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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, nesta terça-feira (25), todos os questionamentos apresentados pelas defesas dos denunciados por suposta tentativa de golpe de Estado. Após a análise das preliminares, o colegiado suspendeu o julgamento das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete aliados envolvidos no chamado “núcleo 1”.
A sessão será retomada nesta quarta-feira (26) a partir das 9h30. O único a divergir em uma das preliminares foi o ministro Luiz Fux, que defendeu a transferência do julgamento para o plenário da Corte. Além disso, também apontou que as defesas podem alegar "incompetência absoluta" da Corte na chamada "rescindibilidade do julgado" em razão das decisões diversas sobre a competência do STF para julgar pessoas com foro privilegiado.
A rescindibilidade do julgado consiste na possibilidade de desconstituir uma decisão judicial que já transitou em julgado por irregularidades, e está prevista no artigo 966, do Código de Processo Civil. "Ou nós estamos julgando pessoas que não exercem mais função pública e não têm mais foro de prerrogativa do Supremo, ou nós estamos julgando pessoas que têm essa prerrogativa. E o local correto seria, efetivamente, o plenário do STF", declarou Fux.
No último dia 11, o Supremo ampliou o foro por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, para manter investigações na Corte após o fim dos mandatos. O placar ficou em 7 votos a 4. Sem a mudança na regra, o inquérito deveria ser remetido à primeira instância.
Na ocasião, o ministro André Mendonça destacou que “uma vez cessado o exercício do cargo ou função, cessa também o foro por prerrogativa de função do respectivo agente político, devendo os autos ser remetidos à primeira instância”. O entendimento foi seguido por Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin.
"Eu votei em companhia de vários colegas, então não é uma matéria pacífica [a manutenção de investigações depois do fim do mandato]. A incompetência absoluta é um vício que é passível de ser alegado inclusive na rescindibilidade do julgado. E nós, aqui na Primeira Turma, temos vários habeas corpus que foram impetrados e por incompetência absoluta foram concedidas as ordens", destacou Fux nesta tarde. No entanto, ele foi vencido e a análise da denúncia segue na Primeira Turma.
As defesa pedem que o processo seja encaminhado à primeira instância, pois apenas o ex-diretor da Abin e deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ), tem foro por prerrogativa de função atualmente. O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, afastou a preliminar de que o processo deveria ser levado para o plenário por conta do foro de presidente à época, alegando que “seria a exceção que o nosso regimento interno [...] estabelece”.
“No tocante ao Poder Executivo, há expressa e excepcional previsão de que a competência é do plenário para o chefe do Poder Executivo fundamenta-se na existência de um regime jurídico constitucional diferenciado a quem está exercendo a chefia de Estado e de governo”, disse.
Fux emendou afirmando que "o ministro Celso de Melo, professor de todos nós, dizia que a competência de foro não deve criar privilégios e nem criar justificativas e restrições a quem quer que seja. Portanto sempre procurei seguir esse entendimento […] Eu peço todas as vezes para acolher essa preliminar".
Moraes continua como relator
Por 5 votos a 0, os magistrados negaram a alegação de que Moraes seria suspeito para participar do julgamento por ter sido um dos citados no suposto plano de golpe. Ele foi o primeiro a votar e lembrou que o pedido já foi julgado pelo plenário do STF e negado por 9 votos a 1.
Moraes destacou que, pelo mesmo placar, o impedimento de Flávio Dino também foi negado e por 10 a 0 houve a rejeição no recurso contra Cristiano Zanin, que preside a Primeira Turma. “Em razão da decisão, afasto a preliminar”, votou sem se alongar no voto. Na sequência, Dino apontou que “não há lastro nem constitucional nem infraconstitucional para o acolhimento, por isso acompanho o relator”. Fux seguiu na decisão elogiando Moraes e afirmando que ele atuou “com tanta exação e competência”.
“Não há possibilidade de a gente permitir o raciocínio de que alguém seria parcial pelo fato de ter sido mencionado. Até porque, em outros documentos, neste caso específico, mencionam outros ministros [...] e nem por isso deixaria de comparecer e julgar. Há, portanto, todos os elementos suficientes para dizer que os juízes são imparciais e que, a menos que se comprove comportamento contrário, que não tem neste caso, não há porque afastar em nome de possível desconfiança de alguém”, emendou Cármen Lúcia.
Por fim, Zanin acompanhou o entendimento do relator e disse não ter identificado “nenhum interesse” por parte de Moraes que possa “configurar seu impedimento ou suspeição”, assim como de Dino.
Como votaram os outros ministros sobre a competência do STF
Moraes voltou a confirmar a competência do STF em analisar e julgar as ações penais envolvendo a suposta tentativa de golpe de Estado, lembrando dos casos relativos aos atos de 8 de janeiro de 2023 e processos relacionados.
“Não há nem necessidade da análise dessa questão de ordem porque, nos casos referentes ao dia 8 de janeiro, em 1.494 ações nós já confirmamos a competência da Turma. E, a partir da emenda regimental, em quase duas centenas, somando 168 casos do dia 8 com outras denúncias recebidas, também confirmamos que agora é competência da Turma”, citou o relator, destacando os acusados que tinham foro privilegiado à época dos fatos.
O relator refutou o que chamou de “narrativa” de que mulheres idosas teriam sido o principal alvo das condenações pelos atos de 8 de janeiro de 2023. De acordo com os dados apresentados pelo ministro, 68% dos casos são de homens, sendo que 91% seria de pessoas com menos de 59 anos.
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Dino seguiu o voto afirmando que o processo deve seguir a questão do “juiz natural”, de que não se deve diferenciar o “nome do eventual denunciado” para alterar o rito do julgamento. “É esta competência que deriva do juiz natural e garante a congruência interna no julgamento e, portanto, a igualdade a todos perante a lei”, citou lembrando que “seria errado” o deslocamento do processo neste momento.
Cármen Lúcia afirmou que segue “o princípio da isonomia” de que “se julgamos todos os casos referentes aos mesmos fatos como aqui já foi lembrado [...] ou se teria a nulidade de tudo o que foi feito, ou este caso passaria a ser agora um norte para que a gente desfaça tudo”.
“Quer pelo princípio do devido processo legal que determina que as normas são estabelecidas em nome da segurança jurídica, quer especialmente em nome do direito que todo mundo tem de ser tratado igualmente a todos os outros, incluindo a competência do julgador, que é o princípio do juiz natural, eu estou votando no sentido de rejeitar essa preliminar”, afirmou a ministra.
Zanin acompanhou Moraes “diante dos inúmeros julgamentos que já ocorreram” e que se manifestou pela competência do STF e da Primeira Turma em manter o julgamento dos processos envolvendo os atos de 8 de janeiro de 2023.
Delação de Cid é mantida
Moraes reiterou a legalidade de delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, destacando que a própria defesa apontou a voluntariedade do militar para firmar o acordo. Na defesa prévia, o advogado Cezar Bitencourt ressaltou que a orientação para fechar o acordo de colaboração premiada partiu da defesa técnica e “passou por um juízo de aceitação que foi extremamente maturado com Mauro Cid e sua família”.
As defesas dos denunciados questionaram o fato de Cid ter fechado o acordo com a Polícia Federal e não com o Ministério Público Federal (MPF). "Tanto o Ministério Público pode realizar o acordo de colaboração premiada quanto a polícia, mesmo sem a cordância do MP. O que não obriga o MP a utilizar desse meio de obtenção de prova", disse Moraes.
O relator reforçou que homologou o acordo após constatar que os termos cumpriram requisitos de regularidade, legalidade, adequação dos benefícios e resultados da colaboração. E enfatizou que, caso a denúncia seja recebida, os ministros devem analisar a validade da delação “como meio de obtenção de prova, mas não há nenhuma nulidade”. Para Moraes, houve “máxima observância dos requisitos legais na homologação do acordo e na manutenção do acordo”.
Ao acompanhar o relator, o ministro Flávio Dino ponderou que Cid não seria facilmente coagido, como apontaram as defesas. Ele disse ainda que o acordo de delação pode ou não para servir no andamento do processo. Fux destacou que vê com reserva o fato de terem ocorrido nove delações de um mesmo colaborador. O ministro também disse que o delator teria a “cada hora acrescentado uma novidade" e ressaltou que, desta forma, o colaborador não agiu como deveria.
A ministra Cármen Lúcia pontuou que não seria o momento para tratar da validade da delação. Para ela, a fase em que este ponto deve ser discutido novamente é na ação penal, caso a denúncia seja aceita. O ministro Cristiano Zanin corroborou a ponderação dos colegas sobre o momento para tratar da validade da delação e afirmou que ela pode ser rescindida, caso haja uma omissão dolosa.
Demais preliminares analisadas pela Primeira Turma
Moraes também rejeitou as preliminares contra o fatiamento do processo, que alegavam cerceamento de defesa por supostamente dificultar o acesso às provas e que questinavam a grande quantiodade de documentos juntados aos autos. O ministro afirmou que os advogados tiveram acesso a todos os ducemntos usados pela PGR na elaboiração da denúncia.
Moraes contestou o pedido das defesas para declarar a irregularidade do inquérito desde sua criação. A investigação teve início com o inquérito dos “atos antidemocráticos”, aberto em 2020 após uma manifestação pró-Bolsonaro em Brasília, arquivado em 2021 e que deu origem a outro sobre uma suposta organização criminosa digital.
Os ministros também não aceitaram a alegação das defesas de suposta “pesca probatória”. os advogados apontaram que se estaria investigando o ex-presidente “sem qualquer método investigativo tentando produzir provas em relação a isso de forma aleatória”.
Moraes rejeitou o pedido da defesa de Bolsonaro de que seria necessário implementar o “juiz de garantias”, mecanismo que prevê um juiz para analisar o caso antes da denúncia e outro para o julgamento. Todos os ministros da Turma acompanharam o relator. Pela manhã, Moraes e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentaram as argumentações para a aceitação, enquanto as defesas dos citados negaram participação no suposto plano para tentar um golpe de Estado.