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As medidas provisórias foram estabelecidas pela Constituição de 1988
As medidas provisórias foram estabelecidas pela Constituição de 1988| Foto: Beto Barata/PR

O presidente Jair Bolsonaro fez um momento de autocrítica ao comentar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou uma medida provisória (MP) do governo que determinava a demarcação de terras indígenas como atribuição do Ministério da Agricultura. O chefe do Executivo admitiu que falhou ao baixar a MP e que o STF estava correto no veto. Bolsonaro se referia ao fato de que a Constituição proíbe edição, no mesmo ano, de uma MP já rejeitada pelo Congresso – como ocorreu com outra norma sobre terras indígenas no início do ano.

A relação de Bolsonaro com as normas que envolvem as medidas provisórias deverá ter novos episódios nos próximos meses. Isso porque o Congresso deve promulgar, em breve, uma emenda à Constituição que modifica o rito de tramitação de medidas provisórias e, na opinião de deputados federais e senadores, fortalece o Parlamento.

A emenda foi aprovada pelo Senado em 12 de junho. A votação se deu em dois turnos e, em ambas as rodadas, não houve nenhum voto contrário. O consenso se motivou principalmente após os protestos de senadores no início do semestre, quando criticaram o pouco tempo que tiveram para avaliar algumas MPs apresentadas pelo governo Bolsonaro.

A nova regra tem como principal efeito o estabelecimento de prazos específicos para que Senado e Câmara analisem as medidas provisórias. A norma anterior estabelecia que a MP tinha efeito de lei logo após a sua edição e que o Congresso tinha 60 dias (prorrogáveis por mais 60) para avaliar o texto; se não houvesse a análise, a medida perdia efeito. A principal crítica a essa sistemática era de que não havia uma especificação sobre por quanto tempo a MP ficaria sob a guarda do Senado ou da Câmara. Por isso, era comum que uma casa criticasse a outra por ter "segurado" a medida e impedido uma avaliação mais criteriosa.

Agora, as MPs serão avaliadas por no máximo 40 dias em uma comissão mista, formada por deputados e senadores. Em seguida, irão para a Câmara, onde serão apreciadas em, no máximo, 40 dias. A terceira etapa, da análise pelo Senado, tem prazo de 30 dias. Por fim, há um período conclusivo de 10 dias para a Câmara deliberar sobre eventuais modificações feitas pelos senadores. Após o percurso no Congresso, a MP, se aprovada pelo Parlamento, se transforma em uma lei.

Outra determinação da emenda aprovada em 12 de junho é impedir os famosos "jabutis", que são temas que não pertencem à redação original da MP e que acabam inseridos na lei durante a tramitação no Congresso. Um exemplo de jabuti ocorreu em 2015: ao analisar uma medida provisória sobre construção de presídios, os parlamentares incluíram no projeto uma emenda para renegociação de dívidas do programa Pró-Álcool, da década de 1970.

Efeitos da mudança no rito das medidas provisórias para o governo

Em todos os governos após a redemocratização do país, uma crítica comum dos deputados federais e senadores é que as MPs pautam em demasia o Congresso e transformam os parlamentares em "carimbadores" das propostas do Executivo.

A criação de uma norma que estabelece mais rigor na análise das MPs, portanto, poderia ser vista como uma reação do Parlamento à gestão Bolsonaro – ainda mais em um momento como o atual, em que a Câmara dos Deputados fala bastante em protagonismo por causa da aprovação da reforma da Previdência.

Parlamentares que defendem a nova regra para as MPs, no entanto, negam a possibilidade. Segundo eles, as novas regras atendem a demandas antigas do Congresso. "Esse é o tipo de proposta em que todos os setores ganham. Ganha o Parlamento como um todo, porque cada casa legislativa, de acordo com suas responsabilidades, terá um prazo adequado para análise das matérias, poderá fazer suas discussões e modificações se necessárias. O Executivo também ganha, porque de nada adianta editar uma medida provisória se meses depois ela perde sua vigência porque não houve prazo adequado para a Câmara ou o Senado apreciá-la", afirma o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que foi o relator da proposta de emenda à Constituição que mudou a regulamentação das MPs. O deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR) endossa: "não entendo dessa forma [retaliação ao governo]. É, acima de tudo, uma busca pela ampliação da qualidade do trabalho das duas casas".

Por outro lado, os parlamentares acreditam que a nova legislação pode interferir no ritmo do envio de MPs ao Congresso. "Esse é o próximo debate a ser travado. Teremos impactos sim", aponta Bueno. "Com a medida, a gente pelo menos dá um freio nesse problema que é a discussão frágil sobre as MPs dentro do Congresso", acrescenta o senador Sérgio Petecão (PSD-AC).

Histórico das novas regras

A proposta aprovada pelos senadores em 12 de junho foi apresentada em 2011 pelo então presidente do Senado, José Sarney (MDB-AP). Nesses quase oito anos de tramitação, permaneceu por bastante tempo paralisada nos gabinetes de Câmara e Senado, mas volta e meia era trazida ao debate quando os parlamentares se queixavam do pouco tempo para analisar uma MP.

A motivação para o resgate da proposta em 2019 foi a controversa aprovação de duas medidas provisórias editadas pelo governo Bolsonaro, a 871 e a 872. Ambas foram votadas pelos senadores no último dia do seu prazo de vigência, que foi em 3 de junho, uma segunda-feira – data em que votações são extremamente raras no Congresso Nacional. Na ocasião, houve muitos protestos dos parlamentares.

"Essa foi uma PEC que tramitou no Congresso desde 2011. Ou seja, ela foi muito amadurecida, melhorada ao longo do tempo, inclusive com a colaboração e revisão da Câmara dos Deputados. Foi muito discutida, passou por um amplo debate e é muito boa para o país", afirma Anastasia. "Era uma questão que vinha se arrastando há muito tempo, e pelo menos chegamos a uma solução", reforça Petecão.

Bolsonaro e as medidas provisórias

Até o momento, o presidente Jair Bolsonaro editou 21 medidas provisórias. As normas contemplam temas variados, como a concessão de créditos ao Ministério da Defesa, a prevenção de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a remuneração de servidores da Advocacia-Geral da União.

As medidas provisórias mais recentes são a que cria o Médicos Pelo Brasil, programa firmado pelo Ministério da Saúde que substitui o Mais Médicos, baixada em 1º de agosto, e a que altera a Lei das Sociedades Anônimas, em 6 de agosto, que pôs fim à obrigatoriedade da publicação de balanços de empresas em jornais impresso.

Ao longo do primeiro semestre, os deputados e senadores não puderam avaliar apenas as MPs produzidas pelo governo Bolsonaro – havia na pauta do Congresso um verdadeiro "pacote" de medidas elaboradas durante a gestão do ex-presidente Michel Temer. Parte delas feitas nos meses de novembro e dezembro, quando Bolsonaro já estava na condição de presidente eleito.

Por causa da imposição sobre os trabalhos do Legislativo e também pelo que entendem como uma "banalização" das medidas provisórias, alguns parlamentares defendem a extinção das MPs. "As medidas provisórias, hoje, estão perdendo a razão de ser. Até porque o governo detém a prerrogativa de apresentar projetos de lei que tramitam com urgência dentro do Congresso. É algo que deveria existir mesmo apenas nos casos em que a legislação determina, os de urgência", diz Rubens Bueno.

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