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Oposição durante coletiva que anunciou as 171 assinaturas para a criação da CPI do Abuso de Autoridade.| Foto: Ana Carolina Curvello/ Gazeta do Povo

A vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição passada impôs ao Partido Liberal (PL) e à oposição o desafio de manter um bloco coeso em votações importantes no Congresso Nacional durante o ano de 2023. Sem ter o controle sobre a máquina pública, a direita perdeu o apoio que teve do Centrão nos anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) e viu seu bloco mais fiel reduzido a cerca de um quinto da Câmara dos Deputados. Por outro lado, em alguns momentos, eles conseguiram articular apoios para pressionar o governo.

A tramitação da reforma tributária foi o exemplo mais evidente, ao longo do ano, de que a oposição possui capacidade de fazer pressão em pautas do governo, mas ainda sofre com "traições" internas. Durante a primeira votação na Câmara dos Deputados, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) encampou a ofensiva contra a proposta do Executivo e arregimentou 118 votos no primeiro turno e 113 no segundo. No entanto, 20 deputados de seu próprio partido colaboraram para os 382 votos a favor da proposta.

Nos bastidores, a avaliação é de que esses parlamentares adotaram a postura pró-governo em pautas econômicas para não serem retaliados na distribuição de recursos para seus estados, principalmente no Norte e no Nordeste. Além do PL, o Progressistas (PP) e o Republicanos – que apoiaram Bolsonaro em 2022, mas atualmente ocupam cargos na Esplanada de Lula – vivem uma dualidade entre governo e oposição, a depender da pauta.

Em reserva, um parlamentar do Republicanos comentou que a sigla não apoiará o governo petista em pautas de costume, somente em "pautas econômicas que interessam ao país". Apesar disso, a oposição na Câmara calcula ter entre 100 e 120 deputados fiéis aos princípios da oposição.

No Senado, as aprovações de dois indicados de Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin e Flávio Dino, foram as derrotas mais sentidas pela oposição. No caso de Dino, um dos principais antagonistas da direita brasileira, houve um esforço maior para barrá-lo, mas a oposição não conseguiu contra-atacar no "jogo bruto" do governo, falhando em ampliar seu leque de apoio para além dos 32 senadores que votaram em Rogério Marinho (PL-RN) na eleição para a presidência do Senado, em fevereiro. A oposição na Casa, porém, obteve vitórias ao se aliar com o Centrão em temas como marco temporal de terras indígenas e limitação das decisões individuais de juízes e ministros do STF.

Como a oposição está lidando com os "traidores" que votam com governo

Outro exemplo da falta de um alinhamento da oposição foi a rejeição de um pedido de urgência para votar um projeto que derrubaria o decreto de Lula sobre armas. Dez deputados do PL não apoiaram o requerimento, por abstenção, não comparecimento ou por oposição à proposta. A urgência, que colocaria o projeto de decreto legislativo como uma das prioridades de votação na Casa, não passou por apenas três votos. A situação gerou uma série de críticas internas entre a oposição.

“Dificilmente venho aqui dizer sobre votos. Mas perder por 3 votos, uma urgência de um tema caríssimo para o Brasil é revoltante. Ainda mais quando poderia ter sido evitado com votos da oposição – ou ‘oposição’. Inacreditável a falta de comprometimento de alguns deputados. Seguimos”, escreveu o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) na rede social X (antigo Twitter).

O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) avalia que a falta de unidade na bancada oposicionista é um problema que está sendo enfrentado por meio da exposição dos votos dos parlamentares que se dizem oposicionistas, mas que votam com o governo em determinados assuntos.

“Nós precisamos entender, em um primeiro momento, quem era oposição de fato. Um dos grandes marcos desse ano foi o estudo que fizemos através do PlacarCongresso.com, que vai ser ampliado no ano que vem para o Senado", contou Marcon. Segundo ele, a divulgação dos votos já gerou mudança de comportamento em alguns parlamentares. "Alguns que não votavam conosco, enfim, passaram a votar depois da divulgação desse placar".

A deputada Bia Kicis (PL-DF), presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, argumentou na mesma linha do colega e defendeu a exposição de parlamentares infiéis.

“O principal desafio é manter a oposição unida e focada, diante do constante assédio por parte do governo, com oferta de cargos e emendas. Mas a estratégia de expor aqueles que se passam por oposição, mas votam com o governo está gerando resultados e a oposição tem conseguido novos adeptos”, disse a deputada.

Segundo Bia Kicis, um exemplo da mudança de postura foi o fato de a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do abuso de autoridade ter atingido o número de assinaturas mínimo (171) para ser instalada na Câmara, após quase um ano tentando emplacar a investigação sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A oposição aumentou a pressão sobre outros parlamentares após a morte de Cleriston Pereira da Cunha, 46, que estava preso em Brasília, acusado de participar dos atos de 8 de janeiro. O óbito foi visto por alguns parlamentares como resultado da associação entre negligência e abuso do STF, já que o réu estava detido por mais de 10 meses sem sentença definida e aguardava havia dois meses e meio pela liberação por razões de saúde.

“Os abusos de autoridade do STF e do TSE culminaram em uma morte na Papuda. Esse evento catalisou, infelizmente por essa via trágica, a coleta das assinaturas necessárias para a instalação da CPI do Abuso de Autoridade”, disse o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), autor do requerimento. A CPI ainda precisa da aprovação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para ser instalada.

Vitórias dependeram de apoio do Centrão

Apesar do esforço concentrado da oposição em fazer frente ao governo Lula, grande parte das vitórias obtidas estiveram associadas ao apoio eventual de parlamentares do Centrão e de Lira. O recuo na votação do PL das Fake News, em maio deste ano, é um exemplo da pressão feita pelos congressistas mais fisiológicos em temas espinhosos à Câmara.

Relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o projeto foi retirado de pauta após acordo com os líderes da Casa para que o texto “fosse melhor debatido” e pudesse receber mais emendas.

Outro caso que mostra a dependência da oposição em relação ao Centrão foi o movimento de obstrução das pautas do governo, deflagrado em setembro, após o STF avançar em pautas consideradas de competência do Legislativo, como marco temporal, descriminalização do aborto e legalização das drogas. O movimento foi apoiado por diversas bancadas, com destaque para as Frentes Parlamentares da Agropecuária, Evangélica, Católica e da Segurança Pública. O principal resultado desta obstrução foi a aprovação, no Senado, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das decisões monocráticas, que limita as decisões individuais de ministros do STF.

O analista político Juan Carlos, CEO do Ranking dos Políticos, avalia que, de um modo geral, as derrotas do governo Lula no Congresso foram mais resultado de interesses setoriais do que da oposição. “O governo enfrentou desafios no Congresso, principalmente ao tentar desfazer políticas públicas estabelecidas durante as gestões Temer e Bolsonaro. No entanto, esses desafios foram mais resultado de interesses setoriais do que de uma oposição estruturada”, disse.

O Centrão, por sua vez, se fortaleceu neste ano. O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), pontua que o bloco comandado por Lira tem se beneficiado da polarização para avançar sua própria agenda.

“PP e Republicanos negociaram ministérios com o governo Lula e buscaram manter, ao mesmo tempo, pontes com a direita, mantendo as portas abertas com os dois campos políticos à espera do qual dará mais vantagem no momento político vindouro. Ou seja, o Centrão, muito sobrevivente, muito adaptável, maleável, integrou a base do governo Lula, mas não deixou de ter interlocução com Bolsonaro, principalmente nas pautas de costume, nas pautas de valores, vendo qual é o termômetro político”, disse o analista.

No Senado isso também se observou durante a aprovação da PEC contra o STF, em que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), ambos reconhecidamente aliados do governo, decidiram acelerar a tramitação da proposta após diálogo com a oposição. Para Alcolumbre essa interlocução é especialmente importante para viabilizar sua candidatura à presidência do Senado em 2025.

Para a oposição, 2023 foi um ano de vitórias pontuais, derrotas e de aprendizados. Os parlamentares ainda precisam, na visão dos especialistas consultados pela reportagem, consolidar e fortalecer sua capacidade de influenciar decisões políticas em níveis mais abrangentes.

“À medida em que a situação econômica não deslancha, que o cenário internacional continua ruim e que agora existe mais crise institucional entre os poderes, dessa vez entre o Legislativo e o Judiciário, há um espaço para desenvolvimento de novas frentes, de novas atividades da oposição", observou Gomes.

"Caberá ao PL, como maior partido da câmara de deputados e principal força da oposição, guiar esse processo buscando o apoio de outras bancadas".

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