Um ano e quatro meses após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que a Justiça Eleitoral deve julgar corrupção e lavagem de dinheiro quando houver caixa 2 de campanha, ao menos 78 casos chegaram à segunda instância. Destes, três resultaram em denúncias aceitas e dez em arquivamentos. Ainda não houve condenação nos processos enviados por Cortes superiores às varas eleitorais. A maior parte dos procedimentos tem origem na Operação Lava Jato e segue na fase de investigação, sem acusações apresentadas pelo Ministério Público. Os dados foram levantados pelo jornal O Estado de São Paulo nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) de 15 estados mais o Distrito Federal.
Nos últimos dois anos, o Supremo tomou medidas que foram interpretadas como "derrotas" da Lava Jato — entre elas a decisão de não separar as investigações de crimes comuns e eleitorais quando há relação entre eles. O argumento era que a esfera eleitoral não estava estruturada para processar e julgar delitos complexos como corrupção. Um dos temores de procuradores era a anulação de condenações. Atualmente os métodos da operação e seu legado são alvo de ofensiva da própria Procuradoria-Geral da República.
Em comparação com o histórico da força-tarefa de Curitiba, o ritmo das investigações segue em passos mais lentos na Justiça Eleitoral. Em março de 2015, quando a Lava Jato completou um ano, a Justiça Federal no Paraná já havia aceitado 19 ações penais contra 82 réus e cinco ações civis públicas que envolviam empreiteiras.
A primeira sentença veio após sete meses de Operação, quando o então juiz Sergio Moro condenou Carlos Habib Chater, um dos doleiros que deram origem às investigações, além de Rene Pereira e André Catão de Miranda pelos crimes de tráfico de drogas, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
A decisão do STF de não separar as investigações continua dividindo opiniões. Especialistas da área de Direito Eleitoral veem pouco sentido na crítica e dizem que os processos foram recebidos ainda em fases preliminares de investigação. Eles também apontam que a previsão de enfraquecimento das acusações, nos casos em que já houve denúncia, não se concretizou. Já para o procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, os dados reforçam a percepção de que o deslocamento dos processos atrasou o andamento das apurações.
A denúncia contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é uma das ações mais recentes entre os processos da Lava Jato. O tucano se tornou réu na semana passada por acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa 2 de R$ 11,9 milhões pagos pela Odebrecht nas campanhas de 2010 e 2014.
O juiz Marco Antonio Martin Vargas aceitou a denúncia uma semana após ser apresentada pelo Ministério Público Eleitoral de São Paulo. A defesa do ex-governador afirmou que ele "nunca recebeu valores a título de contribuição de campanha eleitoral que não tenham sido devidamente declarados nos termos da legislação vigente". Disse também que as acusações são falsas, e que o processo aberto vai "provar a sua improcedência".
Denúncias da Lava Jato aceitas na esfera eleitoral tramitam em SP, Goiás e Rio Grande do Sul
As ações que tiveram denúncias aceitas tramitam em São Paulo, Goiás e Rio Grande do Sul. Já entre os inquéritos arquivados, os trabalhos foram paralisados ainda na fase de investigação. Entre eles estão quatro procedimentos no Distrito Federal que, segundo o Tribunal Regional Eleitoral, foram apenas parcialmente arquivados em relação às suspeitas de crime eleitoral.
Também foi arquivada uma notícia-crime contra o então candidato petista a deputado federal Jorge Bittar, que conforme denúncia solicitou doação para sua campanha e não informou o valor na prestação de contas, o que configuraria prática de caixa 2.
Os fatos foram relatados por dois informantes, em acordo de colaboração com o MPF, mas o crime prescreveu. Na decisão, o juiz ressalta que sete anos se passaram entre a data do pleito (2010) e a decisão, sendo que a Justiça Eleitoral nem "sequer" se manifestou sobre os fatos apurados. Além disso, o magistrado acrescentou que o investigado completou 70 anos. Ao jornal O Estado de S. Paulo, a defesa do político afirmou que todos os valores da campanha foram declarados e Bittar não responde a nenhum processo por caixa 2.
Nessa esfera também tramita parte dos inquéritos contra o senador José Serra (PSDB-SP). Ele é investigado por supostos repasses de R$ 5 milhões em caixa 2 para sua campanha em 2014, e foi alvo de operações de busca e apreensão há duas semanas.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, determinou a suspensão do processo, além de uma ação por lavagem de dinheiro que tramita na 6ª Vara Criminal de São Paulo. A decisão vale até que o relator das ações no Supremo, ministro Gilmar Mendes, analise o caso. A defesa de Serra apontou que houve "excesso e ilegalidade das medidas determinadas" na primeira instância e "inegável tentativa de criar fantasias relacionadas a seu mandato parlamentar".
Entre os réus dos processos remetidos aos tribunais eleitorais também está o ex-governador Marconi Perillo (PSDB-GO), que responde a uma ação penal por desvio de dinheiro público em prol de sua campanha, associação criminosa e ocultação de provas. O caso chegou a tramitar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro destinado ao julgamento de governadores, e foi posteriormente devolvido à Justiça Eleitoral em Goiás. À época, Perillo disse que o caso se referia a ações legais de campanha, e negou qualquer irregularidade.
O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) chegou a ser condenado por suposto caixa 2 na campanha de 2012 pelo juiz da 1ª Zona Eleitoral, mas foi absolvido em julho pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O processo teve origem em delações da Lava Jato, mas tramitou na Justiça Eleitoral antes da decisão do STF.
Para procurador, demanda das eleições pode sobrecarregar Justiça Eleitoral
O procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, avalia que a demanda das eleições municipais pode sobrecarregar a Justiça Eleitoral, o que – somado à paralisação que ocorreu durante a pandemia – pode fazer com que as investigações sejam postergadas. “Pela maneira como se estruturou o funcionamento da Justiça Eleitoral, os juízes e promotores são designados periodicamente, então por mais que eles queiram envolver a sua função, eles não estão ali permanentemente cumprindo seus papéis”, disse.
Mesmo após a decisão do STF, ele defende que os casos fiquem na esfera criminal. “Todas as discussões inerentes à eleição vão sobrecarregar a demanda da Justiça Eleitoral, e tudo aquilo que precisava ser examinado por conta dos casos de corrupção fica prejudicado. Os prazos de prescrição vão correndo e aquela tese de prejuízo se fortalece.”
Advogados e especialistas na área de Direito Eleitoral ouvidos pela reportagem dizem, no entanto, que o número reduzido de denúncias apresentadas até agora não sustenta a crítica, feita à época do julgamento no STF, de que a migração dos processos enfraqueceria as acusações. Eles dizem que a lei é explícita ao dar à Justiça Eleitoral a responsabilidade por analisar crimes relacionados a campanhas eleitorais.
O advogado Fernando Neisser, membro da comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto de Advogados de São Paulo (Iasp), observou que os Ministérios Públicos Eleitorais formaram equipes especializadas, aos moldes de forças-tarefa, e os tribunais produziram normas especiais para os inquéritos criminais, como manter juízes por mais tempo nessas varas para não prejudicar o andamento das investigações.
“A Justiça Eleitoral trabalhou na velocidade em que é possível trabalhar, deu as respostas ao problema e os processos estão em andamento”, disse Neisser. “O que havia eram investigações deflagradas e muitas delas calcadas simplesmente em delações, mas que ainda não haviam iniciado propriamente os processos de inquérito.”
O professor Diogo Rais, do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas, concorda. “Se o inquérito não é denunciado, pode ser que ele não esteja pronto – e isso não significa necessariamente ineficiência. Às vezes é rigor e cuidado com ampla defesa.”
Ele ainda ressalta que o STF dificilmente poderia ter uma decisão diferente daquela que enviou os processos às varas eleitorais, no ano passado. “Essa é a regra do Código Eleitoral, de 1975. O Supremo reafirmou a legislação, e me estranhou a surpresa”, afirmou.
-
Relatório americano expõe falta de transparência e escala da censura no Brasil
-
“A ditadura está escancarada”: nossos colunistas comentam relatório americano sobre TSE e Moraes
-
Jim Jordan: quem é campeão de luta livre que chamou Moraes para a briga
-
Aos poucos, imprensa alinhada ao regime percebe a fria em que se meteu; assista ao Em Alta
Ampliação de energia é o maior atrativo da privatização da Emae, avalia governo Tarcísio
Ex-desembargador afirma que Brasil pode “se transformar num narcoestado”
Contra “sentença” de precariedade, estados do Sul buscam protagonismo em negociação sobre ferrovia
Câmara de São Paulo aprova privatização da Sabesp com apoio da base aliada de Nunes
Deixe sua opinião