação correta da lei e que aquele dia não foi "um passeio no parque". Por outro lado, defendeu que o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, possa rever a pena caso a caso. Já Fux sinalizou que irá reavaliar o contexto da prisão de Débora, bem como a dosimetria da pena. No final de março, ele suspendeu o julgamento da mulher que pichou a estátua “A Justiça” com batom.

Além do Centrão, parte da própria esquerda também sinaliza aceitar uma revisão das penas, ou até um possível indulto do presidente Lula. À Gazeta do Povo, o líder do PSB na Câmara, o deputado Pedro Campos (PSB-PE), afirmou que a dosimetria das penas pode ser discutida no Judiciário e no Executivo.

“O Legislativo possui o instrumento da anistia, mas ele não é adequado para esse caso. O que pode ser discutido, ainda, é a dosimetria das penas, tanto no Judiciário, onde há pedidos de revisão, quanto por meio do indulto presidencial, que é um instrumento que trata da dosimetria das penas, mas sem conceder um perdão amplo ou um esquecimento, como faz a anistia”, afirmou Campos.

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Anistia depende de aval do Congresso, mas Bolsonaro deverá opinar sobre o texto

Embora o Congresso Nacional seja o responsável por chancelar o PL da anistia, existe a expectativa por parte da oposição de que Bolsonaro apresentará sua opinião sobre o texto para a bancada do Partido Liberal. Mas, em 17 de abril, Sóstenes foi às redes sociais para enfatizar que o Congresso que decidirá sobre o texto final do projeto.

A declaração se deu um dia após reportagem do jornal Folha de S.Paulo afirmar que Sóstenes havia dito que o ex-presidente, mesmo do hospital, é quem daria o aval ao novo texto da proposta. O ex-presidente se ainda se recupera de uma cirurgia na região do abdome.

“O líder da mobilização pela anistia humanitária é o nosso eterno presidente Jair Bolsonaro. Foi ele quem levantou essa bandeira com coragem diante do povo nas ruas, pedindo justiça para os que vêm sendo condenados com penas desproporcionais”, publicou o líder do PL.

E acrescentou: “Contudo, é importante esclarecer: o texto final da anistia será decidido soberanamente pelos plenários da Câmara e do Senado […] A última palavra sempre será do Parlamento”. A retificação ocorreu após a declaração inicial causar incômodo entre deputados que apoiam o projeto, já que cabe ao Legislativo definir a redação da matéria.

Por outro lado, Sóstenes afirmou que Bolsonaro tem dialogado com membros do PL e demais parlamentares, com contribuições para o relator do texto na Câmara, o deputado federal Rodrigo Valadares (União-SE), com o objetivo de fortalecer o texto e ampliar os apoios em torno da proposta.

"O presidente Bolsonaro tem, sim, dialogado com o Partido Liberal e demais parlamentares, ouvindo sugestões, propondo melhorias e apresentando contribuições para o relator com o objetivo de fortalecer o texto e ampliar os apoios. Mas, como determina a Constituição, a última palavra sempre será do Parlamento", disse o parlamentar nas redes sociais.

Sob pressão da direita, Hugo Motta vê estratégia de protelação se esgotar

Embora Motta busque ganhar tempo para contornar a pressão feita pela oposição, a tática de protelação, no entanto, começa a se esgotar, com desgaste político crescente e risco de perda de apoio até mesmo entre aliados da oposição.

“O Motta tem um poder sim de cozinhar, de enrolar o assunto. Mas ele tem um alto custo político, porque é amigo do Bolsonaro. A oposição apoiou o nome dele”, afirma o cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte. “Se ele romper com esse grupo, vai ser péssimo para ele. A única opção que ele tem, e está usando, que é ficar enrolando. [Mas essa estratégia] está se esgotando.”

O cientista político Paulo Kramer reforça que o cenário político atual é desfavorável ao governo, o que contribui para que lideranças do Congresso avancem em pautas como a anistia. Ele aponta a mudança no humor da sociedade, o que pode favorecer a anistia. “A opinião pública, decididamente, virou à direita", disse.

Enquanto a oposição pressiona e articula, o governo tenta limitar os danos. “O Planalto luta para restringir o alcance da anistia de modo a não beneficiar Bolsonaro”, observa Kramer.

Cerqueira avalia que a postura hesitante de Hugo Motta contrasta com a habilidade demonstrada por seu antecessor na presidência da Câmara. “O Lira tinha uma capacidade muito melhor de lidar com essas pressões. O Hugo Motta não está fazendo um bom jogo político no momento.”

Com poucos recursos de protelação restantes, o presidente da Câmara corre o risco de comprometer seu capital político se insistir na inércia. “A oposição está dando as cartas e, até o momento, não estou vendo nenhuma outra alternativa para o Hugo Motta, a não ser botar o assunto da anistia em andamento”, destaca Cerqueira.

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