Nova Lei Orgânica da Polícia Militar aguarda sanção presidencial.| Foto: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo
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Obrigatoriedade do diploma de Direito para oficiais do quadro do Estado Maior e permissão ao Governo do Estado para dispensar o cargo de secretário da Segurança Pública estão entre as polêmicas da nova Lei Orgânica da Polícia Militar. O projeto de lei 3.045/2022 foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e aguarda sanção presencial para se tornar lei.

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O projeto assegura que o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar possuem "caráter estadual" e são subordinados ao governador de cada unidade federativa. Com a possibilidade de não haver cargo de secretário da Segurança Pública, o comandante-geral da PM poderia se reportar diretamente ao governador.

Para o relator do projeto na Câmara, deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) , o trecho do projeto que retira a obrigatoriedade do secretário da Segurança não é para incentivar medidas estaduais, mas permitir aqueles que já usufruem dessa dinâmica, “Estamos respeitando aqueles estados que por ventura queiram colocar o comandante-geral e o delegado-geral do estado como secretário. Não estamos impondo absolutamente nada, apenas dando essa possibilidade”.

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Para o estado de São Paulo, que abrande o maior efetivo da PM - cerca de 80 mil, contando com bombeiros - Capitão Augusto diz é desnecessária a figura do secretário. “Eu acho que pelo tamanho da instituição da Polícia Militar deveria ser considerado cargo de secretário [o comandante-geral], assim como em São Paulo tem o secretário da Casa Militar, que é um coronel e tem o status de secretário. Compete a cada governador decidir o que é melhor. Se um dia eu fosse governador, o comandante-geral da PM teria o status de secretário”.

O texto também prevê que as polícias podem criar ouvidorias subordinadas ao comandante-geral, mas de acordo com o deputado federal, este é um dos pontos que devem ser vetados pelo presidente Lula (PT). “Tive uma reunião no Ministério da Justiça essa semana para ver os vetos, mas o projeto está muito bom para todos. Os vetos serão sobre a ouvidoria e sobre a Polícia Ambiental e, então, retorna para a Câmara, mas nem iremos trabalhar para derrubar os vetos”, afirma o parlamentar. O trecho sobre a Polícia Ambiental que deve ser vetado, segundo o deputado, refere-se à autorização para lavrar autos de infração, aplicar sanções e penalidades administrativas.

Capitão Augusto evidencia que o PL atualiza uma legislação de 50 anos. “A Lei Orgânica é um divisor de águas para nós: para ter uma ideia, essa lei vem para substituir o decreto 667 de 1979. Aproveitamos um projeto de 2001 que estava empoeirado. Eu tinha feito um acordo com o Rodrigo Maia (PSDB) e depois com o Arthur Lira (PP) e conseguimos finalmente tirar da gaveta. Isso fortalece em vários aspectos jurídicos e de direitos de garantias. É uma mudança de patamar, algo histórico”, avalia ele.

Sobre a obrigatoriedade do diploma de Direito para os oficiais do Estado Maior, o parlamentar justifica: “já temos o nosso código, lidamos com isso diariamente, na ocorrência nós fazemos inquéritos. Todos os oficiais estão obrigados a conduzir inquéritos. Fazemos boletim de ocorrência todo dia e precisamos saber se é crime ou contravenção. Para nós, é um instrumento de qualificação dos nossos policiais, mas isso vai se dar mais no âmbito da academia de oficiais”.

Sindicato paulista reclama que Lei Orgânica da PM aumenta cisão na corporação

O vice-presidente da Associação dos Praças da Polícia Militar do estado de São Paulo, Aurélio Gimenes, diz que a nova Lei Orgânica da PM aumenta a divisão entre oficiais e praças, mas não vai alterar a rotina do policial. “Essa lei não ajuda em nada a vida dos praças, essa é a grande verdade. O que eu estou querendo dizer é que a Lei Orgânica divide ainda mais a polícia”, opina.

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Na opinião de Gimenes, a criação de quadros é desnecessária. “A Lei Orgânica está criando novos quadros dentro da PM: vai ser o quadro de praça, quadro de oficial de Estado-Maior, o quadro de oficiais especialistas, o quadro da saúde (médicos e dentistas) e também terá o quadro de oficiais da reserva e os praças da reserva. É uma coisa inédita, que só promove a separação que existe, não vejo necessidade”, afirma.

Ele critica também a opção pelo texto que teve seguimento e o abandono ao que considera uma versão melhor, contida no projeto de lei 6.440/2009. "Contemplava carreira única, pela qual qualquer policial militar tem que ingressar como soldado e vai progredindo na carreira até chegar à coronel. O projeto foi rejeitado pelo Capitão Augusto. Ele fala muito que ele é oriundo da praça, defende os praças, mas rejeitou a melhor parte do PL 6440”.

Sobre o cargo de secretário, o segundo tenente da reserva tem a mesma opinião que o parlamentar paulista. “Várias polícias no mundo não têm essa figura do secretário. O comandante-geral poderia se reportar diretamente ao governador”, reitera.

Para Gimenes, caso a legislação obrigue o curso superior de Direito, isso deveria valer para todos. “Vejo como extremamente desnecessária essa questão da obrigatoriedade do curso superior, a não ser que seja para todos os policiais. Vejo como mais uma forma de segregar a Polícia Militar”, opina ele.

Especialista diz que não há necessidade de curso superior para oficiais

José Vicente, coronel da reserva e conselheiro da Escola de Segurança Multidimensional da Universidade de São Paulo (USP), destaca que a atualização da nova Lei Orgânica da Polícia Militar é um dos principais ganhos. “Um aspecto importante é que atualiza os fundamentos, porque a regulamentação que ainda está em vigor é de 1969. Durante a tramitação tentaram colocar algumas coisas muito estranhas, como criação do posto general, lista tríplice para o governador escolher o comandante da PM, mas foram sendo retiradas. Vejo inconveniência em algumas questões, praticamente não menciona a existência da Polícia Civil que, por sua vez, tem Lei Orgânica própria, que também não fala nada da PM, como se fossem entidades completamente distanciadas”, pondera.

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Vicente vê com preocupação a ausência do cargo de secretário da Segurança Pública. “Desconheço também na redação a possibilidade de existência de um secretário da Segurança Pública para fazer a coordenação dos trabalhos das instituições. Vai ter que ser feito um arranjo complicado para que os secretários continuem a existir e é importante que resistam”.

Para o coronel da reserva, a Lei Orgânica da PM retorna em pontos já superados. “As polícias têm tradições próprias de uniformes, de tipos de viaturas e há uma tentativa de fazer uma padronização através do governo federal. Já foi tentado durante o governo militar, por exemplo, um uniforme nacional para os PMs. Outra preocupação que vejo é tentativa de ter uma simetria com as forças armadas, principalmente de hierarquia”. Ele é contrário à necessidade do curso de Direito.

"Desafio qualquer pessoa de qualquer órgão que me mostre que o Direito é necessário para o exercício da função".

José Vicente, coronel da reserva e conselheiro da Escola de Segurança Multidimensional da USP

Vicente diz que o policial precisa de curso de gestão e não de Direito. “Eu nunca vi exigir o curso de Direito para ser policial, porque o problema do chefe de polícia, tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel não é de Direito - esse pode ser do promotor. O problema é gestão do policiamento, não há faculdade de Direito que tenha matéria sobre gestão. Direito não habilita as pessoas em gestão, quem habilita gestão é Administração”, conclui Vicente.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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