Ouça este conteúdo
O lançamento das tarifas internacionais contra a maioria dos países por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta semana, foi visto dentro do Palácio do Planalto como uma oportunidade política para o presidente Luiz Inácio do Lula da Silva (PT). Além de uma tentativa de aproximação com o setor produtivo brasileiro, o presidente petista aproveitou o episódio para subir o tom em relação ao norte-americano.
"Diante da decisão dos Estados Unidos de impor uma sobretaxa aos produtos brasileiros, tomaremos todas as medidas cabíveis para defender nossas empresas e nossos trabalhadores", declarou Lula nesta quinta-feira (3) em um evento que lançou a campanha do governo "O Brasil é dos brasileiros" em clara oposição a Trump.
A crítica também aconteceu um dia após o Congresso Nacional aprovar uma lei que permite que o Brasil adote a reciprocidade nas relações comerciais com outros países.
A postura de Lula em relação às tarifas mudou depois que o Brasil foi incluído na menor faixa de taxação, de 10%. O Brasil integra a lista de países com a menor alíquota imposta, junto com Argentina, Singapura e Reino Unido, por exemplo.
Já outros países e regiões sofrerão com tarifas maiores: países da União Europeia (tarifa de 20%), China: (54%), Vietnã (46%), Tailândia (36%), Japão (24%), Camboja (49%), África do Sul (30%) e Taiwan (32%). A Casa Branca informou que novas regras entram em vigor em 5 e 9 de abril.
Durante visita ao Japão em março, Lula havia dito que iria "gastar todas as palavras que estão no nosso dicionário" para negociar com o governo Trump.
Lula, no entanto, diz que vai aproveitar a Lei da Reciprocidade, aprovada nesta semana, para tentar fazer frente ao governo norte-americano - mesmo antes de ficar claro se o Brasil vai sair ganhando ou perdendo com as mudanças no cenário internacional. Segundo analistas, a taxação mais alta contra outros países pode gerar retaliações aos Estados Unidos e tornar os produtos brasileiros mais competitivos em muitos mercados.
Em seu discurso, o petista disse que o Brasil é “um país que não tolera ameaça à democracia, que não abre mão da sua soberania, que não bate continência para nenhuma outra bandeira que não seja a verde e amarela”.
“[O Brasil] fala de igual para igual e respeita todos os países, dos mais pobres aos mais ricos. Mas que exige reciprocidade no tratamento. Defendemos o multilateralismo e o livre comércio e responderemos a qualquer tentativa de impor o protecionismo que não cabe mais hoje no mundo”, disse Lula.
O discurso do presidente, no entanto, vai na contramão das ações de seu governo para os brasileiros. Em junho do ano passado, por exemplo, o petista sancionou a chamada "taxa das blusinhas", que inclui a taxação de 20% para compras internacionais abaixo de U$$ 50 (cerca de R$ 250).
Agora, a tentativa de Lula faturar politicamente no caso da taxação dos EUA é capitaneada pelo ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação (Secom).
A movimentação acontece na mesma semana que uma pesquisa feita pela Quaest mostrou que a desaprovação do presidente brasileiro chegou a 56% – o pior índice desde o início do mandato. A Quaest ouviu 2.004 pessoas entre os dias 27 e 31 de março em 120 municípios brasileiros. A margem de erro é de 2 pontos percentuais e nível de confiança de 95%.
Lula quer usar tarifa de Trump para fazer acenos ao setor produtivo e ao Congresso
Apesar do embate público de Lula, assessores do governo acreditam que a alíquota imposta por Trump ao Brasil foi uma "vitória" da diplomacia brasileira. Além disso, a avaliação interna entre os petistas é de que o episódio abriu uma janela de oportunidade junto ao setor produtivo brasileiro e ao Congresso Nacional.
Em março, a Casa Branca já havia decretado uma tarifa de 25% sobre todas as importações de alumínio e aço, sendo o Brasil um dos principais exportadores desse tipo de matéria-prima para os norte-americanos. Esses produtos agora são taxados em 35%. Desde então, o governo disse que seus integrantes estariam atuando por meio da diplomacia para tentar mitigar os efeitos das taxas do governo Trump ao mercado brasileiro.
O secretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Maurício Lyrio, por exemplo, viajou aos Estados Unidos acompanhado de outros diplomatas para tentar buscar alternativas. Além disso, o chanceler Mauro Vieira teve ao menos duas conversas com Jamieson Greer, representante dos Estados Unidos para o comércio. Nenhuma dessas iniciativas teve sucesso até o momento e as tarifas estão mantidas.
Agora, a expectativa é de que Lula reúna empresários do setor produtivo e o Congresso Nacional como forma de mostrar "unidade de país" nas negociações. As tratativas serão retomadas na próxima semana e o objetivo, segundo governistas ouvidos pela reportagem, é de tentar reduzir a taxa de 10% ou excluir o máximo possível de produtos da lista taxada a 35%.
Em nota após o anúncio de Trump, o governo brasileiro lamentou a medida e lembrou que o comércio bilateral acumula saldos positivos para os Estados Unidos — US$ 43 bilhões na soma dos últimos dez anos, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
No último ano, o saldo também ficou positivo para os norte-americanos em cerca de US$ 300 milhões. O país de Trump comprou US$ 40,4 bilhões em produtos do Brasil (12% das exportações brasileiras) e vendeu US$ 40,7 bilhões (15,5% das importações do Brasil).
Em nota, o governo Lula informou que pretende consultar o setor privado para "avaliar o impacto das novas tarifas e defender os interesses dos produtores nacionais junto ao governo dos EUA".
"Ao mesmo tempo em que se mantém aberto ao aprofundamento do diálogo estabelecido ao longo das últimas semanas com o governo norte-americano para reverter as medidas anunciadas e contrarrestar seus efeitos nocivos o quanto antes, o governo brasileiro avalia todas as possibilidades de ação para assegurar a reciprocidade no comércio bilateral", diz o comunicado.
Lei da Reciprocidade vira aposta do governo para negociar com os EUA
Em outra frente, o governo aposta na Lei da Reciprocidade para ampliar os mecanismos de reação contra o governo Trump. A ideia é que essa nova legislação permita ao Brasil adotar retaliações sem necessidade de prévia autorização da Organização Mundial do Comércio (OMC) — órgão que está quase paralisado.
O projeto da reciprocidade foi aprovado nesta semana pelo Senado e pela Câmara após uma mobilização da bancada do agronegócio. O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, chegou a recuar da obstrução que tem feito para pressionar pelo projeto da anistia para também colaborar com a aprovação do texto no Congresso Nacional.
"Nós do PL continuaremos trabalho de obstrução. Mas alcançado o quórum mínimo, mudamos orientação do PL. Não é salvo-conduto para o governo, que não merece cheque em branco, mas estamos aqui porque o agronegócio é do Brasil", disse Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
Pelas redes sociais, o ex-presidente Bolsonaro, aliado de Trump, afirmou que as tarifas do atual presidente dos Estados Unidos são apenas uma forma de proteger o país do “vírus socialista”.
Apesar do embate histórico entre petistas e integrantes do agronegócio, a bancada do governo Lula, por outro lado, aproveitou o anúncio das tarifas por parte de Trump para fazer acenos ao grupo. O projeto de lei original, de autoria do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), tinha como proposta ser uma resposta à crescente imposição de barreiras ambientais unilaterais pela União Europeia, como a "lei antidesmatamento" que tem previsão de entrar em vigor a partir de 31 de dezembro deste ano.
O texto final aprovado foi o da senadora Tereza Cristina (PP-MS), que também impõe medidas de reação àquilo que é visto como práticas protecionistas disfarçadas com a bandeira da sustentabilidade, além de prever medidas para reequilibrar o jogo comercial. O projeto define como alvo qualquer país ou bloco econômico que decida adotar medidas unilaterais e ações que prejudiquem a competitividade internacional de bens e produtos brasileiros, não apenas do agronegócio.
"O PL e os bolsonaristas querem fazer obstrução de qualquer forma, impossibilitando a votação. Isso é ser contra o Brasil, é ser contra o povo, é ser contra o agronegócio. Estão fazendo essa obstrução porque defendem o Trump, defendem os Estados Unidos. O povo brasileiro vai saber definir muito bem quem é responsável por esse processo", disse o deputado Valmir Assunção (PT-BA).
Ainda não é possível saber quais setores produtivos que vão defender retaliação aos americanos. Isso porque as tarifas impostas por outros países em retaliação a Trump podem favorecer algumas áreas, principalmente do agronegócio. Entre os produtos que se tornarão mais competitivos estão o café, o suco de laranja, os ovos e a carne.
Por causa disso, a tentativa do governo de se aproximar de setores do agronegócio defendendo tarifas de retaliação tende a ser mais retórica que prática. Por outro lado, o governo Lula tem uma oportunidade real de ajudar exportadores a prospectar novos mercados que serão abertos com a eventual retração de exportações americanas.