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Deputados Carlos Jordy e Alexandre Ramagem foram alvos de operações da PF
Deputados Carlos Jordy e Alexandre Ramagem foram alvos de operações da PF| Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Em um contra-ataque às recentes operações deflagradas pela Polícia Federal contra os deputados Carlos Jordy e Alexandre Ramagem, ambos filiados ao PL do ex-presidente Bolsonaro, e eleitos pelo Rio de Janeiro, a oposição quer modificar a Constituição Federal para exigir autorização do Congresso em operações que mirem parlamentares.

O deputado Rodrigo Valadares (União-SE) é o autor da nova proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende exigir a aprovação prévia das mesas diretoras tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado Federal para a realização de quaisquer ações judiciais, mandados de busca e apreensão e investigações realizadas contra os membros das casas, com exceção dos casos de flagrante delito.

Apesar de ser uma reação legítima ao que a oposição considera abusos da Justiça, a proposta é controversa porque pode acabar privilegiando determinados parlamentares e reforçando a sensação de impunidade e corporativismo associada ao Congresso, segundo analistas ouvidos pela reportagem.

Por outro lado, segundo o deputado Valadares, é preciso proteger os mandatos de deputados e senadores contra "repetidos abusos cometidos pelo poder Judiciário, que colocam em risco a soberania do voto popular, o exercício parlamentar e a democracia em nosso país".

Veja aqui o debate desta semana do programa Assunto Capital sobre como a oposição pode explorar as falhas da Polícia Federal nas ações contra Ramagem e Carlos Bolsonaro.

Mesas diretoras da Câmara e Senado terão palavra final sobre operações policiais

A proposta do deputado Rodrigo Valadares determina um prazo de dez dias para que as mesas diretoras possam se manifestar sobre os pedidos, aprovando ou rejeitando a ação do poder Judiciário, sob a alegação de que "deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".

A PEC também estabelece que os pedidos de ações policiais contra parlamentares só poderão ser respondidos pelas mesas diretoras das casas Legislativas durante o ano, com a suspensão do prazo durante os períodos de recesso parlamentar.

Parte da revolta dos parlamentares da oposição contra das ações nos gabinetes de Ramagem e Jordy se deve em parte às ações terem ocorrido durante o recesso parlamentar. Mas além disso as decisões judiciais que fundamentaram as buscas continham uma série de falhas que não puderam ser contestadas pelas defesas dos deputados.

No caso de Ramagem, por exemplo, a decisão do STF que originou a ação de buscas em seu gabinete, não indica como ele teria atuado para alegadamente favorecer o grupo político do ex-presidente Jair Bolsonaro quando era diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Outras imputações do Supremo, apontando que, a mando de Ramagem, a Abin teria atuado para espionar ou incriminar adversários políticos de Bolsonaro, também trazem poucas provas. A oposição vem afirmando que as operações não têm embasamento e visam apenas ter acesso a celulares e computadores dos alvos para obter informações estratégicas ou elaborar novas denúncias.

Para o deputado Valadares, que busca mobilizar os colegas para conseguir as assinaturas necessárias para apresentar a PEC, [são necessárias 171, o que equivale a 1/3 dos parlamentares na Câmara dos Deputados], a PEC pretende reagir aos abusos que tem se tornado cada vez mais frequentes contra deputados de direita, que fazem oposição ao governo Lula, e ainda reestabelecer o equilíbrio entre os poderes.

"Não são novidade os abusos praticados pelo poder Judiciário contra Parlamentares por meio de ações que visam apenas intimidar e amedrontar os detentores de mandatos eletivos, o que leva ao constrangimento público e macula a imagem de um membro do poder Legislativo, como por exemplo no caso acontecido recentemente com o deputado federal Carlos Jordy, líder da Oposição na Câmara dos Deputados".

Na avaliação de Valadares, as ações da Polícia Federal contra o líder Carlos Jordy e contra o deputado Alexandre Ramagem, num intervalo de apenas uma semana, são ainda mais graves se considerarmos que o Congresso está em recesso, o que dificulta uma resposta rápida do Legislativo, reforçando assim o caráter de intimidação e coação das operações deflagradas contra parlamentares de oposição.

Para o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), 2° vice-presidente da Câmara, e uma das principais lideranças do partido no Rio de Janeiro, hoje a mesa diretora da Câmara não sabe sobre essas operações. "Eu acho que o Congresso Nacional é um poder da República e precisa estabelecer limites", disse o deputado, se referindo à proposta de emenda à Constituição que obriga a PF a informar sobre as operações.

Segundo o deputado, que também é vice-líder da minoria na Câmara, a insatisfação com as intromissões do Judiciário não deve ser tolerada também pelos presidentes das duas casas. Valadares disse que conversou com o presidente Arthur Lira no dia da operação contra o líder da oposição Carlos Jordy, e que ele também demonstrou descontentamento com o ocorrido. A oposição, de acordo com o deputado, tenta um encontro com Lira, para saber de que forma ele vai se portar frente aos últimos acontecimentos.

PEC pode favorecer impunidade e virar "puxadinho" de foro privilegiado, diz analista

Na medida em que as presidências da Câmara e Senado saberão antes de quaisquer operações ou investigações contra parlamentares, a PEC pode acabar virando um "puxadinho do foro privilegiado", comenta o analista e consultor de campanhas políticas Wilson Pedroso. Segundo ele, nem mesmo em escritórios de advocacia é preciso pedir autorização de busca e apreensão, como pretende a proposta do deputado Rodrigo Valadares.

Além disso, as informações prévias sobre operações futuras podem acabar privilegiando determinados parlamentares, o que pode gerar um sentimento de impunidade, "e todo sentimento de impunidade abre brecha para o mal feito", completa Pedroso.

Já o analista político Adriano Cerqueira acredita que se a proposta for adiante, é preciso ter cuidado para evitar o corporativismo e ao mesmo tempo o vazamento de informações, que já acontece dentro da própria Polícia Federal. "Terão que tomar medidas administrativas para preservar operações", pontua o analista. O aviso prévio poderia favorecer a impunidade, a partir da ocultação de provas, por exemplo, diz o analista.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, a possibilidade de autorização das mesas do Congresso Nacional para a realização de uma medida cautelar "abrirá mais uma porta para decisões que teriam, muito provavelmente, elementos de natureza política que iriam atuar em detrimento ou favorecimento de parlamentares, a depender de sua posição política".

A advogada destaca ainda que a intenção de se editar uma PEC exigindo a autorização do Congresso Nacional para a realização de determinadas medidas cautelares, como a busca e apreensão poderá esbarrar em "ranço de inconstitucionalidade", tendo em vista que haveria uma intervenção do poder Legislativo na esfera de outro poder público, que impediria a execução de atos indispensáveis à efetividade do Sistema de Justiça.

Medida pode ser questionada no Supremo

Uma vez aprovada, uma Proposta de Emenda Constitucional que determine que o Congresso tem que autorizar ações da Polícia Federal contra parlamentares pode eventualmente ser questionada e derrubada no STF, que vem acumulando um poder cada vez maior na República.

Analistas que abordam o caso apenas pelo lado jurídico, sem considerar a necessidade de independência do Legislativo e as implicações políticas do cenário, tendem a entender que a PEC pode ser considerada inconstitucional.

Segundo o mestre em direito público Marcos Jorge, a proposta pode ser considerada inconstitucional. Isso porque submeteria à aprovação do Congresso medidas judiciais, como distribuição de ações, expedição de mandados de busca e apreensão e investigações contra parlamentares.

Para o advogado, isso poderia ser considerado contrário ao princípio constitucional da autonomia e separação de poderes. Por outro lado, a ação da Polícia Federal por decisão do STF no Congresso também pode ser considerada uma interferência entre poderes se analisada da perspectiva do Legislativo.

Tanto Marcos Jorge quanto o professor Carlos Eduardo Callado, da Escola Paulista de Direito acham que a aprovação da PEC pode gerar mais insegurança jurídica. "Se essa PEC for aprovada entendo eu que ela vai ser considerada inconstitucional por violentar a tripartição dos poderes, violentar a independência do poder judiciário", diz Callado.

"A Polícia Federal já não age por ela mesmo, já tem uma manifestação do Ministério Público Federal, já tem uma autorização ou não da Justiça Federal. Então já é um controle aí para saber se há uma plausibilidade no pedido, se há os indícios necessários para deflagrar a operação. Então penso eu que a intenção é realmente dificultar o trabalho da Polícia Federal', completa.

Após conseguir assinaturas, proposta precisa passar por comissões da Câmara e Senado

A proposta de emenda à Constituição que quer obrigar a autorização prévia das mesas diretoras da Câmara e do Senado para operações da Polícia Federal contra parlamentares já recebeu 55 das 171 assinaturas necessárias, mas ainda terá um longo caminho pela frente.

Ao ser apresentada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), que avalia a admissibilidade do texto, e leva em conta a constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa da proposta. Se for aprovada, a Câmara criará uma comissão especial especificamente para analisar seu conteúdo.

A comissão especial terá o prazo de 40 sessões do plenário para proferir parecer. Depois disso a PEC deverá ser votada pelo Plenário em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre uma e outra votação. Para ser aprovada, precisa de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações.

Aprovado na Câmara, o texto vai para o Senado, onde é analisado mais uma vez pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada novamente em dois turnos.

O ano legislativo deve começar na próxima segunda-feira (5). Apesar das dificuldades de se aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição, o texto de Valadares deve ganhar força pela conjuntura política. Entram na conta em favor da oposição não só as operações contra Ramagem e Jordy, mas também a alegada implicação de Carlos Bolsonaro (que o STF diz ter pedido ajuda a Ramagem para ter acesso a inquéritos policiais) e um rumor de que ao todo 18 parlamentares de oposição estariam na mira do STF.



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