O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segue fortalecido mesmo sem as emendas de relator à lei orçamentária – o chamado "orçamento secreto", que foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar do revés no STF, Lira deu a volta por cima na condução das negociações para aprovar a PEC fura-teto na Câmara. Ele "salvou" o pagamento das emendas de relator previstas para 2023 (que eram de interesse dos parlamentares) e garantiu uma vitória ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que queria a aprovação da PEC. Com isso, mesmo com menos poder sem o orçamento secreto, ele manteve influência política decisiva.
Aliados mais próximos, parlamentares independentes e até deputados que ensaiam uma oposição a ele na eleição para a presidência da Câmara, em 1º de fevereiro, reconhecem que Lira perde autonomia e até se enfraquece sem emendas de relator. Mas é quase consensual a avaliação de que ele ainda tem poder e capital político o suficiente para manter o comando da Casa pelos próximos dois anos. Lira também manteve a influência para indicar ministros para Lula.
O orçamento secreto dava um grande poder a Lira porque a escolha do relator da lei orçamentária é feita pela cúpula do Congresso. E o escolhido é um aliado dos dirigentes do Legislativo – o que garante a eles influência sobre o orçamento federal.
Mas o fim do orçamento secreto, decretado em julgamento do STF na segunda-feira (19), não tirou todo o poder das mãos de Lira. O presidente da Câmara se manteve fortalecido com a fórmula encontrada para remanejar os R$ 19,4 bilhões que seriam destinados para o orçamento secreto em 2023. O relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), anunciou que metade dos recursos será aplicada em emendas individuais (RP6), que são impositivas (ou seja, de execução obrigatória), e a outra metade vai elevar as emendas de bancada estadual discricionária (RP2), que não são impositivas. A mudança foi negociada com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e foi incluída no texto-base da PEC fura-teto aprovado na noite de terça-feira (20) na Câmara.
Na prática, o aumento de recursos em emendas impositivas amplia a autonomia individual dos parlamentares e diminui a força que Lira e o relator do Orçamento tiveram desde que as emendas de relator (que não são impositivas) foram infladas e se transformaram em uma moeda de troca entre o Congresso e o governo federal. Como o orçamento secreto passou a ter um peso maior na composição de todas as emendas ao orçamento e ele era "dominado" por um pequeno grupo de parlamentares, eles tinham mais força.
Mas a não impositividade das emendas de bancada estadual discricionária (RP2) segue a lógica inversa, e fortalece Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Isso porque essas emendas, por não terem a execução obrigatória pelo governo federal, precisam de influência política para serem liberadas – o que Lira e Pacheco têm.
"É na RP2 que Arthur [Lira] continua tendo força, porque é um acordo que foi fechado com o governo [eleito] para ceder [recursos] para ele [Lira] e Pacheco, como era no passado, antes de [Jair] Bolsonaro. Agora, as negociações [para liberar as emendas] vão voltar a ser na Secretaria de Governo. Quem combina o jogo com o governo serão os presidentes da Câmara e do Senado", diz uma liderança aliada de Lira de um dos partidos do Centrão, que pediu para não ter seu nome divulgado. "O Arthur [Lira] perde um pouco de autonomia, sim. Mas o poder seguirá compartilhado com o Congresso. Ele não teria autorizado a votação [da PEC] se não tivesse um acordo."
O líder do Novo na Câmara, Tiago Mitraud (MG), alertou em plenário seu entendimento de que a negociação que remaneja recursos para as RP2 "maquia" uma constitucionalização do orçamento secreto, inclusive assegurando o protagonismo aos respectivos relatores-gerais do Orçamento. Mitraud alertou que o artigo 8º da PEC fura-teto autoriza o relator-geral do Orçamento a "apresentar emendas para ações voltadas à execução de políticas públicas até o valor de R$ 9,85 bilhões". "Seria esse artigo apenas um outro nome para as emendas de relator? Qual vai ser o critério?", indagou. "Na 'melhor' das hipóteses, são R$ 10 bilhões para negociata entre o Executivo e o Congresso Nacional, naquele velho estilo que todos nós aqui conhecemos", acrescentou.
Como o acordo com Lula pela PEC fura-teto mantém Lira fortalecido
A manobra de rearranjo orçamentário é um dos fatores apontados reservadamente por cinco lideranças partidárias da Câmara ouvidas pela Gazeta do Povo que avaliam, unanimemente, a manutenção de poder de Lira mesmo com o revés imposto pelo STF ao derrubar o orçamento secreto. "O presidente da Câmara é sempre forte. Só perde o status de 'imperador' quando deixa o cargo", diz uma fonte mais independente em relação a Lira.
A aprovação da PEC fura-teto é a confirmação de um acordo bilateral firmado entre Lira e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lideranças do Centrão e independentes dizem que a negociação orçamentária credencia Lira por ter remediado os interesses do Parlamento em manter sob seu domínio os quase R$ 20 bilhões em emendas, e até afirmam que ele próprio atuou para virar votos e aprovar a PEC.
Ainda na votação do requerimento de retirada da PEC de pauta, Lira atuou para que parlamentares de diferentes partidos não votassem. E entre alguns dos que votaram a favor do requerimento, ele trabalhou posteriormente para votarem a favor do mérito da PEC. Isso inclui negociações dentro da própria bancada do PL (partido do presidente Jair Bolsonaro), inclusive com a promessa de liberação de recursos de emendas parlamentares. "A votação da PEC teve as digitais do Arthur [Lira], a pedido ou combinado com ele. A base [de Lula] está se formando", diz um dos deputados.
A redução do prazo de validade da PEC de dois anos para um ano e a manutenção dos R$ 145 bilhões acima do teto de gastos previstos são aspectos que ressaltam o poder de Lira, na opinião das lideranças ouvidas pela reportagem. Ele foi um dos principais responsáveis por assegurar o acordo que manteve o volume extra-teto almejado por Lula e em um período considerado ideal pelos líderes partidários (apenas um ano – o que exigirá que o futuro presidente tenha de negociar com o Congresso, no ano que vem, por exemplo, a manutenção do valor de R$ 600 do Bolsa Família com dinheiro fora do teto de gastos).
O prazo de dois anos para Lula romper o teto nunca foi considerado algo viável por líderes partidários e suas bancadas, que querem manter o protagonismo e independência do Congresso. "O Orçamento se dá aos poucos. É assim também no orçamento americano. Se precisar de tanto, vai lá e entrega para o governo. Não poderíamos entregar o que o Lula quer. Se não, acabou o Congresso", diz uma liderança próxima do presidente da Câmara.
Apesar do acordo selado entre Lira e Lula, as negociações não foram simples. Muitos até desconfiam que o placar do julgamento do STF sobre o orçamento secreto teve influência de Lula. "O Arthur [Lira] tinha realmente uma pressão exacerbada e uma hegemonia muito forte. A decisão do Supremo deu um respiro ao Lula. Tirou ele das cordas, porque tinha muita pressão do Arthur sobre ele. Tinha o acordo [de reeleição] para a Mesa [Diretora] e ele ainda começou a pedir tudo e mais um pouco, ministérios, estatais, cargos e orçamento", afirma. O PT já havia se comprometido a apoiar a reeleição de Lira.
Da mesma forma que a decisão do STF deu mais força a Lula na mesa de negociações com Lira, ela também uniu os parlamentares na defesa do presidente da Câmara, inclusive para sua recondução ao cargo. "O julgamento [do STF] levou muitos deputados a se perguntarem: 'se fazem isso com um cara inteligente e articulado como o Arthur [Lira], a gente vai eleger quem no lugar?'. É aí que os caras [governo] atropelariam mesmo. Mesmo enfraquecido na questão orçamentária, ele ainda tem patrimônio político muito forte em defesa dos interesses dos deputados", afirma um aliado próximo.
O que o presidente da Câmara pediu a Lula para aprovar a PEC
A influência sobre o orçamento secreto e o capital político acumulado desde antes de assumir a presidência da Câmara possibilitou Lira construir sua "tropa de choque". Segundo aliados, ele teria uma base pessoal composta por 150 deputados fiéis a ele, o equivalente a cerca de 30% da Casa, que é composta por 513 parlamentares. Outros afirmam que sua base é ainda maior, e chegaria a 200 deputados.
Para atender a seus aliados e manter sua influência, Lira negociou com Lula não apenas a manutenção de parte do orçamento secreto. Ele também barganhou o comando dos ministérios de Minas e Energia, do Planejamento, da Saúde e da Integração Nacional (que será recriado mediante o desmembramento do atual Ministério do Desenvolvimento Regional).
O controle de estatais também chegou a ser negociado, a exemplo da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Antes da votação da PEC, o próprio Lira havia atuado nos bastidores para aprovar o projeto que altera a Lei das Estatais como um aceno para uma aliança com com Lula – uma das mudanças aprovadas permite indicações políticas para o comando das empresas públicas, o que interessa tanto ao petista quanto ao Centrão, grupo do qual o presidente da Câmara é um dos líderes.
O pedido de espaços nas administrações direta e indireta do futuro governo de Lula tem por objetivo acomodar aliados de Lira. "O Arthur pediu 200 cargos à base dele. Ele sabe que, se não atendê-los, os votos que ele tem somem", alerta uma liderança do Centrão.
Um dos nomes que o presidente tenta emplacar na equipe ministerial petista é o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), que relatou a PEC fura-teto na Casa. Lira sugeriu Nascimento como futuro ministro da Integração Nacional. Até por não ser uma indicação da cota pessoal da cúpula do União Brasil, a legenda pede mais um ministério para Lula, a fim de acomodar um senador.
Apesar de todo o interesse do Centrão, Lula não deu sinais de que cederá a todas as demandas.
As consequências dos acordos de Lira na eleição interna da Câmara
A indicação de Lira de Elmar Nascimento para Lula também tem por objetivo consolidar o acordo com o União Brasil pelo apoio à sua reeleição para presidente da Câmara. Até segunda-feira (19), alguns opositores e até nomes mais independentes ensaiaram lançar uma candidatura de oposição a Lira. Seria uma candidatura conjunta entre partidos de esquerda e de centro. Mas o movimento foi abortado após a articulação entre Lira e Lula envolvendo a PEC fura-teto.
O presidente do União Brasil, deputado federal Luciano Bivar (PE), foi um nome cogitado para a presidência da Câmara nessas articulações. Mas a ideia tem poucas chances de vingar devido a negociações conduzidas por ele com Lira e Lula. Outro motivo apontado nos bastidores é que a legenda está rachada e o vice-presidente do União Brasil, Antônio Rueda, não estaria cumprindo acordos políticos, incluindo na Câmara.
"Além do Elmar estar nesse front, o Rueda deixou o União descredibilizado por não cumprir acordos. Isso respingou no Bivar, que ainda enfrenta divisões internas [em seu partido]", diz uma liderança do partido. "É o Bivar quem está conduzindo as negociações e conseguiu um acordo para ele ser reconduzido à primeira-secretaria [da Câmara] e ainda tenta os dois ministérios. Por isso tudo, não acho que vai haver uma rota de colisão com o Arthur [Lira]."
A falta de apoio de legendas de centro é outro ponto que limita candidaturas para enfrentar Lira. "O Baleia [Rossi, presidente do MDB] foi sondado sobre a possibilidade de construção de uma [candidatura], mas ele descartou", afirma uma liderança independente ao presidente da Câmara. Além dos dirigentes emedebistas e do União Brasil, os do PSD e Republicanos são outros que evitam se opor a Lira.
"Dificilmente o Arthur [Lira] vai deixar de ser reeleito, porque os acordos estão firmados. O União Brasil não vai dar um cavalo de pau e recuar do acordo. O [Gilberto] Kassab [presidente do PSD] já deu palavra ao Arthur. O Marcos [Pereira, presidente do Republicanos] e o Valdemar [Costa Neto, presidente do PL] também. E Lula não vai comprar uma briga de recuar do acordo firmado esta semana [pela aprovação da PEC fura teto]", diz uma das lideranças ouvidas pela reportagem.
Por esse motivo, nomes cogitados como possíveis candidatos de oposição a Lira – como o dos deputados federais eleitos Guilherme Boulos (Psol-SP) e Marina Silva (Rede-SP) – são rechaçados. "Isso é piada. A chance é zero. O Lula não vai cometer o erro que a Dilma [Rousseff] cometeu", diz uma liderança do Centrão. Ele se refere a lançamento, em 2015, da candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP) contra Eduardo Cunha (MDB-RJ) na eleição para presidente da Câmara – o emedebista virou inimigo da petista e abriu o processo de impeachment dela.
Outro deputado do Centrão avalia que Lira se enfraquece sem as emendas de relator, mas não fica inviabilizado nem fragilizado. "Ele mantém a base dele. Não quer dizer que, com ela, conseguirá levar a reeleição no primeiro turno. Depende se o Lula vai manter o acordo. Mas é difícil ele não ser reeleito. Querendo ou não, ele ajudou muitos deputados", diz o parlamentar. "O Arthur até está 'voltando a ser deputado', está respondendo os deputados pelo WhatsApp, coisa que antes não fazia."
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