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O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) reabriu o debate sobre a distribuição de recursos federais e foi tachado de separatista.| Foto: Divulgação/Flickr/Romeu Zema

O discurso do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em favor da articulação dos sete estados do consórcio Sul-Sudeste (Cosud) para defender os interesses das duas regiões no âmbito da Federação, a começar pela reforma tributária, desencadeou diversas e intensas reações de políticos no último fim de semana. Para analistas, porém, o governador mineiro iniciou uma estratégia ousada para mobilizar a oposição na eleição presidencial de 2026.

A maioria das reações tratou rapidamente de classificar Zema como separatista e preconceituoso, sobretudo com o Nordeste. Em resposta às críticas, ele explicou que a coalizão Sul-Sudeste proposta em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo visa “somar esforços” e não “diminuir regiões”.

Ao aparentemente abandonar a tradição conciliadora da política mineira e investir numa articulação a partir de blocos definidos pela geografia, Zema parte do elo natural em torno de demandas dos estados mais desenvolvidos para testar narrativas tradicionais em torno da desigualdade regional, que sempre são usadas em favor do populismo, sobretudo de esquerda.

Quando defende explicitamente a cooperação entre duas regiões que somam 56% da população, 70% da economia e cerca da metade (256) dos 513 votos na Câmara, Zema tenta ainda reequilibrar a própria Federação. “Diálogo e gestão são fundamentais para o Brasil ter mais oportunidades. A distorção dos fatos traz divisão, mas a força do país está no trabalho em união”, sublinhou.

Para o cientista político Ismael Almeida, a fala de Zema não abraça a ideia separatista, como políticos de esquerda exageradamente imputaram, mas sim destaca desigualdades na Federação e questões sempre evitadas por sua natureza politicamente sensível. Ele esclarece que os incentivos dados ao Norte e ao Nordeste, desde a Constituinte, foram justificados devido às disparidades regionais flagrantes.

“A realidade dessas regiões, contudo, melhorou de forma geral, enquanto Sul e Sudeste enfrentam perdas, boa parte devido à desindustrialização”, ressaltou, lembrando que bolsões de pobreza podem ser encontrados hoje no Rio Grande do Sul, por exemplo. “Zema apontou para a necessidade de reavaliar o pacto federativo, pois, caso a desigualdade persista, todos os estados sofrerão as consequências”.

Mapa das urnas replica divisão ideológica em nível regional

Numa camada menos explícita, a estratégia do governador convalida o aspecto regional da polarização político-ideológica do país e procura nova abordagem para os redutos eleitorais dominados por governos de esquerda que também são alvos prioritários de investimentos federais, sobretudo na área social.

Zema desnuda o tratamento desigual da União para com a parcela majoritária da população, sobretudo a localizada nos três maiores colégios eleitorais – Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro – e toma a dianteira em um debate antes protagonizado pelos governadores paulistas. Analistas questionam, por exemplo, porque o Consórcio Nordeste, que exibiu uma forte postura política contra o governo anterior, não pode ser interpretado também como arranjo divisionista. A discussão será reaberta.

A aposta de Zema no Cosud também coloca dificuldades para a estratégia política de Lula anunciada no começo de seu mandato, de buscar uma aproximação maior com os governadores, sem se importar com a filiação partidária de cada um, em contraponto à política de bancadas temáticas na Câmara idealizada por Bolsonaro. Uma nova lógica de discussão em torno dos recursos federais pode relativizar o papel dominante de vínculo de Lula com os governos estaduais para viabilizar projetos estaduais e regionais.

Eleitorado de Minas Gerais tem sido o fiel da balança eleitoral

De acordo com Arthur Wittenberg, professor de políticas públicas no Ibmec-DF, a abordagem de Zema introduziu nova perspectiva na política mineira, que tradicionalmente se caracterizou pela busca de consensos bastante abrangentes. Tal característica é um reflexo da diversidade presente em Minas, estado que abriga tanto regiões prósperas quanto outras mais carentes.

Entretanto, ele identifica na estratégia do governador a exploração de tensões regionais, ideológicas e políticas latentes. “Prova disso são políticos e eleitores mineiros e paulistas que ocasionalmente expressam a sensação de contribuir mais do que recebem no contexto da Federação”, disse. Ele destaca que, apesar de Lula ter vencido em todos os estados do Nordeste, em Minas a vitória foi por uma margem estreita. Por outro lado, Bolsonaro venceu nos estados do Sul e Centro-Oeste, e no restante do Sudeste.

Com sua aposta no Cosud, Zema abarca o principal fator de decisão dos últimos pleitos presidenciais, resumido justamente em seu próprio estado. Minas Gerais foi o responsável pelas derrotas em margens apertadas de Aécio Neves (PSDB) contra Dilma Rousseff (PT) e de Jair Bolsonaro (PL) contra Lula (PT). O mapa eleitoral do pleito de 2022 consolidou uma espécie de secessão nacional entre a metade azul da direita nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste versus a metade vermelha da esquerda, de Norte e Nordeste. Nessa dicotomia Norte-Sul, destoam apenas Roraima e Minas Gerais.

O retrato que consagra o Nordeste como potência eleitoral da esquerda e Minas como fiel da balança também pode animar o debate sobre o modelo de desenvolvimento nacional que não venceu a elevada dependência das populações das regiões menos desenvolvidas por programas assistenciais e de transferência de renda, reforçando as convicções liberais de Zema, em favor da atividade produtiva e da livre iniciativa.

Como saldo indireto, o discurso de Zema de agregador dos estados mais industrializados e economicamente dinâmicos pode fortalecer a sua própria imagem no eleitorado mineiro, que valoriza o protagonismo nacional de seus líderes associado à valorização das suas raízes. Com o desafio de vencer o fenômeno eleitoral de esquerda que se replica nos municípios das áreas norte e nordeste de seu próprio estado, o governador desafia a lógica da transferência das receitas federais como instrumento de progresso econômico e joga luz sobre o problema da sub-representação eleitoral da parte majoritária da nação. Não por acaso, o governador é alvo constante de interpretações equivocadas de suas falas.

Por fim, ao identificar a maioria parlamentar de Sul e Sudeste na Câmara, pressiona as bancadas de esquerda de cada um dos seus estados a defenderem interesses dos seus eleitorados e agrega um novo fator definidor na Casa legislativa com mais peso na definição das questões orçamentárias. Como no Senado, o Nordeste representa um terço dos votos e alcança a maioria em articulação com Norte e Centro-Oeste, regiões também servidas por fundos de desenvolvimento regional, o foco na Câmara serve para fortalecer o contraponto ao desenvolvimentismo que domina a política desde Getúlio Vargas, intensificado após o governo Juscelino Kubitschek, com contribuições dos governos militares, sobretudo de Ernesto Geisel, e apropriado pela esquerda.

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