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Mesa Diretora da Câmara
Deputado Marcos Pereira (SP), presidente nacional do Republicanos e primeiro vice-presidente da Câmara, cumprimenta o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL)| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), experimentou o primeiro declínio em seu considerável poder de influência em um curto período de apenas uma semana. A falta de cumprimento das promessas feitas por Lira a deputados resultou na formação do maior bloco partidário da Câmara, com 142 deputados, dos partidos MDB, PSD, Podemos, Republicanos e PSC.

A formação no bloco, que ocorreu na terça-feira (28), também foi em parte causada por uma derrota anterior. Na quinta-feira (23), o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), forçou a instalação imediata de comissões mistas – formadas por deputados e senadores – para analisar medidas provisórias (MPs) editadas pelo governo Lula. Lira se opôs, ameaçou sabotar as comissões, mas acabou cedendo. Sua derrota encerrou uma queda de braço de quase dois meses entre a Câmara o Senado. Lira queria manter o rito expresso de tramitação das MPs, adotado na pandemia, que favorecia a Câmara.

Lira ainda é detentor do maior domínio político já obtido por um presidente da Câmara, construído com sua reeleição de 1º de fevereiro. Na ocasião, ele recebeu 464 dos 513 votos do plenário e apoio de 20 partidos, com uma oposição restrita aos extremos PSOL e Novo.

Mas, ele não conseguiu repartir os prometidos espaços extras de poder a apoiadores internos, na forma de mais cargos na própria Câmara ou indicações na máquina de governo, além de mais verbas do Orçamento Federal. Por isso, teve que assistir à inesperada criação de bloco partidário majoritário na Câmara, formado por MDB, PSD, Podemos, Republicanos e PSC, que ficará situado fora do seu controle direto.

Pelas redes sociais, Lira parabenizou os líderes dos partidos que formam o novo bloco. "Sempre defendi a unidade para reduzirmos o número de partidos, fortalecendo-os e dando à sociedade confiança no nosso sistema partidário", publicou ele juntamente com uma foto tirada na quarta-feira (29) com os deputados líderes das legendas Hugo Motta (Republicanos-PB), Isnaldo Bulhões (MDB-AL), Antonio Brito (PSD-BA) e Fábio Macedo (Podemos-MA), este eleito para liderar o bloco. Sua intenção era mostrar que não se sentiu em nada ameaçado de perder relevância após a novidade.

O agrupamento de legendas se descola do chamado blocão, forjado na articulação para reeleger Lira à Presidência da Casa. O líder Fábio Macedo, que também lidera o Podemos e o PSC, é ligado ao ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB). Ele negociará de forma autônoma pautas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Seu vice é o líder do PSD, Antonio Brito.

A mudança reflete também o desejo dos caciques Baleia Rossi (MDB-SP) e Gilberto Kassab (PSD-SP) de descolarem suas siglas do Centrão. A eles se juntou o deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, primeiro-secretário da Câmara e, curiosamente, aliado de Lira. MDB, PSD, e Republicanos têm 42 deputados cada; Podemos, tem 12, e PSC (em processo de fusão com o Podemos) tem quatro. MDB e PSD integram formalmente a equipe do governo.

Em seu primeiro mandato como deputado federal, Macedo é um dos poucos maranhenses com destaque na Câmara, justamente em razão de seus feitos na condução de articulações com o governo e a oposição. “Tive a honra de ser eleito líder do maior bloco da Câmara, composto por grandes partidos, cujos líderes chegaram ao consenso em torno de meu nome. Com humildade e firmeza, assumo o compromisso com os valores sociais e econômicos desse grupo de parlamentares e espero que todos trabalhemos com unidade e força”, disse ele à Gazeta do Povo, sem querer antecipar quaisquer posicionamentos em votações futuras.

A base expressamente governista da Câmara é composta pela federação de esquerda PT-PCdoB-PV (81 deputados), PDT (17), PSB (14), PSOL-Rede (14), Avante (sete) e Solidariedade (cinco), totalizando 138 deputados. Se o novo bloco vier a atuar favoravelmente ao governo, Lula poderá, em tese, alcançar 280 votos, suficientes para aprovar projetos. Com isso, estaria resolvida a questão alertada pelo próprio Lira, de que o governo "não tem votos para aprovar nem uma matéria simples" na Casa.

O consenso nos bastidores é que Lira deixou de ser o único fiador da governabilidade, embora continue sendo responsável por definir a pauta da Câmara e sendo fator-chave na aprovação, por exemplo, de emendas à Constituição no seu biênio.

Mas, após a criação do novo bloco, há rumores de que Lira não perdeu tempo e já iniciou tratativas com líderes de outras legendas, até de fora do Centrão, para reagir e criar outro bloco, o qual pode ser ainda maior do que o novo grupamento.

Longa queda de braço com Pacheco provocou desgaste

A formação do novo bloco é reflexo também do embate de Lira com Pacheco. A conversa entre eles estava empacada diante da rigidez do presidente da Câmara, que ainda quer acabar com a paridade das comissões para análise das medidas provisórias e estabelecer a proporção de três deputados para cada senador, o que tem a rejeição integral do Senado. Pacheco não quer saber da mudança, que alteraria a regras vigente há duas décadas. Mesmo assim, ele submeteu a proposta de Lira ao colégio de líderes do Senado, que a rechaçou de pronto.

“Todas MPs serão despachadas para as comissões mistas, sem qualquer condição. Avaliamos a razoável ponderação da Câmara de modificar o prazo para apreciação nesses colegiados”, disse Pacheco em entrevista coletiva na terça-feira (28). Ele se referia a uma mudança que limita o tempo que as comissões têm para analisar mas medidas provisórias, para agilizar todo o processo.

Mas ele fez questão de dizer ser “muito difícil” ver avançar a segunda ponderação de Lira, acerca da composição proporcional das comissões.

Preocupado com a perda de validade das suas MPs, caso não sejam votadas, Lula conversou com Lira e com Pacheco para tentar mediar um entendimento. O presidente da Câmara aproveitou o clima de guerra para mandar um recado ao Planalto: os deputados não têm a representatividade que os senadores têm no governo. O acerto até agora é de que Lula espera a aprovação em tempo de três medidas provisórias sensíveis, como a do Bolsa-Família e a que define o organograma da Esplanada dos Ministérios, trocando o restante por projetos de lei em regime de urgência.

“Não é justo que o Congresso esteja imobilizado por questão que poderia ser tratada como sempre ocorreu, com debate amplo, democrático e obediente aos ritos regimentais e constitucionais”, protestou Eduardo Braga (AM), líder do MDB no Senado e aliado de Renan Calheiros (MDB-AL), rival de Lira no plano estadual.

Bloco majoritário muda a relação da Câmara com governo

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que o rearranjo partidário na Câmara espelha apenas os ajustes decorrentes das definições mais claras dos novos centros de poder. Para eles, após a mudança de comando no país – da direita para a esquerda –, a renovação do Congresso e as investidas de Lira em busca de espaços adicionais, o centro político trabalha para reacomodar as relações entre Legislativo e Executivo.

“Lula sempre foi o ator principal da composição política nos seus governos e é natural que o núcleo fisiológico do Parlamento se adapte para sobreviver ao contexto e estabeleça modelos de governança”, explica Eduardo Galvão, professor de Políticas Públicas e Relações Institucionais do Ibmec-DF. Ele avalia que Lira “apostou alto demais, jogando todas fichas para obter maior ganho possível”. “Ao testar limites da própria influência, o presidente da Câmara teve seu peso no jogo atualizado”, resumiu.

Para o especialista, Lira e a Câmara podem estar mais perto dos contornos institucionais que lhes caberão na atual gestão petista do país. O avanço do Legislativo sobre áreas do Executivo envolveu de propostas de adoção do regime semipresidencialista a autorização para parlamentares serem nomeados embaixadores. “Lira foi atirando para todo lado, dia após dia, para ver até onde poderia chegar”, lembrou.

O estrategista de um dos partidos do novo bloco, que pediu anonimato, reconhece que o ideal para Lira seria que o bloco majoritário fosse o que o partido dele estivesse. Não por acaso, ele se esforçou para confirmar até março a aliança ou federação entre o PP e o União Brasil, frustrada devido a impasses regionais. Juntos, os partidos somariam 108 deputados, superando as então outras bancadas.

O observador vê no surgimento do bloco indiretamente rival de Lira um risco ao plano do presidente da Câmara de fazer o sucessor. E o desafiante que começa a surgir no horizonte é o seu correligionário Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator do projeto de reforma tributária. Ele foi ministro das Cidades no governo Dilma Rousseff (PT) e líder do governo Michel Temer (MDB) na Câmara.

Para ele, Lira prometeu mais do que podia entregar para se reeleger, a fatura está sendo cobrada. E à medida em que demora a atender demandas, inicia-se a reação intramuros. O objetivo agora é buscar espaço nas indicações para as comissões de MPs.

Apesar de todos os analistas concordarem que Lira saiu enfraquecido com o surgimento do novo bloco, alguns discordam que o arranjo colocará suas legendas mais próximas de Lula. Para esses, as movimentações internas refletem apenas a disputa de poder dentro da própria Câmara, sem gerar necessariamente benefício ou prejuízo ao governo.

Além disso, a disputa dentro dos plenários está superando a importância da relação entre Legislativo e Executivo, sobretudo devido à omissão do Executivo, que não está conseguindo estabelecer a agenda legislativa. Os analistas lembram também que a articulação da base encontra dificuldades para fidelizar até mesmo parlamentares tradicionalmente mais próximos de Lula. Com isso, a missão número um dos líderes do governo na Câmara, no Senado e no Congresso, e do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha - que é criar uma base governista sólida -, ainda não está concluída.

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