Lula recebeu, nesta quarta, no Palácio do Planalto, o presidente da Espanha, Pedro Sánchez| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência
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O presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, se encontrou nesta quarta-feira (6) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília. No encontro, os dois discutiram a agenda bilateral, os conflitos em curso no mundo e o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia que, desde o último ano, encontra-se paralisado.

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Após a reunião, os dois deram declarações à imprensa e Lula negou que as discussões sobre o acordo “regrediram”. O brasileiro também declarou que o Brasil “está pronto” para assinar o tratado. Sánchez, por sua vez, afirmou que há um “dever” por parte dos dois blocos de finalizar as discussões.

Em negociação há mais de 20 anos, o acordo não sai do papel devido ao impasse entre os dois blocos. Países europeus temem perder mercado na área de commodities agrícolas para empresas sul-americanas e por isso têm barrado sua ratificação. Ainda no início do ano, milhares de produtores europeus fizeram manifestações contra a concorrência estrangeira sobre produtos agrícolas locais.

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Na esteira dessas manifestações, o presidente francês, Emmanuel Macron, fez duras críticas ao acordo e chegou a dizer que ele era "impossível". Para que seja aprovado, todos os países de ambos os blocos precisam concordar com os termos pautados no acordo. O impasse europeu porém tem dificultado este avanço.

“A União Europeia sempre foi muito protecionista sobre acordos com outros países e dessa vez não é diferente. Ainda vai demorar algum tempo para que esse acordo seja finalmente fechado, não acredito que se resolva nos próximos meses”, afirmou José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Levantamento realizado pela Gazeta do Povo anteriormente mostra que ao menos sete países europeus já se manifestaram publicamente contra o acordo. São eles: Áustria, Bélgica, França, Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Polônia. Destes, a França é que mais tem se posicionado contra o tratado.

No começo de 2023 o parlamento francês aprovou um documento com uma série novas exigências ambientais a serem incluídas no acordo. A chamada side letter reabriu as discussões sobre os termos do tratado sem retomar à estaca zero as discussões sobre o documento, mas causou atritos entre os blocos.

Na época, Lula fez diversas críticas ao presidente francês. O petista também chamou as exigências de “inaceitáveis” e condenou o tom “ameaçador” da side letter. Em um dos novos termos, a França sugeria que a UE pudesse romper com o acordo a qualquer momento caso países sul-americanos não estivessem cumprindo com as exigências ambientais determinadas.

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Com impasse, especialistas avaliam acordo deve demorar mais alguns anos para sair do papel

Apesar de Lula dizer que as negociações não regrediram, Arno Gleisner, presidente da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), avalia que as discussões foram “postergadas” devido a pressões exercidas pelos agricultores sobre os políticos europeus.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que está pessimista. "Dificilmente ele será fechado neste momento. O acordo seria bom para o Brasil e para a União Europeia", avalia.

Para Gleisner, contudo, ainda há esperança. “Na Cisbra, nossa avaliação é de que outros segmentos da sociedade da UE irão pressionar no sentido oposto”, pondera. “⁠Mas agora é uma questão de tempo, esperando que os argumentos dos interesses opostos se reequilibrem. Reuniões presidenciais podem ajudar”, pontua.

A Gazeta do Povo ainda apurou com membros do parlamento europeu no Brasil que o atual momento "não é o ideal" para o avanço das negociações. Mudanças no corpo de negociadores e eleições previstas para acontecer na União Europeia nos próximos meses não tornam o momento favorável para o acordo.

Sánchez demonstra apoio ao acordo Mercosul-UE, mas negociação não deve avançar

O encontro entre Lula e Sánchez foi marcado por acenos do espanhol em relação ao acordo. Assim como o petista, o presidente do governo espanhol é um entusiasta do acordo de livre comércio e já saiu em defesa do tratado em diversas oportunidades. “Para Espanha, o Mercosul é chave na relação geopolítica”, disse Pedro Sánchez à imprensa em janeiro.

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Após cúpula da Comissão Europeia neste ano, o espanhol chegou a “alfinetar” Emmanuel Macron, tido como principal opositor ao tratado. Após reunião dos membros do bloco, Sánchez desmentiu alegações de membros do parlamento francês que chegaram a afirmar que as negociações com o Mercosul seriam interrompidas.

Disse ainda que a decisão sobre a aprovação do acordo "está nas mãos da Comissão Europeia”, afastando rumores de que países poderiam decidir pelo bloco. No encontro com Lula nesta quarta, os presidentes alinharam os interesses em relação ao acordo e Sánchez manifestou seu apoio à continuidade das negociações.

O apoio de Sánchez, contudo, não deve surtir em efeitos práticos assim como aconteceu no passado. No último ano, a Espanha presidiu a União Europeia por seis meses mas não conseguiu avançar com as negociações. Apesar dos encontros e reuniões com o governo brasileiro e com o Mercosul, as tratativas continuam paralisadas.

Lula falhou ao tentar fechar acordo durante presidência do Brasil no Mercosul

Ao assumir a presidência temporária do Mercosul no segundo semestre de 2023, aprovar o acordo com a UE se tornou prioridade de Lula. No mesmo período em que esteve à frente do bloco, Sánchez presidia a União Europeia. Apesar do momento propício, o tratado se manteve no papel e Lula precisou lidar com a rejeição do acordo ao encerrar sua presidência no Mercosul.

Nos últimos seis meses de 2023, a diplomacia brasileira encarou longas negociações com o bloco sul-americano e com o bloco europeu. O Brasil assumiu ainda a responsabilidade de responder à side letter enviada pelo parlamento francês no início do mesmo ano. A tréplica enviada à Europa foi negociada com os quatro membros sul-americanos (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).

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O Palácio do Itamaraty chegou afirmar ainda que o bloco teria adotado uma postura "flexível" em uma tentativa de destravar as negociações. Porém a estratégia não surtiu efeito. Em dezembro de 2023, o Brasil sediou a Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro e a expectativa era de anunciar a ratificação do tratado durante o evento, mas a União Europeia se manteve contra o tratado.

Pouco antes da cúpula em território fluminense, o presidente Macron aproveitou seu discurso na COP 28, em Dubai, para criticar o acordo. "Sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é um acordo completamente contraditório com o que ele [Lula] está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo […] Não leva em conta a biodiversidade e o clima dentro dele. É um acordo comercial antiquado que desmantela tarifas”, disse o presidente francês.

Para especialistas, talvez o acordo só possa de fato evoluir, depois que Emmanuel Macron deixar a presidência da França. Desde o último ano, a liderança francesa enfrenta altos índices de impopularidade. Considerado o principal país produtor da União Europeia, o tema agrícola tem forte apelo na França.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]