A recepção festiva ao ministro Alexandre de Moraes no Palácio do Planalto, na última segunda (11), para participar do lançamento de um programa do governo federal para moradores de rua, sintetiza a aliança informal construída, desde o ano passado, entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao longo deste primeiro ano de mandato, a Corte não só não atrapalhou, mas deu força para o petista na arena política e no governo.
O próprio programa lançado por Lula é fruto de uma ordem de Moraes para que os governos federal, estaduais e municipais acolham a população de rua com ações sociais e que proíbe remoções forçadas dessas pessoas e de seus pertences das praças, viadutos e calçadas.
Fora isso, a atuação de Moraes nos inquéritos contra a direita gera ganho político imediato para o petismo. Cada investida do ministro para acossar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores nas diversas investigações que ele conduz, com mão de ferro, é celebrada por ministros de governo e políticos do PT. Eles gostam de anunciar que, mais cedo ou mais tarde, o ministro determinará a prisão do maior rival de Lula.
Moraes parece não se incomodar com essa torcida. Ao ocupar o púlpito para discursar no evento sobre os moradores de rua, Moraes sorriu na direção de Lula e da primeira-dama, Janja, quando a militância petista gritava “Vai, Xandão” e “sem anistia, sem anistia”, num apelo para que Bolsonaro e seu grupo político sejam punidos.
Num evento eleitoral do PT no fim de semana, Janja disse que, “se tudo der certo”, Bolsonaro será preso. Na terça, dia seguinte à invasão da conta dela na plataforma social X, Moraes assumiu para si a investigação do caso, mesmo sem indícios de que haja participação de autoridades com foro privilegiado – ao que tudo indica, o ministro ligou o ataque hacker à investigação sobre as “milícias digitais”, que mira apoiadores do ex-presidente.
As redes sociais, ademais, foram e continuam sendo foco da mesma preocupação do governo e do STF. A percepção de integrantes dos dois Poderes é que se trata de um território dominado pela nova direita, que abomina Lula tanto quanto a maioria dos ministros da Corte. Daí o empenho conjunto de tentar “regulamentar” o setor, vigiando com mais rigor o que trafega nas plataformas, sob o pretexto de combater “discursos de ódio” e conteúdos “antidemocráticos”.
Tudo isso se soma à mão pesada de Moraes e do STF sobre os apoiadores de Bolsonaro do 8 de janeiro, sempre chamados de “golpistas” pelo ministro e pelos petistas, por causa da invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, num ato de revolta contra a posse presidencial de Lula, uma semana antes. Os primeiros 25 réus já condenados pegaram penas que variam de 14 a 17 anos de prisão. Outras dezenas devem ter o mesmo destino.
Atos de ministros do STF em favor do governo Lula
Mas não é apenas Moraes que estendeu a mão para o governo Lula. Antes mesmo de início do mandato, o ministro Gilmar Mendes permitiu, numa decisão monocrática, que a nova gestão desembolsasse, fora do teto de gastos, os R$ 168,7 bilhões reservados neste ano para o programa Bolsa Família, maior vitrine eleitoral de Lula. A folga orçamentária não foi suficiente para o Executivo produzir superávit primário (receitas menos despesas, fora juros), principal métrica de equilíbrio das contas públicas e crucial para a saúde da economia.
Em novembro, o ministro Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula e colocado por ele na Corte, evitou um mal maior: pediu vista e suspendeu um julgamento que poderia obrigar o governo a corrigir saldos de FGTS pela poupança, índice superior à atual Taxa Referencial. Nas projeções mais otimistas do governo, a conta passaria dos R$ 8,6 bilhões nos próximos quatro anos.
Em março, o STF deu um grande presente para a governabilidade de Lula 3. Numa decisão monocrática, Ricardo Lewandowski, o mais fiel dos ministros indicados por Lula, liberou a nomeação de políticos profissionais para cargos de direção nas estatais. Isso estava proibido desde 2017, quando o próprio Congresso aprovou uma lei para estancar o prejuízo que as empresas públicas amargavam, nas gestões petistas, na mão de gente sem qualificação.
A liminar de Lewandowski, suspendendo esse trecho da Lei das Estatais, permitiu ao governo retomar a velha prática de loteá-las politicamente. Isso garantiu, por exemplo, que Aloizio Mercadante, quadro histórico do PT, assumisse o BNDES, e que o senador petista Jean Paul Prates presidisse a Petrobras. Caciques do Centrão, ávidos por cargos na máquina pública, gostaram da decisão, que até hoje não foi julgada de forma aprofundada e definitiva pelo STF.
Hoje aposentado, Lewandowski é o preferido de Lula para substituir Flávio Dino, indicado ao STF, no Ministério da Justiça. A missão é a mesma: combater Bolsonaro e seus aliados, manter a Polícia Federal nas rédeas e preservar a boa relação do governo com o STF.
No campo do combate à corrupção, a Corte aprofundou o desmonte da Lava Jato e o maior beneficiário disso foi o próprio Lula. Após anular condenações e investigações, o foco agora está em retaliar o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, protagonistas da operação, enquanto o tribunal é instado a resgatar as empresas que confessaram atos de corrupção. A J&F pediu à Corte um desconto na multa de R$ 10,3 bilhões que se comprometeu a pagar em acordo de leniência. A Odebrecht tenta manter benefícios concedidos a executivos mesmo após a decisão de Dias Toffoli que anulou provas entregues ao Ministério Público Federal.
Nessa decisão monocrática, em setembro, o ministro, que chegou ao STF graças a Lula, mas passou a ser malvisto por ele por não ter conseguido frear a Lava Jato em seu auge, tentou se redimir. Escreveu que a prisão do petista, ocorrida em 2018, quando ele presidia o STF, foi “um dos maiores erros judiciários da história do país” e que a operação praticou “tortura psicológica, um pau de arara do século 21, para obter ‘provas’ contra inocentes”.
Gilmar Mendes, o decano e mais influente ministro da Corte, também passou a elogiar Lula, em sentido oposto a seu discurso de alguns anos atrás, quando dizia que o PT havia instalado uma “cleptocracia” no país, devido aos esquemas do petrolão e do mensalão. Agora ele diz que Lula é um “estadista” e que, graças ao STF, ele voltou à Presidência da República.
No terreno ideológico, o STF também jogou junto com o Planalto
Neste ano, sob a direção de Rosa Weber, a Corte avançou com três pautas caras ao progressismo. Em agosto e setembro, antes de se aposentar, ela pautou julgamentos sobre drogas, aborto e terras indígenas.
Com isso, agora falta apenas um voto para a Corte descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal – isso só não ocorreu porque André Mendonça, que tende a votar contra, pediu vista e adiou a decisão. No caso do aborto, Rosa Weber abriu o julgamento votando para livrar de qualquer punição a mãe ou os médicos que põem fim à vida do feto até o terceiro mês de gestação. Os militantes da causa indígena, por sua vez, ganharam com o fim do julgamento que derrubou o marco temporal, que limitava a demarcação de terras ocupadas pelas tribos.
Apesar de todo o esforço de aproximação com Lula, o STF hoje se vê acuado. Os anos de ativismo judicial e político, especialmente para opor-se a Bolsonaro, desgastaram a imagem do tribunal junto à população e irritaram parte significativa do Congresso, que se tornou mais conservador e poderoso nos últimos anos. Em novembro, o Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição para acabar com as decisões monocráticas dos ministros.
A reação veio no dia seguinte: Gilmar Mendes e o atual presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, protestaram no plenário. “É preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça de maneira muito clara. Essa Casa não é composta por covardes. Essa Casa não é composta por medrosos. Esse Supremo Tribunal Federal não admite intimidações”, declarou Gilmar Mendes.
Ele e outros ministros ficaram indignados com o voto favorável à PEC do líder do governo no Senado, Jaques Wagner, e cobraram uma resposta do Planalto. Na mesma semana, Lula recebeu Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes para uma conversa. Ficou acertado que o presidente aceitaria o nome que eles queriam para a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e para a vaga de Rosa Weber no STF. Com as indicações de Paulo Gonet e Flávio Dino para os respectivos cargos, o clima ruim logo se desfez e a “harmonia” entre os poderes voltou a vigorar.
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