Durante a cerimônia de posse de Nelson Teich como ministro da Saúde, nesta sexta-feira (17), o presidente Jair Bolsonaro contestou a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impediu o Palácio do Planalto de intervir em decisões estaduais e municipais sobre medidas de quarentena contra o novo coronavírus. “Não vou pregar desobediência civil, mas medidas como essa precisam ser rechaçadas por todo nós”, disse o presidente.
Essa não foi a primeira crítica a outro Poder feita por Bolsonaro nesta semana. No dia anterior (16), o presidente já havia disparado contra a condução de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, nos trabalhos legislativos. À CNN Brasil, o chefe do Executivo chamou a atuação do deputado de "péssima" e declarou que Maia "quer atacar o governo federal, enfiando a faca para resolver os problemas de outro lado".
Minutos depois, foi a vez de Maia provocar. Ele apareceu na mesma emissora, dizendo que, enquanto o Executivo "jogar pedras", o Legislativo irá "devolver flores".
A troca de farpas entre Bolsonaro e Maia fechou um dia em que o presidente da República foi contestado por conta de sua decisão de demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. A exoneração foi desaprovada por opositores habituais de Bolsonaro, mas também por representantes de parte da direita e por membros de partidos que têm integrantes no governo federal, como PSDB e DEM (este último partido ao qual o próprio Mandetta é filiado).
O contexto reabriu o debate sobre a relação os Três Poderes. A animosidade não é nova: desde o início de seu mandato, o presidente vivenciou embates com lideranças de Executivo e Judiciário. Recentemente, ele endossou uma manifestação a favor de seu governo em que alguns dos participantes defendiam o fechamento de Congresso e do STF.
Bolsonaro diz que o problema são as pessoas, e não as instituições
No entanto, o presidente rejeita o ataque direto às instituições, e explicita que o foco de suas críticas são pessoas em especial. Maia tem sido um de seus principais alvos. A aliados, segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo nesta sexta-feira (17), Bolsonaro tem dito que tem conhecimento de um plano que estaria sendo tramado pelo presidente da Câmara, pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e por membros do STF, com o objetivo de tirá-lo da Presidência da República.
Os outros chefes de Poder, no entanto, trocam afagos. O presidente do STF, Dias Toffoli, disse que Maia e o comandante do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) "têm tido uma atuação responsável". Maia e Alcolumbre, por sua vez, buscam mostrar sintonia – como fizeram ao assinar uma nota conjunta, em nome do Congresso Nacional, condenando a demissão de Mandetta.
Parlamentares descartam crise: "Briga é paroquial", diz senador
De um lado, porém, acontecimentos recentes mostram que a relação entre Bolsonaro e os outros poderes não é de conflito absoluto, mesmo com as farpas. Na sexta-feira (17), por exemplo, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria o "Orçamento de Guerra", iniciativa celebrada por setores do governo. A PEC, que sofreu alterações, ainda precisará ser apreciada novamente pela Câmara.
No Senado ainda reside outra esperança do governo, a de reversão de pontos do programa de ajuda financeira a estados e municípios que não exigiu contrapartidas, e cuja aprovação pela Câmara foi o estopim das críticas mais severas de Bolsonaro contra Maia.
Mesmo no Judiciário, contestado por Bolsonaro por conta da decisão sobre a quarentena, o governo obteve vitórias. Uma delas foi a decisão de que é constitucional a Medida Provisória (MP) do governo que permite negociações diretas sobre redução de jornada de trabalho entre empregador e empregado, sem mediação de sindicato.
A decisão foi tomada pelo pleno do STF nesta sexta-feira (17). Antes, o ministro Ricardo Lewandowski havia concedido uma liminar contrária à proposta do governo.
Para o senador Espiridião Amin (PP-SC), "não existe crise institucional, e nem nacional". "[A disputa entre Bolsonaro e Maia] É uma briga local, de dois políticos da mesma cidade. Uma questão paroquial. Segunda-feira ninguém fala mais nisso", avaliou. O parlamentar também acredita que a demissão do ex-ministro Mandetta não deve continuar ecoando no ambiente político.
Já o líder do Podemos na Câmara, deputado Leo Moraes (RO), reconheceu que a exoneração de Mandetta "tem caráter emblemático", mas também descartou a hipótese de evolução da crise. "Não vejo dessa maneira [crise institucional]. São fagulhas, rastilhos de pólvora, mas que podem ser encurtados em benefício da população. A população não quer saber quem está certo ou errado, quer a execução de medidas, como o pagamento do auxílio emergencial. O que não se pode é ter esse maniqueísmo de achar que algum lado é bom e o outro é ruim", afirmou.
Na prática, governo tem sofrido derrotas no Congresso
De outro lado, o governo tem sofrido derrotas no Parlamento. Também nesta sexta-feira (17), por exemplo, o Senado abortou a votação de um projeto de lei derivado de uma MP que modificava relações de trabalho. A chamada "carteira verde e amarela" era uma aposta do governo para estimular a geração de empregos entre os mais jovens. Caso o Senado não faça a votação na segunda (20), o texto deixará de ter validade. Mesmo assim, Alcolumbre não garantiu que colocará a matéria em votação.
A decisão do presidente do Senado foi interpretada por parlamentares como uma retaliação a Bolsonaro, justamente por conta das críticas a Maia. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, disse considerar "natural" que a Casa tenha optado por não votar a proposta enviada pelo governo.
Caso o Senado realmente não vote o projeto, a MP da carteira verde e amarela se somará a outras medidas que caducaram recentemente – e a mais algumas que tendem a caducar em um futuro próximo. O texto que extingue o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), por exemplo, também precisa ser votado até segunda-feira (20).
Em fevereiro, o Congresso não votou a MP que criava a carteirinha de identidade estudantil, proposta que foi tratada como prioridade pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub.
Por outro lado, o Senado deve votar na segunda o projeto que expande o rol de beneficiados com o pagamento do auxílio emergencial a trabalhadores informais, uma resposta à crise do novo coronavírus.
A proposta foi criada pelo governo federal e, embora tenha sido bastante modificada pelo Congresso, teve sua autoria "reivindicada" pelo Executivo.
Base do governo no Parlamento pode estar ainda mais frágil
A avaliação de alguns parlamentares de que é baixa a probabilidade de uma crise institucional não omite o fato de que os movimentos recentes de Bolsonaro podem ter afastado o presidente de forças que o apoiaram durante o período eleitoral, e que vinham votando com o governo no Congresso.
Integrante do DEM, a deputada Dorinha Seabra Rezende (TO), por exemplo, contesta o posicionamento do presidente na gestão do combate ao coronavírus. "Bolsonaro precisa entender que essa questão vai além das convicções pessoais. Não estamos falando de uma brincadeira de 'jogo do contente'. É preciso apresentar medidas estruturantes", destacou.
A parlamentar ainda elogiou a atuação de Rodrigo Maia. "Rodrigo tem uma condução excelente na casa, promove o diálogo com diferentes correntes políticas. Bolsonaro está agindo na base do 'eu ganhei, demiti o ministro do seu partido'. Mas ele não pode pensar assim", avaliou a deputada.
Segundo ela, seu partido não deve romper com Bolsonaro, porque "nunca foi governo". " O DEM tem uma ministra, a da Agricultura, Tereza Cristina, que faz um excelente trabalho, mas não foi uma indicação do partido. Então, se nós nunca fomos governo, não podemos agora falar sobre deixarmos de ser governo", afirmou. O partido tem também outro ministro, Onyx Lorenzoni, da Cidadania, não mencionado pela deputada.
A postura de maior conflito entre DEM e governo, entretanto, até o momento não parte dos correligionários de Rodrigo Maia, e sim de bolsonaristas. Um dos apoiadores do presidente, o deputado Marco Feliciano (sem partido-SP) postou nas redes sociais uma mensagem citando Mandetta, Maia, Alcolumbre, ilustrada com uma imagem do filme "O Poderoso Chefão" – insinuando que os três seriam mafiosos. Também na internet, a deputada Alê Silva (PSL-MG) acusou Rodrigo Maia de "prejudicar a economia para derrubar o governo Bolsonaro".
Ex-desembargador afirma que Brasil pode “se transformar num narcoestado”
Contra “sentença” de precariedade, estados do Sul buscam protagonismo em negociação sobre ferrovia
Câmara de São Paulo aprova privatização da Sabesp com apoio da base aliada de Nunes
Lula afaga o MST e agro reage no Congresso; ouça o podcast
Deixe sua opinião