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Líder da China, Xi Jinping, recebe o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Pequim, em 14 de abril de 2023. Governo do Brasil quer ampliar uso do yuan nas suas trocas comerciais.| Foto: EFE/EPA/KEN ISHII

Durante encontro de cúpula dos líderes do Brics, realizado em Joanesburgo, na África do Sul, no fim de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) opinou que a dominância do dólar como moeda universal está com os dias contados. Com essa convicção, o governo se esforça para substituir a divisa americana pela chinesa, o yuan, nas transações comerciais do Brasil, começando com a Argentina, com objetivo de ajudar o país vizinho a administrar o baixíssimo nível de reservas cambiais. Outras iniciativas nessa direção virão dentro e fora do Brics – que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul, mas já aprovou a adesão de novos membros.

No entanto, analistas observam que o Brasil enfrenta desafios substanciais em levar adiante o plano de “desdolarização” da balança comercial devido à larga dependência do dólar, que representa cerca de 90% das transações de exportação e importação.

Na prática, as tentativas de operar fora da divisa de referência podem servir só para auxiliar países que já sofreram sanções comerciais e financeiras ou aqueles que correm o risco de enfrentá-las. Além disso, a estratégia pode criar tensões na relação bilateral com os Estados Unidos, acarretando potenciais danos políticos e econômicos.

Ismar Becker, consultor empresarial e palestrante, argumenta que embora seja possível que o dólar perca sua posição de moeda de referência global, isso provavelmente ocorrerá em um futuro distante. Ele destaca que, ao longo da história, várias moedas já ocuparam tal posição, incluindo as de Espanha, Holanda, Reino Unido e, mais recentemente, a dos Estados Unidos. “Contudo, os principais concorrentes do dólar, como o iene japonês e o euro, fracassaram em suas tentativas de substitui-lo”, sublinhou.

Becker também observa que o debate sobre opções à moeda americana avançou entre os países em desenvolvimento após os EUA congelarem as reservas em dólar da Rússia, em resposta à invasão da Ucrânia. Esse evento teria acendido um alerta entre os que poderiam ser os próximos alvos de medidas semelhantes. Ele destaca que a China vem aumentando as reservas de ouro como parte dessa precaução estratégica.

No entanto, o especialista questiona a razão pela qual o Brasil, “que não tem intenção de invadir seus vizinhos”, está tão empenhado na substituição do dólar nas transações.

O consultor destaca que para uma moeda se tornar reserva de valor amplamente aceita, ela precisa preencher quatro requisitos: alto volume de circulação, baixa dependência do mercado externo para evitar a manipulação cambial pelo governo, livre e ilimitada convertibilidade para trocas e transferências, e emissão em um país cujo mercado financeiro está livre de intervenção estatal.

Entre as quatro moedas de maior circulação, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) – dólar (58%), euro (20%), iene (5,5%) e libra (5%) – só o dólar corresponde ao perfil. O euro, apesar da ampla circulação, já foi manipulado durante a crise bancária do início dos anos 2000.

Além disso, o interesse de alguns países na substituição do dólar em suas transações comerciais pode estar ligado às suas questões políticas internas, como arbitrariedades jurídicas, restrições à liberdade de expressão, regime de partido único, corrupção e crises sociais. Isso é evidente tanto nos membros atuais do Brics quanto nos países que planejam ingressar em 2024, como Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Etiópia, Egito e Irã.

Em busca de uma opção ao dólar, em janeiro, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Alberto Fernández, da Argentina, discutiram a criação de uma moeda comum para facilitar as transações comerciais entre os membros do Mercosul, mas as tratativas não avançaram naquele momento.

Moeda americana domina 90% da balança comercial do país

Um desafio significativo para a implementação desse projeto de usar outras moedas em transações comerciais é a ampla dominância do dólar. A divisa representa quase a totalidade das moedas usadas nas exportações, com parcela de 95% nos últimos cinco anos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Em relação às importações, esse percentual é um pouco menor, ficando em 82,5%.

Embora o dólar tenha perdido alguma participação nas exportações entre 1997 e 2017, caindo de 97,9% para 92,5%, ele recuperou a posição dominante posteriormente. O euro e o real ganharam nesse período alguma participação, representando 9,2% nas operações de importação e exportação nos últimos cinco anos.

O emprego de outras moedas é bem maior nas importações, que somaram US$ 179,1 bilhões nos últimos cinco anos. O euro (US$ 92,4 bilhões), o real (US$ 58,7 bilhões), o iene (US$ 8 bilhões) e o yuan chinês (US$ 3,2 bilhões) são as moedas mais utilizadas nesse contexto.

O aumento nos contratos de importação em moeda chinesa, de US$ 240 milhões em 2018 para US$ 1 bilhão em 2022, sinaliza fortalecimento do yuan nas relações comerciais. “Os números ainda são baixos no conjunto do nosso fluxo comercial, mas o crescimento dessa denominação é notável”, disse a secretária de Comércio Exterior do MDIC, Tatiana Prazeres, à Agência Brasil.

Alexandre Ramos Coelho, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro da rede Observa China, argumenta que a introdução da moeda chinesa nas transações externas do Brasil deve ser considerada à luz das atuais turbulências geopolíticas globais. Para ele, o conflito comercial entre os Estados Unidos e a China, o aumento das taxas de juros americanos, a desaceleração econômica chinesa, os impactos globais da pandemia de Covid-19, as tensões no estreito de Taiwan e a guerra entre Rússia e Ucrânia têm implicações diretas para o Brasil. Tais fatores de instabilidade resultam em considerável volatilidade nas taxas de câmbio, sobretudo em relação ao dólar, euro e yuan.

Em resposta ao cenário desafiador, Coelho destaca a adoção de estratégia que inclua a criação de mercados e instrumentos financeiros para mitigar riscos cambiais associados a essas moedas. Ele enfatiza que o desenvolvimento de ativos financeiros vinculados ao yuan poderá ter importância crucial nesse contexto, atendendo às necessidades de gerenciamento de riscos do setor privado e, ao mesmo tempo, gerando confiança na possível utilização da moeda chinesa.

Brasil aceita receber yuan nas exportações para a Argentina

A China tem buscado promover o uso do yuan em parceria com seus países comerciais, celebrando acordos de swap cambial (troca de moedas) com cerca de 30 nações, incluindo o Brasil, Chile, Rússia e Suíça. Essa estratégia visa reduzir a dependência do dólar nas transações internacionais e permitir que cada país negocie com suas próprias moedas.

A “desdolarização” está gerando debate político nos Estados Unidos, com os líderes do Partido Republicano (oposição) alertando para o risco de que a maior economia do mundo possa perder um poderoso instrumento de sanções internacionais.

No âmbito da assistência à Argentina, que enfrenta escassez de dólares e uma crise econômica grave, o Brasil propôs que as compras de produtos brasileiros fossem pagas também em yuan, a moeda chinesa. Atualmente, o comércio bilateral entre o Brasil e a Argentina é denominado em dólares. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou essa oferta durante a reunião do Brics. A proposta envolve a conversão do yuan em reais por meio da filial do Banco do Brasil em Londres, antes de serem repassados aos exportadores brasileiros. A operação visaria aumentar a segurança dos exportadores, que estão preocupados com a possibilidade de inadimplência por parte de empresas argentinas.

“Pode ser uma boa notícia, se Argentina concordar, porque eles podem ter algum fluxo de venda dos seus produtos com 100% de garantia. E para o Brasil não haveria problemas porque há a garantia de que o câmbio vai ser feito do yuan para o real”, disse o ministro.

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