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Quatro decretos e um projeto de lei: o que, afinal, Bolsonaro mudou no porte de armas
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Em questão de horas, o presidente Jair Bolsonaro editou quatro decretos e enviou um projeto de lei ao Congresso sobre aquisição, posse e porte de armas de fogo. O objetivo de toda essa parafernália legal foi, essencialmente, afrouxar significativamente a legislação sobre o tema. Um decreto assinado em maio já ampliava o direito de acesso e porte de armas, mas dias atrás ele foi derrubado pelo Senado e corria o risco de sofrer o mesmo na Câmara dos Deputados e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Na terça (25), horas depois de o porta-voz Otávio Rêgo Barros assegurar que Bolsonaro não revogaria decreto do mês passado, edição extraordinária do Diário Oficial da União circulou com a revogação dessa medida e sua substituição por três novos decretos, para regulamentar o acesso às armas previsto no Estatuto do Desarmamento. Pouco depois eles seriam seguidos por um quarto decreto – que revogava um dos três anteriores – e, finalmente, por um projeto de lei, que tramita em regime de urgência na Câmara.

Na prática, toda essa manobra legislativa do governo resultou em duas mudanças que já estão em vigor, ao menos temporariamente: o fim da autorização para a posse de arma em toda a área da propriedade rural (e não apenas na sede), e a redução no rol das profissões com autorização para porte de armas. Essas duas questões, no entanto, foram reapresentadas no projeto de lei que já tramita no Congresso. Se aprovadas pelos parlamentares, a legislação voltará a ser mais flexível, como deseja Bolsonaro.

A substituição do decreto das armas de maio pelos novos decretos e pelo projeto de lei foi um aceno do governo federal ao Congresso Nacional, depois de o Senado ter votado pela revogação do decreto de maio, a Câmara sinalizar no mesmo sentido e diversos partidos terem acionado o Supremo Tribunal Federal (STF) apontando inconstitucionalidade na medida.

A principal crítica dos parlamentares era que pontos como a posse rural estendida (para que produtores rurais possam utilizar arma além da sede da propriedade), a autorização de porte para novas categorias profissionais e a flexibilização do acesso a armas de uso restrito deveriam ser discutidos em projeto de lei e não impostos por decreto.

Como projeto de lei, as mudanças no Estatuto do Desarmamento têm de tramitar pelas comissões e plenários da Câmara e do Senado, tendo cada ponto discutido e podendo receber emenda dos parlamentares para acrescentar, alterar ou até eliminar alguns itens.

Três decretos, depois mais um e finalmente um projeto de lei

Os três decretos editados na tarde de terça não agradaram aos parlamentares, que entenderam que o presidente apenas dividiu em três o decreto anterior, excluindo apenas a questão da posse em propriedade rural (posteriormente contemplada no projeto de lei apresentado na própria terça-feira), mas não abordando os demais pontos.

O líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), classificou de falsa a revogação dos decretos, porque as novas normas editadas pelo Executivo eram muito semelhantes às anteriores. "Trata-se de uma fraude do presidente da República para impedir que o Parlamento legisle e que o Supremo julgue. É inaceitável esse tipo de comportamento", criticou, em seu Twitter.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, insistiu para que a questão do porte também fosse discutida em projeto de lei. “É um tema muito difícil, muito polêmico, como a questão de porte para várias profissões sem a prova da efetiva necessidade. O governo encaminha um projeto de lei, reedita os três decretos e espero que nos decretos não se encontre nenhuma inconstitucionalidade”, ressaltou Maia.

Então, na noite de terça, um quarto decreto foi publicado, revogando um dos três recém-editados, para alterar a regulamentação do porte de armas, excluindo a autorização de porte para “profissões de risco”, como políticos com mandato eletivo, jornalistas em cobertura policial, advogados e conselheiros tutelares, entre outros.

Nesta quarta-feira, já tramitava, na Câmara projeto de lei encaminhado pela Casa Civil da Presidência da República para abordar as duas questões retiradas dos decretos. Com pedido de regime de urgência feito pela Presidência, a Mesa Diretora da Câmara estipulou prazo de 45 dias para a apreciação da proposta. Como há recesso parlamentar programado para julho, o prazo encerra-se em 24 de agosto.

No que tange à posse de armas em propriedades rurais, o texto do projeto de lei é idêntico ao do decreto revogado: estabelece que a posse é permitida no interior da residência ou domicílio ou nas dependências desses, considerando, para isso, toda a extensão da área particular do imóvel, edificada ou não, em que reside o titular do registro, inclusive quando se tratar de imóvel rural. O mesmo tratamento é dado para o local de trabalho e para estabelecimentos privados.

A proposta para o porte, por sua vez, ficou ainda mais ampla. Ao invés de listar as "profissões de risco" para as quais o porte seria permitido – como oficial de justiça, advogado, jornalista em cobertura policial, conselheiro tutelar, integrante do Poder Judiciário e do Ministério Público, entre outros –, o texto autoriza o porte "a qualquer pessoa que demonstre exercer atividade profissional de risco ou ameaça à sua integridade física".

Segundo o texto, a atividade profissional de risco seria qualquer uma em que o indivíduo esteja "inserido em situação que ameace sua existência ou sua integridade física".

Veja o que dizem os decretos das armas e o projeto de lei enviado ao Congresso:

Decreto 9.844/2019 (revogado pouco depois pelo decreto 9.847)

  • Revoga os Decretos 9.785, de 7 de maio, e 9.797, de 21 de maio, que fez correções no texto do decreto anterior
  • Estabelece regras e procedimentos para a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e de dispor sobre a estruturação do Sistema Nacional de Armas - Sinarm e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas - Sigma
  • Retira do texto anterior o entendimento de que a posse de arma é permitida em toda a extensão da área particular do imóvel, edificada ou não, em que resida ou trabalhe o titular do registro, inclusive quando se tratar de imóvel rural

Decreto 9.845/2019 (em vigor)

  • Dispõe sobre as regras para a comercialização de armas de fogo
  • Mantém basicamente o mesmo texto do Decreto 9.785, de 7 de maio, que estabelece as regras de quem está autorizado a adquirir uma arma de fogo e quais devem ser as etapas para esse processo de aquisição

Decreto 9.846/2019 (em vigor)

  • Estabelece as regras para comercialização, posse e porte de armas de fogo para caçadores, colecionadores e praticantes de tiro esportivo. Repete o texto do Decreto 9.785

Decreto 9.847/2019 (em vigor)

  • Revoga o Decreto 9.844/2019 e, no texto, mantém as alterações por ele impostas sobre as regras para a posse, com a supressão da posse estendida
  • Retira do texto a autorização para porte de armas de trabalhadores de profissões consideradas de risco, bem como a lista de profissões enquadradas neste rol, como oficial de justiça, advogado, jornalista em cobertura policial, conselheiro tutelar, integrante do Poder Judiciário e do Ministério Público, entre outros

Projeto de Lei 3.723/2019 (em tramitação no Congresso)

  • Altera o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm e define crimes)
  • Estabelece a autorização para posse de arma no interior da residência ou domicílio ou dependências desses, considerando, para isso, toda a extensão da área particular do imóvel, edificada ou não, em que reside o titular do registro, inclusive quando se tratar de imóvel rural. O mesmo tratamento é dado para o local de trabalho e para estabelecimentos privados
  • Autoriza o porte de arma a qualquer pessoa que demonstre exercer atividade profissional de risco ou ameaça à sua integridade física". Segundo o texto, a atividade profissional de risco seria qualquer uma em que o indivíduo esteja inserido em situação que ameace sua existência ou sua integridade física. 
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